Em entrevista no voo ao voltar do México para Roma, o Papa Francisco não fugiu de temas difíceis do debate atualSanto Padre, no México existem milhares de desaparecidos. No entanto, o caso dos 43 de Ayotzinapa é um caso emblemático. Gostaria de lhe perguntar: por que não se reuniu com eles?
Nas minhas mensagens fiz referências contínuas aos assassinatos, às mortes, à vida cobrada por todas estas gangues do narcotráfico, dos traficantes de seres humanos. Ou seja, falei sobre este problema, das chagas que o México está sofrendo. Eram tantos grupos, mesmo contrários entre si, com lutas internas.
Portanto, eu preferi dizer que na Missa se veem todos, na Missa de Juárez, ou se preferirem em qualquer outra, mas que havia esta disponibilidade. Era praticamente impossível receber todos os grupos, que, por outro lado, eram contrários entre si. É uma situação difícil de entender, para mim, que sou estrangeiro, verdade?
Mas creio que é uma sociedade mexicana que é vítima de tudo isso: dos crimes, deste fazer desaparecer as pessoas, de descartar as pessoas. Sobre isso eu falei. Sendo um discurso público, podes constatar ali. É uma dor muito grande, porque este povo não merece um drama como este.
O tema da pedofilia, como bem o sabe o México, tem raízes muito dolorosas. O caso do Pe. Maciel deixou fortes sinais, sobretudo nas vítimas. As vítimas continuam a sentir-se desprotegidas pela Igreja. Muitos deles continuam a ser homens de fé, e alguns até mesmo seguiram o sacerdócio. Pergunto-lhe: o que pensa deste tema? Em algum momento pensou em encontrar as vítimas e, em geral, esta ideia de que os padres, quando são descobertos por um caso desta natureza, sejam somente transferidos para outra paróquia e nada mais?
Bem, começo pela segunda. Um bispo que transfere um padre de paróquia quando se reconhece um caso de pedofilia, é um inconsciente, e o melhor que pode fazer é apresentar sua renúncia. Claro?
Segundo, voltando ao caso Maciel. E aqui, me permito prestar uma homenagem ao homem que lutou em momentos em que não tinha a força para se impor, até que não conseguiu se impor… Ratzinger… o cardeal Ratzinger, sim, um aplauso para ele! É um homem que teve toda a documentação. Quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, teve tudo em suas mãos, fez investigações, chegou, chegou, chegou… mas não pôde ir além na execução.
Porém, se vocês recordarem, dez dias antes de morrer, São João Paulo II – naquela Via-Sacra da Sexta-Feira Santa – disse a toda a Igreja que era preciso limpar as “porcarias” da Igreja. E na Missa ‘Pro Eligendo Pontefice’ – ele não é um bobo, sabia que era um candidato – não usou máscaras e disse exatamente a mesma coisa. Ou seja, foi o corajoso que ajudou tantos a abrir esta porta. Assim quero que vocês recordem dele porque, às vezes, nos esquecemos deste trabalho escondido, daqueles que prepararam a estrada para destampar a panela.
Terceiro, estamos trabalhando bastante com o cardeal secretário de Estado, estamos conversando, e também com o grupo dos nove cardeais conselheiros. Após escutar decidi nomear um terceiro secretário adjunto na Doutrina da Fé, para que se encarregue somente destes casos, porque a Congregação, de fato, não consegue dar conta de tudo aquilo que tem que se feito.
Além disso, foi constituída a Corte de Apelação, presidida por dom Scicluna, que está se ocupando dos casos em segunda instância, quando há recursos. Porque os primeiros recursos são feitos pela plenária, pela “feria quarta”, como a chamam, da Doutrina da Fé, que se reúne nas quartas-feiras. Quando há recursos, volta-se à primeira instância e isto não é justo. Então, segundo recurso, perfeitamente legal, já com o advogado de defesa. Mas é preciso apurar porque temos tantos atrasos nos casos, porque aparecem casos.
