Honduras não é um país para ambientalistas, com os seus 101 assassinatos de ativistas “verdes” entre 2010 e 2014Os últimos episódios que tiveram repercussão internacional são aqueles que ocorreram em Honduras, o país da América Central onde a defesa do ambiente e dos povos indígenas se tornou um tema arriscado. No dia 3 de março, foi assassinada Berta Cáceres, 42 anos, líder indígena conhecida internacionalmente pelo seu compromisso em favor dos direitos das populações locais e pela proteção dos rios e da terra; depois, no último dia 15 de março, outro ativista, amigo de Cáceres, Nelson García, de 38 anos, também foi morto a tiros.
Ambos eram defensores e, de certa maneira, representantes da etnia Lenca, a população indígena predominante em Honduras, e faziam parte do COPINH, o Conselho das Organizações Populares e Indígenas de Honduras. A morte de Berta Cáceres, que recebeu em 2015 o prestigioso Glodman Prize pelo seu compromisso com a defesa do ambiente, causou polêmica em nível internacional.
A Santa Sé, por sua vez, pediu “uma investigação imparcial e independente para estabelecer a verdade” sobre o incidente.
Quem tinha se expressado nesse sentido, com uma carta dirigida aos amigos e aos familiares de Cáceres, datada de 15 de março, foi o cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz. “O meu desejo – afirmava o cardeal – é que seja realizada uma investigação independente e imparcial em relação ao que aconteceu, a fim de jogar luz sobre esse horrendo crime o mais rápido possível e que seja protegida a integridade física das testemunhas, dos amigos e dos familiares da vítima”. Uma intervenção não ritual e, por isso, particularmente significativa da Santa Sé.
O motivo desse posicionamento era explicado pelo próprio Turkson na carta. “Pessoalmente – explicava o cardeal – eu tive a sorte de conhecer Berta durante o Encontro Mundial de Movimentos Populares, celebrado em Roma em 2014. Naquela ocasião, eu pude conhecer pessoalmente o seu extraordinário trabalho em defesa da ‘nossa irmã Terra’ e pela reafirmação dos direitos dos povos originários.”
“O seu testemunho – continuava o cardeal – pronunciado diante do Santo Padre Francisco na Aula Velha do Sínodo nos comoveu profundamente. A notícia do seu assassinato me enche de tristeza, e eu a sinto como um ataque contra todos aqueles que lutam por um mundo mais justo em que haja terra, um teto e um trabalho para todos, com um ambiente saudável e uma convivência pacífica entre os povos.”
“Rezo a Deus – concluía o presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz – que proteja todos aqueles que defendem a Mãe Terra e os direitos sagrados dos povos, como ensina o Magistério do Papa Francisco, confirmo a minha proximidade e oração para que o Senhor os console neste momento de dor. E, como disse o nosso Santo Padre, ‘que a voz dos excluídos seja ouvida na América Latina e em todo o mundo!’.”
Nos últimos dias, depois, o cardeal Óscar Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa e um dos colaboradores mais próximos do papa, também denunciou o fato de que “essa líder do movimento camponês foi assassinada covardemente como muitos outros”. Em um documento divulgado pela Cáritas local – em que, em referência ao homicídio de Cáceres, ele fala explicitamente de “mártires” – é renovado o pedido de uma investigação imparcial sobre “o assassinato” e se apela à comunidade internacional para que expresse ao governo a sua preocupação com a ausência de garantias para os defensores dos direitos humanos em Honduras.
Especificamente, deve-se lembrar que Berta Cáceres, que foi objeto de repetidas ameaças e alertas, dirigia um movimento de protesto indígena na comunidade de Río Blanco, contra a construção da gigantesca usina hidrelétrica de Agua Zarca, no Rio Gualcarque, no noroeste do país. Uma obra que teria causado um forte impacto sobre o ecossistema, privando até de água diversas centenas de famílias indígenas.
Toda a operação foi conduzida sem o consentimento das populações locais, em violação aos acordos e convenções internacionais. Em geral, a questão da privatização dos recursos hídricos e da terra pelo governo, através da intervenção de consórcios industriais multinacionais ou estrangeiros, esteve no centro de graves conflitos políticos em Honduras, o país que exibe um triste primado: o do maior número de mortes violentas de defensores do ambiente e dos povos originários.
Com base nos dados divulgados pela ONG “Global Witness”, Honduras não é um país para ambientalistas, com os seus 101 assassinatos de ativistas “verdes” entre 2010 e 2014, enquanto que, apenas em 2014, seriam 116 em todo o mundo as vítimas mortas por motivos ligados à defesa do ambiente.
Por outro lado, ressalta o relatório, nada menos do que ¾ dos homicídios ocorreram na América Central e do Sul, e 40% das vítimas pertencem a etnias indígenas. Por fim, salienta-se que a maior parte das violências, de algum modo, estão ligadas a eventos que dizem respeito à construção de usinas hidrelétricas, à exploração mineral sem regras dos territórios e ao desenvolvimento intensivo da agricultura. Fenômenos que provocam conflitos e mortes em toda a América Latina.
O cardeal brasileiro Claudio Hummes, ex-arcebispo de São Paulo, falou nos últimos dias em um congresso em Buenos Aires por ocasião do Dia Mundial da Água (22 de março). Hummes denunciou o desmatamento sistemático e uma atividade de mineração sem controle, eventos que estão colocando em risco a sobrevivência de regiões inteiras da América Latina e do planeta. Depois, lembrou que, na encíclica Laudato si’, o papa defende que “o acesso à água potável é um direito humano fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, consequentemente, é condição essencial para o exercício dos outros direitos humanos”.
(IHU)