Cresce o interesse e o apoio para que se ponha fim a este longo sofrimento de um povoPor Luis Badilla
Após 52 anos de guerra interna, esperando a visita do Papa, o povo decidirá se aceitará ou rejeitará os acordos entre o Governo e as FARC. A Igreja pede: “Escolham de maneira informada e consciente”.
As conversações de paz entre o Governo colombiano do presidente Manuel Santos e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, criadas em 27 de maio de 1964, o mais antigo grupo armado ainda ativo na América Latina) começaram oficialmente no dia 04 de setembro de 2012 em Havana, Cuba. Na prática, com a ajuda e o apoio do governo do presidente cubano Raúl Castro, negocia-se há quatro anos.
Enquanto isso, no país, em toda a América Latina e além mar (Vaticano, ONU, União Europeia…) cresce o interesse e o apoio para que se ponha fim a este longo sofrimento de um povo que durante mais de cinco décadas foi vítima de violências terríveis entre diferentes grupos armados de esquerda, de direita, Forças Armadas e Polícia. Chegados a este ponto, caso o referendo aprovar os acordos alcançados – e parece ser a alternativa mais provável, embora alguns setores colombianos estejam fazendo um apelo a favor do “não” (dirigido pelo ex-presidente Álvaro Uribe) – o evento se somará a outro, igualmente histórico, anunciado em dezembro de 2014: a normalização das relações entre Cuba e Estados Unidos.
O processo desde a Noruega até o referendo
O processo de negociação, cujos preliminares começaram na Noruega em 2012, não foi fácil e mais de uma vez se temeu o pior, como quando após o sequestro de um general por parte da guerrilha as conversações foram suspensas. No dia 10 de dezembro de 2015, as atividades da delicada e difícil negociação recomeçaram, inclusive com mais força. Há pouco tempo, as duas partes anunciaram o Acordo Geral sobre seis capítulos das negociações. Ainda estava presente a lembrança do clamoroso fracasso das negociações de 30 anos atrás entre o então presidente Andrés Pastrana e Manuel Marulanda, o falecido líder histórico das FARC.
Em 23 de junho passado, na capital cubana, encontraram-se numerosos líderes latino-americanos para serem testemunhas, com sua presença, da importância desta verdadeira mudança histórica na região: o cessar-fogo definitivo e bilateral. Desde então, continuou-se a discussão para aperfeiçoar os acordos e mecanismos e, sobretudo, pela redação do documento conclusivo das negociações. Um documento (assinado pelo presidente Juan Manuel Santos e pelo líder das FARC, Rodrigo Londoño Echeverri, mais conhecido como Timoleón Jiménez), que deveria ser a base do referendo popular que, com um “sim” ou um “não”, porá fim a esta horrível guerra: 220 mil pessoas assassinadas, mais de 45 mil desaparecidos e quase 7 milhões de colombianos deslocados. No dia 18 de julho, o presidente Santos recebeu com grande satisfação a aprovação do referendo por parte da Corte Constitucional para dar efetiva legalidade aos conteúdos do Acordo entre o Governo e as FARC. Nos próximos dias deverá ser anunciada a data da votação popular, embora as campanhas a favor do “sim” e do “não” já tenham começado há semanas.
No momento, as pesquisas são contraditórias. Todas dizem que o “sim” ganhará com mais de 34% dos votos, mas o “não” espera que esteja muito perto, com uma diferença de três pontos (Datexco). No entanto, o Ivamer atribui ao “sim” 67,5%. Enquanto isso, começou outra polêmica sobre a natureza do pronunciamento popular. A grande maioria dos juristas precisa que não se vota entre “paz” (com o sim) e “guerra” (com o não). Vota-se, observam eles, sobre os Acordos de Havana, o que significa que se o “sim” vencer, essas negociações serão aprovadas e ratificadas pelo povo e se, pelo contrário, vencer o “não”, os Acordos deverão ser renegociados.
Para a paz o caminho ainda está ladeira acima
O itinerário do referendo ainda está ladeira acima, caso se tiver em conta as regras fixadas pela Corte Constitucional. Os juízes da Corte fixaram em 13% (cerca de 4,4 milhões de votos) o quorum necessário para o “sim” ser constitucionalmente reconhecido; além de que, evidentemente, deve representar a maioria dos votos em relação ao “não”. Portanto, dos cerca de 17 milhões de colombianos com direito a voto, pelo menos 4,5 milhões deverão manifestar-se favoráveis aos Acordos e superar, obviamente, o número dos eleitores contrários.
À primeira vista, tudo pode parecer muito simples até o ponto de se perguntar: como é possível que uma pessoa possa votar contra a paz e, portanto, a favor da guerra? Naturalmente, as coisas não são assim, porque devemos recordar que se vota a favor da aceitação ou da rejeição do documento final das conversações. Os problemas aparecem quando a perspectiva da paz vem associada aos 52 anos de conflito e, portanto, as polêmicas entre os defensores do “sim” e do “não” se misturam com considerações muito políticas, partidaristas e eleitorais que fazem aumentar as partes interessadas: paramilitares, narcotraficantes, traficantes de armas, máfias de sequestradores e quadrilhas organizadas que monopolizam a micro-delinquência urbana.