Quarto, sobre outra coisa sobre a qual se está trabalhando muito bem é a comissão para a proteção dos menores. Não é rigorosamente fechada aos casos de pedofilia, mas à proteção dos menores. Ali, me reuni uma manhã inteira com seis integrantes – dois alemães, dois irlandeses e dois ingleses. Homens e mulheres, abusados, vítimas.
E também e me reuni conta tantas vítimas na Filadélfia. Também lá, uma manhã, tive um encontro com as vítimas e sei que se está trabalhando. Mas dou graças a Deus que esta panela tenha sido destampada, e é preciso continuar a destampá-la. E tomar consciência. E, por fim, quero dizer que é uma monstruosidade, porque um padre é consagrado para levar uma criança a Deus e lá se aproveita dela como em um sacrifício diabólico, destruindo-a.
Bem, no que diz respeito a Maciel… Voltando à Congregação, fiz uma intervenção, e hoje o governo da Congregação encontra-se em uma “semi-intervenção”. Ou seja, o superior geral é eleito pelo Conselho, pelo Capítulo Geral, mas o vigário é eleito pelo Papa. Dois conselheiros gerais são eleitos pelo Capítulo Geral e outros dois são eleitos pelo Papa, de modo que vamos ajudando a rever contas antigas.
Você falou hoje com muita eloquência dos problemas dos migrantes. Do outro lado da fronteira existe uma campanha eleitoral muito acirrada. Um dos candidatos à Casa Branca, o republicano Donald Trump, em uma entrevista recentemente disse que o senhor é um homem político e inclusive disse que talvez o senhor seja também uma peça de xadrez, um instrumento do governo mexicano para a política migratória. Ele declarou que, se eleito, quer construir 2,5 mil quilômetros de cercas ao longo da fronteira, quer deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, separando assim famílias, etc. Então, queria perguntar, antes de tudo, o que pensa sobre estas acusações contra o senhor e se um católico estadunidense pode votar em uma pessoa assim?
Graças a Deus que disse que sou um político, porque Aristóteles define a pessoa humana como um animal politicus. Ao menos sou uma pessoa humana. E que sou uma peça de xadrez, mas, talvez, não sei… Deixo isso ao juízo de vocês, das pessoas.
E, depois, uma pessoa que pensa somente em levantar muros, seja onde for, e não a construir pontes, não é cristã. Isso não está no Evangelho.
Depois, aquilo que me dizia, sobre o que aconselharia, votar ou não votar: não me envolvo. Somente digo: este homem não é cristão, se diz isto. É preciso ver se ele disse assim as coisas, e dou o benefício da dúvida.
O encontro com Kirill e a assinatura da declaração comum foi visto no mundo inteiro como um passo histórico. Mas agora, hoje já, na Ucrânia os greco-católicos sentem-se traídos e falam de um “documento político”, de apoio à política russa. Você pensa em ir a Moscou? Ou talvez ir a Creta para saudar o Concílio pan-ortodoxo?
Estarei presente, espiritualmente, em Creta com uma mensagem. Gostaria de ir, mas é preciso respeitar o Sínodo. Haverá observadores católicos e por trás do seu trabalho estarei eu, rezando com os melhores desejos para que os ortodoxos sigam adiante. Seus bispos são bispos como nós.
Com Kirill, meu irmão, nos abraços e beijamos, e depois tivemos um colóquio de duas horas, no qual falamos como irmãos, sinceramente: ninguém sabe do que falamos.
Sobre a declaração dos ucranianos: quando a li, fiquei um pouco preocupado, porque foi feita pelo Arcebispo Maior de Kyiv-Halyc dos ucranianos, Sviatoslav Shevchuk. Foi ele quem disse que o povo ucraniano se sente profundamente desiludido e traído.
Conheço muito bem Sviatoslav: trabalhamos quatro anos juntos em Buenos Aires. Quando ele foi eleito arcebispo maior – aos 42 anos, voltou a Buenos Aires, veio para se despedir e me deu de presente um ícone da Nossa Senhora da Ternura e me disse: “Esta me acompanhou por toda a vida: quero deixá-la contigo, porque você me acompanhou nestes quatro anos”. É uma das poucas coisas que fiz trazer de Buenos Aires e que está na minha escrivaninha.
