Uma “amizade ecumênica” vivida na prática, não um diálogo protocolarPor Andrés Beltramo Álvarez
Tudo nasceu na Argentina. A amizade entre Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, e Marcelo Figueroa, diretor das Sociedades Bíblicas Unidas no país. Os dois fizeram um programa de debate sobre as Sagradas Escrituras com o rabino Abraham Skorka. Aquele ciclo, em sua simplicidade, foi inédito. Marcou uma rota ecumênica especial. E transformou-se em caminho que está para inaugurar um novo capítulo. Com um projeto único, um “experimento” abençoado por Francisco: pela primeira vez o jornal do Papa incluirá conteúdos produzidos fora do Vaticano. E um evangélico supervisionará esse material.
Uma “amizade ecumênica” vivida na prática, não um diálogo protocolar. Dessa maneira Figueroa descreveu, há algum tempo, o programa “Bíblia, diálogo vigente”, mesa de debate que chegou a 29 edições e que era conduzida, como moderador, pelo teólogo protestante. Era transmitido pelo Canal 21 da Arquidiocese de Buenos Aires. Essa frase serve também para representar os detalhes deste novo projeto. A incorporação de Figueroa como responsável pelos conteúdos da edição argentina do jornal L’Osservatore Romano não é uma mensagem teórica, nem uma declaração de princípios. É o diálogo ecumênico em ação, tornado realidade.
Mais de uma vez o Papa assegurou que seu país natal foi, desde sempre, uma espécie de “laboratório do diálogo”, uma encruzilhada de culturas e de credos religiosos capazes de conviver pacificamente no dia a dia. Por isso, não é estranho que desse mesmo lugar surja um projeto que pode ser exemplo não apenas de comunicação, mas também de diálogo entre os cristãos.
A este respeito, em declarações feitas ao Vatican Insider, o próprio Figueroa explicou o significado dessa iniciativa editorial, um semanário que chegará às bancas nos primeiros dias de setembro. Trata-se de um “veículo para difundir de maneira oficial a voz e a tarefa pastoral” de Francisco em seu país de origem.
“Terá a particularidade de contar com páginas editadas na Argentina e escritas por destacadas figuras que contribuem com um olhar nacional e latino-americano. Dar-se-á especial importância à participação de representantes de diferentes confissões religiosas, ressaltando assim a mensagem universal e inter-religiosa do Papa Bergoglio. Desde já, a maior parte do semanário conterá a edição espanhola já existente e que é dirigida no Vaticano pela jornalista Silvina Pérez, o que brindará uma profunda e generosa perspectiva universal que será de grande interesse para o povo e o jornalismo argentinos”, explicou.
O projeto está sendo preparado há meses. Conta com o expresso beneplácito da Conferência Episcopal Argentina e o apoio, tanto intelectual como espiritual, de Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica e teólogo que colaborou estreitamente com o Pontífice.
Figueroa trabalhará com Santiago Pont Lezica, responsável pela produção executiva. Um trabalho coordenado com Gian Maria Vian, diretor do L’Osservatore Romano na Santa Sé e Silvina Pérez, jornalista argentina de longa trajetória que coordena a edição do jornal no idioma espanhol. Em junho, após uma audiência privada e após conhecer detalhes da evolução do projeto, o Papa deu-lhe sua “entusiasta bênção”.
“Para os argentinos, esta presença editorial tão prestigiada e centenária não será apenas uma referência informativa direta de seu recordado e querido pastor, agora Santo Padre, mas contribuirá para ter uma espécie de memória histórica, uma releitura teológica para entender a projeção pastoral do caminho de Francisco. A Igreja argentina realizou com Bergoglio um importante caminho na evangelização da cultura urbana com uma perspectiva ecumênica. A Argentina foi uma espécie de ‘laboratório’ de uma nova pastoral feita desde as periferias e radicalmente missionária. Por outro lado, no caso da Igreja latino-americana sua lembrada e decisiva participação em Aparecida marcaram seu estilo eclesiológico e missiológico enraizado na inclusão, na misericórdia, na paz e no ecumenismo”, apontou.
Embora seja uma iniciativa nacional, será observada com muita atenção inclusive fora das fronteiras argentinas. Seus artigos poderão mostrar aspectos “novos” do pensamento do Papa. Com uma valiosa contribuição da terra onde Jorge Mario Bergoglio cresceu e se formou. Com o tempo, inclusive, poderia converter-se em referência para outras edições do jornal vaticano. Enquanto isso, permanecerá como um “unicum”, parte de uma nova atmosfera na reforma em andamento dos meios de comunicação da Santa Sé, encabeçada na cúria romana por Dario Edoardo Viganò.