Estas forças não ganhariam nada com a paz. A paz é uma necessidade urgente e dramática para o povo. Neste contexto, muitas vezes ignorado, misturam-se argumentos diferentes, muitas vezes dirigidos ao estômago dos eleitores e não à razão ou ao coração. É aqui, portanto, que aparecem as sentenças: deseja-se dar impunidade aos criminosos e narco-guerrilheiros e seus crimes ficarão impunes, assassinos e sequestradores poderão candidatar-se a cargos eletivos e, talvez, serem eleitos deputados e senadores. Para um povo que sofreu muito, estes argumentos pesam e não são nada marginais.
A Igreja católica
Em 17 de agosto passado, o episcopado colombiano exortou todos a votarem e a decidirem, destacando que não dará nenhuma indicação específica a favor de nenhuma das partes. O comunicado dos bispos recorda que no mês passado pediram aos colombianos para participar “das consultas sobre os acordos de Havana de maneira responsável, com um voto informado e consciente, que manifeste livremente sua opinião, como exercício efetivo da democracia e com o justo respeito por aquilo que a maioria decidir”.
Confirmando a posição neutra frente às alternativas, o presidente da Conferência Episcopal Colombiana, dom Luis Augusto Castro Quiroga, durante a apresentação do seu livro sobre a paz vista com os olhos das vítimas, observou: “É um bem que este livro seja lido por uns e outros”, estejam a favor do Sim ou do Não, dado que “o objetivo da paz está no coração de muitos colombianos, mesmo no caso de que não estejam de acordo com o processo de paz de Havana”.
Há muitos anos, a Igreja católica na Colômbia apoia a via política para resolver este conflito e, portanto, sempre se opôs à opinião de que, inclusive agora, defende como via de resolução a via militar. Por isso, o Episcopado trabalhou desde o princípio em apoiar, com os próprios meios das comunidades eclesiásticas, as conversações de Havana, assim como faz também agora com as negociações, abertas há pouco tempo, sempre em Cuba, entre o Governo de Bogotá e o segundo grupo armado, o Exército de Libertação Nacional (ELN). A convicção de fundo é sempre a mesma: não existe outra maneira para pôr fim ao sofrimento dos colombianos que não seja pela paz, sabendo que não é um caminho fácil e que nem sempre as necessárias concessões de qualquer negociação serão bem recebidas por todos.
Papa Francisco
Francisco, desde o início do pontificado, ofereceu seu apoio, claro e constante, às negociações de paz, especialmente nos momentos mais delicados. Um apoio dado também ao presidente Manuel Santos. De maneira diferente e discreta, também a diplomacia vaticana apoiou estas conversações. Certa vez, o Santo Padre despediu-se do presidente Santos, dizendo: “Se vocês assinarem a paz, eu vou à Colômbia”. Agora, é quase certo que a visita do Papa, que os colombianos esperam com esperança e entusiasmo, acontecerá nos primeiros meses de 2017.
Quando foi informado sobre a assinatura do primeiro acordo global preliminar no dia 23 de junho, o Papa exclamou: “Me deixa feliz”. “Neste momento – disse em setembro de 2015 –, sinto-me no dever de dedicar uma recordação à amada terra da Colômbia, consciente da importância crucial do momento presente em que, com esforço renovado, e movidos pela esperança, seus filhos estão tentando construir uma sociedade pacífica. Que o sangue derramado de milhares de inocentes durante tantas décadas de conflito armado, unido ao sangue de Jesus derramado na Cruz – acrescentou – sustentem todos os esforços que estão sendo feitos, também aqui, nesta bela ilha, para uma reconciliação definitiva”.
Além disso, no momento da aplicação dos acordos, caso forem ratificados pelo povo colombiano, o Papa Francisco será convidado para nomear um juiz dentre os 20 da Corte especial que julgará os crimes mais graves perpetrados pelas partes durante o conflito.
O papel da ONU
Em todo o processo das negociações a ONU sempre esteve presente e não evitou dar qualquer tipo de apoio às conversações. Agora, a Organização Internacional deve assumir um novo papel, fundamental e delicado, que, em muitas partes, se espera comece logo, “dentro das próximas três ou quatro semanas”, disse o Alto Comissário para a Paz do Governo colombiano, Sergio Jaramillo.
O secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, dias atrás informou que os 450 observadores internacionais chamados para formar a missão prevista das Nações Unidas, irão operar em 40 diferentes localidades envolvendo muitos civis. No momento, apenas 80 observadores encontram-se na Colômbia e dirigiram-se a algumas das áreas onde está previsto a entrega das armas, que as FARC aceitaram realizar. O monitoramento do desarmamento é um dos objetivos centrais da missão das Nações Unidas. Destas forças farão parte militares provenientes, entre outras nações, da Argentina, Cuba, Chile, Peru e Brasil.