É um homem pelo qual tenho respeito e familiaridade, nos tratamos de “você”, e assim… Pareceu-me um pouco estranha a sua declaração. Mas, para compreender uma notícia, uma declaração, é preciso procurar a hermenêutica de conjunto. E essa declaração de Shevchuk está no último parágrafo de uma longa entrevista. Ele se declara filho da Igreja, em comunhão com o Bispo de Roma, com a Igreja; fala do Papa, da proximidade do Papa, e dele, da sua fé. Sobre a parte dogmática, nenhuma dificuldade: é ortodoxa no bom sentido da palavra, isto é, doutrina católica. E depois cada qual tem o direito de expressar suas opiniões, são suas ideias pessoais.
Tudo o que disse foi sobre o documento, não sobre o encontro com Kirill. O documento é discutível, e também devemos acrescentar que a Ucrânia está em um momento de guerra, de sofrimento: muitas vezes manifestei a minha proximidade ao povo ucraniano. Compreende-se que um povo nessa situação sinta isto, o documento é discutível sobre esta questão da Ucrânia, mas nessa parte da declaração pede-se para parar esta guerra, que se chegue a acordos. Eu, pessoalmente, defendi que os Acordos de Minsk prossigam, e não se apague com o cotovelo aquilo que foi escrito com as mãos. Recebi ambos os presidentes – paridade, não? E por isso, quando ele diz que ouviu isso do seu povo, eu o entendo. Não devemos nos assustar com aquela frase. Uma notícia deve ser interpretada com a hermenêutica do conjunto, não da parte.
O Patriarca Kirill o convidou para ir a Moscou?
Que se Kirill me convidou? Prefiro deter-me apenas no que dissemos em público. O colóquio privado é privado, mas posso dizer que saí feliz. E ele também.
A minha pergunta é sobre a família, tema que o senhor abordou muitas vezes nesta viagem. No Parlamento italiano está em discussão a lei sobre as uniões civis, um tema que tem levado a fortes enfrentamentos políticos, mas também a um forte debate na sociedade e entre os católicos. Neste particular, gostaria de saber o seu pensamento sobre o tema da adoção da parte das uniões civis, e, portanto, sobre os direitos das crianças e dos filhos em geral.
Em primeiro lugar, não sei como estão as coisas no Parlamento italiano… O Papa não se imiscui na política italiana. Na primeira reunião que tive com os bispos, em maio de 2013, uma das três coisas que lhes disse: “Com o governo italiano, se virem vocês”. Porque o Papa é para todos, e não pode se meter na política concreta, interna de um país: este é o papel do Papa. E aquilo que penso é aquilo que pensa a Igreja e disse em tantas… porque este não é o primeiro país que faz esta experiência; são muitos. Eu penso aquilo que a Igreja sempre disse sobre este assunto.
Santo Padre, há algumas semanas há muita preocupação em muitos países latino-americanos, mas também na Europa, sobre o zika vírus. O risco maior seria para as mulheres grávidas: há angústia. Algumas autoridades propuseram o aborto, ou de se evitar a gravidez. Neste caso, a Igreja pode levar em consideração o conceito do mal menor?
O aborto não é um mal menor: é um crime. É descartar um para salvar o outro. É aquilo que a máfia faz. É um crime. É um mal absoluto. Sobre o mal menor… o de evitar a gravidez… Falamos em termos de conflito entre o quinto e o sexto mandamento. Paulo VI, o Grande, em uma situação difícil, na África, permitiu às religiosas usar anticoncepcionais para os casos de violência. Não confundir o mal de evitar a gravidez, sozinho, com o aborto.
O aborto não é um problema teológico: é um problema humano, é um problema médico. Mata-se uma pessoa para salvar uma outra – no melhor dos casos. Vai contra o Juramento de Hipócrates que os médicos devem fazer. É um mal em si mesmo, mas não é um mal religioso a princípio: não, é um mal humano. Além disso, evidentemente, já que é um mal humano – como todos assassinatos – é condenado.
