Em entrevista, o cardeal John Onaiyekan conta a sua versão da história
A Nigéria passa por uma situação dramática. O grupo extremista militante Boko Haram ainda não libertou as duzentas meninas raptadas há dois meses. Os militares esperam que a Assembleia Nacional do país aprove uma verba de 1 bilhão de dólares para combater o grupo.
A insurgência violenta do Boko Haram vem se tornando cada vez mais brutal desde 2009, quando o grupo foi formado com o objetivo de implantar um governo puramente islâmico. Várias igrejas cristãs foram atacadas e muitas pessoas foram sequestradas ou assassinadas. O presidente Goodluck Johnathan foi alvo de críticas por não lidar adequadamente com a facção terrorista.
Aleteia conversou com o cardeal John Olorunfemi Onaiyekan, de Abuja, capital da Nigéria, sobre a sua visão do real sofrimento dos cristãos da Nigéria.
Eminência, qual é a situação real do sofrimento dos cristãos na Nigéria?
Cardeal Onaiyekan: A informação divulgada pela mídia internacional é verdadeira, mas não conta a história completa. A BBC, a Al-Jazeera, a CNN, todas elas falam sempre das coisas ruins, das bombas, dos assassinatos, dos incêndios. Eles nunca têm tempo para falar dos esforços que os nigerianos estão fazendo para viver todos juntos, para isolar os desordeiros e para construir uma nação pacífica.
Pode haver alguns muçulmanos na Nigéria que querem distância dos cristãos, mas também há cristãos que querem distância dos muçulmanos. Mas essas pessoas são poucas. Existem extremistas nos dois lados. Na grande maioria, nós, nigerianos, estamos acostumados a viver todos juntos.
No âmbito social, você não nota as diferenças entre cristãos e muçulmanos: todos nós nos vestimos de modo semelhante, vamos aos mesmos mercados, aos mesmos escritórios, às casas do governo; todos nós temos as mesmas forças armadas e a mesma polícia. Então, quando as pessoas dizem que os muçulmanos estão matando os cristãos, nós, na Nigéria, respondemos: “Não, por favor, não fale assim”.
Nós queremos deixar claro que estamos muito envergonhados por causa das atividades desse pequeno grupo de fanáticos muito perigosos e perversos, que são um problema também para os muçulmanos.
Eu sempre digo ao meu povo na Nigéria: “Não pensem que o terrorismo é só contra os cristãos. O Taleban no Paquistão é contra os muçulmanos no Paquistão. As pessoas que a Al-Qaeda está matando no Iraque e no Afeganistão são muçulmanas também”.
Nós, na Nigéria, temos que entender isso e, sendo cristãos ou muçulmanos, temos que dar as mãos para lidar com esse grupo. As coisas que o Boko Haram tem feito são muito estranhas a nós. Nunca teríamos acreditado, há cinco anos, que iríamos ter um grupo desses na Nigéria.
Existe lugar para o cristianismo na sociedade e no governo nigeriano?
Nós, como cristãos na Nigéria, vivemos num ambiente em que não há segurança adequada, então não há maneira de evitarmos a matança de cristãos, porque eles estão matando todo mundo. Às vezes, eu sei que, como grupo islâmico, o Boko Haram mira os cristãos, mas não é que nós, cristãos na Nigéria, estejamos sentindo uma particular perseguição, pela simples razão de que nós não somos uma parte fraca; nós somos numerosos, temos poder econômico, temos influência política. Aqui, os cristãos e os muçulmanos vivem num equilíbrio muito maior do que em outros países.
O que acontece, infelizmente, é que os muçulmanos são mais propensos a defender o islã e rejeitar tudo o que é contra o islã. E os cristãos, infelizmente, muitas vezes não se levantam para defender o cristianismo e acabam permitindo muitas coisas que não são a favor do cristianismo. E dizem que devemos nos separar da política.
Mas eu digo: parem de dizer aos muçulmanos que eles têm que parar de misturar religião com política. Vocês estão perdendo tempo, porque eles vão continuar fazendo isso. Então perguntem a vocês mesmos que tipo de política vocês estão promovendo. Perguntem: a minha religião significa tanto para mim na política quanto o islã significa na política para os muçulmanos? Se a minha fé cristã não tem impacto na minha política cristã, e os muçulmanos consideram a religião deles como a única importante, então nós vamos ter problemas.
Na Europa, eles perguntam por que nós não paramos de misturar religião com política. Nós achamos que, se eles decidiram deixar a religião de fora da política, é uma escolha deles, mas não vamos fazer o mesmo.
O senhor pode nos falar sobre a situação das 200 meninas sequestradas? Há alguma novidade?
De novo, eu fico envergonhado com o sequestro de tantas meninas. Já faz dois meses. Eles continuam nos dizendo “não se preocupem, nós vamos resgatar todas elas”, mas, para mim, é enrolação.
Dois meses é um período longo demais para deixar meninas de 15 e 16 anos nas mãos de um grupo de terroristas. E sob a influência de drogas. As chances de que essas pobres meninas estejam sofrendo abusos e maus tratos são altíssimas, o que significa que o nosso governo não tem desculpas para não ter sido mais eficiente. Nós ainda estamos esperando!
Obama enviou alguns norte-americanos para a Nigéria e eles ainda estão em Abuja, no Hotel Hilton, se divertindo, tendo reuniões com funcionários do governo. Nenhum deles está nem perto do campo de batalha do Boko Haram.
Em outras palavras, o que a comunidade internacional está fazendo, os ingleses, franceses, norte-americanos, é tudo só política. E eu acho que o nosso governo sabe disso. Ninguém vai nos ajudar a resgatar essas meninas. Nós é que temos que ajudar a nós mesmos.
Antes do sequestro das 200 meninas, o Boko Haram já sequestrava mulheres, meninas e meninos constantemente. As pessoas não deveriam estar falando só das 200 meninas, mas da situação completa: esses terroristas invadem as aldeias e raptam meninos, meninas e esposas.
Os cristãos devem ter o direito de se proteger?
Todo mundo tem direito à legítima defesa, seja cristão ou não. Se você está sendo atacado, você vai se defender do jeito que for possível.
Mas eu não quero que pareça que, no mundo todo, os muçulmanos são pessoas armadas matando gente. Nós precisamos reconhecer que, infelizmente, e muitas vezes, a religião é usada nesse tipo de situação. O Boko Haram afirma que faz tudo isso por causa do islã, mas a comunidade islâmica da Nigéria diz que não, que não é nisso que os muçulmanos acreditam.
É por isso que o exército nigeriano está combatendo o Boko Haram, não só para proteger os cristãos, mas para desarmar o Boko Haram. E no exército nós temos cristãos e muçulmanos na mesma unidade.
Entrevistador: Wael Salibi