Ao contrário, evitar a gravidez não é um mal absoluto: e, em certos casos, como neste, como naquele que mencionei do Beato Paulo VI, era claro. Também eu exortaria os médicos para que façam tudo para encontrar as vacinas contra estes dois mosquitos que trazem este mal: sobre isto se deve trabalhar.
Dentro de algumas semanas, o senhor vai receber o Prêmio Carlos Magno, um dos prêmios mais prestigiosos da Comunidade Europeia. Parece que a União Europeia está perdendo pedaços com a crise do euro e agora com a crise dos refugiados: o senhor tem talvez uma palavra para nós, nesta situação de crise europeia?
Primeiro, sobre o Prêmio Carlos Magno. Eu tinha o hábito de não aceitar honorificências ou doutorados, desde sempre: não por humildade, mas porque não gosto destas coisas. Um pouco de loucura é bom ter, e não gosto. Mas neste caso, não digo “forçado”, mas “convencido” com a santa e teológica teimosia do cardeal Kasper, que foi escolhido por Aachen(Alemanha) para me convencer. E eu disse: “Sim, mas no Vaticano”. E disse isso; e ofereço o prêmio para a Europa: que seja um prêmio para que a Europa possa fazer aquilo que eu desejei em Estrasburgo: que não seja a avó-Europa, mas a mãe-Europa.
Segundo: outro dia, lendo as notícias sobre esta crise – eu leio pouco, folheio somente um jornal – não digo o nome para não provocar ciumeiras, mas sabe-se… leio quinze minutos e depois peço informações à Secretaria de Estado. Uma palavra que me agradou, e me agradou – não sei quem a aprova, quem não: “a refundação da União Europeia”. E pensei nos grandes pais, mas e hoje? Onde encontramos um Schumann, um Adenauer? E todos estes grandes que no pós-guerra fundaram a União Europeia…
E eu gosto desta ideia da refundação: oxalá se possa fazê-la! Porque a Europa, não diria que é única, mas tem uma força, uma cultura, uma história que não pode ser desperdiçada. E devemos fazer de tudo para que a União Europeiatenha a força e também a inspiração de seguir em frente.
Como é possível que a Igreja ainda hoje perdoe mais facilmente um assassino do que quem se divorcia e casa novamente?
Ah, gosto desta pergunta! Sobre a família, falaram dois Sínodos. E o Papa falou todo o ano durante as eucaristias. Gosto desta pergunta, porque você a fez plasticamente bem. No documento pós-sinodal, que sairá talvez antes da Páscoa – retoma-se tudo aquilo que o Sínodo – em um dos capítulos, porque existem muitos – fala sobre os conflitos ou sobre famílias feridas, e a pastoral das famílias feridas. É uma das preocupações.
Assim como outra é a preparação ao matrimônio. Imagine: para se tornar padre, são oito anos de estudo, de preparação, e depois, depois de um certo tempo, não consegue mais, pede a dispensa e vai embora e está tudo certo. Pelo contrário, para receber um sacramento que é para toda a vida, três quatro palestras são suficientes…
A preparação para o matrimônio é muito importante: é muito, muito importante, porque acredito que seja uma coisa que a Igreja, na pastoral comum – ao menos no meu país, na América do Sul – não valorizou muito. Por exemplo – agora não tanto, mas há alguns anos – na minha Pátria, havia o costume de… se chamava “casamento em apuros”: casar rapidamente, porque vem um filho. E para cobrir socialmente a honra da família. Ali, não eram livres, e tantas vezes estes matrimônios são nulos. É melhor que nasça a criança, que continuem namorados, e quando sentem que é para toda a vida, que sigam em frente. Há um erro.
Outro capítulo muito interessante: a educação dos filhos. As vítimas dos problemas da família são os filhos, os filhos. Por exemplo, quando o pai não tem tempo para falar com seus filhos, quando a mãe não tem tempo livre para falar com seus filhos, isso não está bem. Quando eu confesso um casal que tem filhos, pergunto: “Quantos filhos vocês têm?”. E alguns se assustam, pois acreditam que o padre lhes pergunta sempre se têm mai. E então eu faço uma segunda pergunta: você brinca com seus filhos? E a maioria – quase todos! – diz: “Mas, Padre, não tenho tempo: trabalho o dia todo”. E os filhos são vítimas de um problema social que fere a família. Gosto da sua pergunta. E uma terceira coisa interessante, no encontro com as famílias em Tuxla Gutiérrez. Havia nesse ato um casal em segunda união. E a palavra-chave que o Sínodo usou – e a retomei na Exortação – é integrar na vida da Igreja as famílias feridas. Mas sem esquecer as crianças, que são as primeira vítimas.
Integrar na Igreja não significa dar a comunhão. Eu conheço católicos recasados que vão à igreja uma vez, duas vezes ao anho, e querem fazer a comunhão como se fosse um título adquirido. Um trabalho de integração… Todas as portas estão abertas. Mas não se pode dizer que estas pessoas podem comungar. Isto seria uma ferida também para os casais, porque não faria com que eles sigam por este caminho de integração. E estes dois (de Tuxtla) eram felizes! E usaram uma expressão muito bonita: “Nós não fazemos a comunhão eucarística, mas fazemos comunhão na visita ao hospital, nisto e naquilo”. Sua integração é essa. Se há alguma coisa a mais, o Senhor dirá a eles. É um caminho, é uma estrada.
A mídia publicou a intensa correspondência entre João Paulo II e a filósofa estadunidense Anna Teresa Tymieniecka. Na sua opinião, um Papa pode ter uma relação tão íntima com uma mulher? O senhor conhece – ou conheceu – este tipo de experiência?
Esta relação de amizade entre São João Paulo II e esta filósofa eu a conhecia quando estava em Buenos Aires. João Paulo II era um homem inquieto. Depois, eu diria que um homem que não sabe ter uma boa relação de amizade com uma mulher – não falo dos misóginos, eles são doentes – falta a ele alguma coisa. E eu, por experiência própria, também quando peço um conselho, peço a um colaborador, a um amigo, um homem, mas também gosto de ouvir o parecer de uma mulher: e te dão tanta riqueza! Olham as coisas de outro modo.
Gosto de dizer que a mulher é aquela que constrói a vida no ventre e tem – mas esta é uma comparação que eu faço, não? – e tem este carisma de te dar coisas para construir. Uma amizade com uma mulher não é pecado. Uma relação amorosa com uma mulher que não seja tua mulher, é pecado. Entendido?
O Papa é um homem, o Papa tem necessidade também do pensamento das mulheres. E também o Papa tem um coração que pode ter uma amizade sadia, santa com uma mulher. Existem santos amigos – Francisco, Clara, Teresa, João da Cruz. Não se assustem. mas as mulheres ainda são um pouco….não bem consideradas, não totalmente. Não entendemos o bem que uma mulher pode fazer à vida do padre e da Igreja, no sentido de um conselho, da ajuda, de uma amizade saudável.
Eu volto para o tema da lei que está para ser votada no Parlamento italiano: é uma lei que, no final das contas, diz respeito também a outros Estados, porque outros Estados têm leis que tratam da união entre pessoas do mesmo sexo. Existe um documento da Congregação para a Fé, de 2003, que dedica um amplo espaço a isto e também dedica um capítulo ao comportamento que os parlamentares católicos devem ter diante desta lei, e se diz expressamente que os parlamentares católicos não devem votar esta lei. Considerando que existe muita confusão sobre isto, gostaria de pedir ao senhor, antes de tudo, se este documento de 2003 ainda tem valor. E, efetivamente, qual o comportamento que um parlamentar católico deve ter?
Eu não recordo bem este documento de 2003 da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas um parlamentar católico deve votar segundo a própria consciência bem formada. Diria isto, só isto. Creio que é suficiente, e digo bem formada porque não é a consciência aquilo que me parece.
Eu me recordo quando foi votado o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Buenos Aires, que houve ali um empate, e no final alguém disse, aconselhou o outro: “Mas, tens isto claro?” – “Não” – “Nem eu, mas assim perdemos” – “Então vamos embora” – “Se sairmos, não terão quórum”. E o outro disse: “Mas se chegarmos ao quórum, damos o voto a Kirchner!”, e o outro: “Mas, prefiro dá-lo a Kirchner e não a Bergoglio!” Esta não é uma consciência bem formada.
E em relação às pessoas do mesmo sexo, repito aquilo que disse na viagem do Rio de Janeiro e que está no Catecismo da Igreja Católica.
Depois de Moscou, Cairo: existe algum outro degelo que se vislumbra no horizonte? Refiro-me à audiência que o senhor deseja com o Papa dos sunitas, chamemo-lo assim, com o imã da al-Azhar?
Sobre isto foi dom Ayuso ao Cairo, na semana passada, para encontrar o segundo dos imãs e também saudar o imã. Dom Ayuso é secretário do cardeal Tauran, do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Eu quero encontrá-lo, sei que ele gostaria, e estamos buscando a melhor maneira: sempre através do cardeal Tauran, porque este é o caminho. Mas vamos consegui-lo.
Ainda não chegamos em Roma e já estamos pensando nas futuras viagens, em fazer as malas novamente. Santo Padre, quando irá à Argentina, onde esperam pelo senhor há tanto tempo, e, quando retornará à América Latina ou irá à China… Uma frase: você, durante esta viagem, falou muitas vezes em sonhar. O que o senhor sonha? E, sobretudo, qual é o seu pesadelo?
A China, ir até lá: gostaria muito!
Quero dizer também uma coisa, uma coisa certa sobre o povo mexicano. É um povo de uma riqueza, de uma riqueza tão grande. É um povo que surpreende. Tem uma cultura, uma cultura milenar. Vocês sabem que hoje, no México, são faladas 65 línguas, contando os indígenas? 65! É um povo de uma grande fé, embora tenha sofrido perseguições religiosas, existem mártires – agora vou canonizar dois… dois ou três.
É um povo que não se pode explicar simplesmente porque a palavra “povo” não é uma categoria lógica, é uma categoria mítica. E o povo mexicano, não é possível explicá-lo, esta riqueza, esta história, esta alegria, esta capacidade de festa e estas tragédias das quais vocês perguntaram. Eu não posso dizer outra coisa, que esta unidade, também que este povo tenha conseguido não fracassar, não acabar com tantas guerras, e coisas que acontecem agora… Mas ali, em Ciudad Juárez, havia um pacto de 12 horas de paz para a minha visita, depois continuarão lutando entre si, os traficantes.
Mas um povo que ainda tem esta vitalidade, somente pode ser explicado por Guadalupe. E eu convido vocês para estudar seriamente o acontecimento Guadalupe. Nossa Senhora está lá. Eu não encontro outra explicação. E seria bonito se vocês, como jornalistas – existem alguns bons livros que explicam, também explicam a pintura, como é, o que significa. E assim se poderá compreender um pouco este povo tão grande e tão bonito.
Em que sonha, em italiano e em espanhol? O que pediu a Guadalupe?
Pedi pelo mundo, pela paz, por muitas coisas. A pobrezinha ficou com a cabeça assim… Pedi perdão, pedi para que a Igreja cresça saudável, pedi pelo povo mexicano…
Também, uma coisa que pedi muito é que os padres sejam verdadeiros padres e as irmãs, verdadeiras irmãs. E os bispos, bons bispos como o quer o Senhor. Por isto rezei tanto. Mas as coisas que um filho diz à Mãe são um pouco secretas.
Eu diria que sonho em esperanto. Não sei como responder a isto. Algumas vezes, sim, recordo algum sonho em outra língua, mas sonhar em língua não. Com figuras, sim; minha psicologia é assim. Com palavras sonho pouco.