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Pequim, o papa e as “sabotagens” ocidentais

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Vatican Insider - publicado em 11/09/16
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Agora, depois de décadas de tragédias e sofrimentos atravessados pelos católicos chineses, é possível uma mudança de ritmoPor Gianni Valente

Quando a China e a Igreja Católica se aproximam, nem todos gostam. Por isso, a longa e sofrida história das relações entre a China e o papado, ainda antes da Revolução Maoista, está repleta de falsos começos e fracassos, mas também de sabotagens orquestradas de fora. Um fator recorrente nos complexos eventos sino-vaticanos, sobre o qual o cardeal Pietro Parolin reacendeu os holofotes, na recente conferência magistral dedicado por ele, em Pordenone, à figura do cardeal Celso Costantini (1876-1958), precursor do diálogo vaticano com Pequim e primeiro delegado apostólico na China de 1922 a 1933.

Naquele texto, proferido na cidade de Friuli no sábado, 28 de agosto, o atual secretário de Estado vaticano delineou claramente os critérios pastorais e não mundanos que orientam a Santa Sé na nova temporada de diálogo em curso com as autoridades de Pequim: um “novo começo” empreendido olhando “para o bem dos católicos chineses, para o bem de todo o povo chinês e para a harmonia de toda a sociedade, em favor da paz mundial”.

Em Pequim, as expressões calibradas de Parolin receberam, em retorno, sinais de apreciação por parte das autoridades chinesas. Ainda no dia seguinte, 29 de agosto, Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, questionado no encontro diário com a imprensa sobre as frases de Parolin, confirmou a existência de “canais de comunicação muito eficazes” com os Palácios Vaticanos: “Conhecemos muito bem as posições e as preocupações recíprocas”, acrescentou o porta-voz chinês, “e por isso esperamos poder trabalhar juntos para alcançar mais progressos nas nossas relações. Eu acho que é bom para ambas as partes”.

Os funcionários de Pequim também não ignoraram o “fio dourado” seguido por Parolin ao delinear a figura de Costantini: o relato das tentativas pacientes e tenazes postas em campo pelo próprio Costantini para favorecer o reforço das relações diretas entre Santa Sé e autoridades chinesas, e das sistemáticas sabotagens – quase sempre exitosas – perpetradas pelas potências ocidentais para impedir que o papa tratasse com Pequim sem intermediários. Uma trajetória traçada pelo secretário de Estado vaticano sem marcas polêmicas ou “complotismos”, fazendo falar os documentos de arquivo e as pesquisas históricas mais qualificadas.

O arco histórico percorrido por Parolin é o dos quase dois séculos em que a política imperialista e colonialista das potências ocidentais – principalmente França e Inglaterra – também mantiveram como refém, entre conivências, pressões e chantagens, as relações entre a Santa Sé e o Império Celeste, e toda a atividade apostólica e missionária da Igreja na China.

Ainda desde 1720 e até 1810 – lembrou o colaborador mais próximo do Papa Francisco em Pordenone – tinha sido concedida a um vice-procurador da Congregação de Propaganda Fide a permissão de residir em Pequim para tratar com a Corte Imperial os interesses das missões católicas. Mas, depois, as políticas coloniais da França e da Inglaterra, que culminaram com as Guerras do Ópio, tinham posto a sua irremediável hipoteca sobre a obra apostólica em território chinês.

No seu “discurso de Pordenone”, Parolin definiu como “nefastos” os chamados “Tratados Desiguais”, com os quais as potências ocidentais – principalmente Inglaterra, EUA e França – tinham imposto à China, sob a força dos canhões, a sua supremacia colonial, e que incluíam também privilégios e garantias cada vez mais amplas para os missionários ocidentais: “O Tratado de Tien-Tsin, de 1858”, lembrou Parolin, “conferiu à França o Protetorado ‘geral’ na China sobre todos os cristãos, de qualquer confissão ou nação, mesmo que fossem chineses, garantindo as atividades de culto e evangelização à religião cristã e a compensação econômica pelos danos causados por eventuais atentados.”

Nesse cenário, nas décadas seguintes, registraram-se os episódios mais despudorados do boicote ocidental – todos repassados por Parolin – rumo às tentativas postas em ação pela China e pela Santa Sé para se aproximarem e consolidarem relações diretas. Ainda em 1881, Pequim tinha dado a conhecer no Vaticano o desejo de estabelecer relações diplomáticas com a Santa Sé. As negociações, em 1886, tinham chegado à nomeação de um núncio apostólico a ser enviado junto ao governo chinês.

“Mas o representante pontifício”, disse Parolin, “não pôde partir por causa da oposição surda da França, determinada a defender até o fim o seu Protetorado contra qualquer possível redimensionamento.”

No seu discurso, o secretário de Estado vaticano deteve-se principalmente sobre a intensa fase de negociações que teve como protagonista Costantini, que começou com o fim do Império e com a proclamação da República da China (1912). Naquele momento, enquanto o povo chinês exigia a abolição dos “Tratados Desiguais” e o fim da subserviência aos ocidentais, o governo republicano chinês novamente deu a conhecer ao Vaticano a sua vontade de estabelecer relações diplomáticas com a Sé Apostólica.

“As negociações”, sublinhou Parolin, “concluíram-se felizmente em 1918, mas, pelas habituais dificuldades, não tiveram nenhuma sequência.” Então, Pio XI, em 1922, decidiu enviar justamente Costantini para representá-lo na China, como delegado apostólico.

“A sua missão – observou Parolin – foi mantida em segredo até a sua chegada em Hong Kong, para não expô-la ao perigo de um ‘naufrágio’, por causa dos interesses políticos das potências europeias.”

Tendo chegado ao seu destino, o delegado apostólico anotava nas suas memórias: “Especialmente diante dos chineses, acreditei ser oportuno não ter que credenciar de modo algum a suspeita de que a religião católica apareça como que posta sob tutela e, pior ainda, como instrumento político a serviço das nações europeias. Eu quis, desde os meus primeiros atos, reivindicar a minha liberdade de ação no âmbito dos interesses religiosos, recusando ser acompanhado junto às autoridades civis locais por representantes de nações estrangeiras. Daria a entender que estava na China em subserviência àqueles representantes”.

Como delegado apostólico, Costantini conseguiu celebrar o primeiro Concílio Nacional Chinês (Xangai, 1924) e iniciar o processo de descolonização religiosa, combatendo as teimosas reminiscências do Protetorado. Ele conseguiu bons resultados também na luta contra aquele que Parolin definiu como “ocidentalismo”, que “dava vestes europeias ao cristianismo no Extremo Oriente, acabando por apresentá-lo como uma religião estrangeira, tratada como um ‘corpo estranho’”.

Mas as suas tentativas de iniciar negociações para estabelecer acordos diplomáticos entre China e Santa Sé continuaram desencadeando reações anormais. E, também à época, as oposições mais ferozes vinham de renomados expoentes clericais: “A França”, contou Parolin em Pordenone, “se opôs resolutamente, apoiada também por alguns círculos missionários e até por bispos franceses na China, especialmente os de Tianjin, Zhengding Xianxian, Yuanpingfu e Pequim”.

Nesse clima ardente, Costantini tornou-se até alvo de “uma enxurrada de ataques vulgares e inéditos, que o levaram a suspender a tessitura da trama diplomática”. Assim, perderam-se ocasiões e anos preciosos.

Foi possível instituir uma representação chinesa no Vaticano apenas nos tempos da Segunda Guerra Mundial e apenas por insistência da China para ter o mesmo reconhecimento que o Vaticano tinha concedido ao Japão, aliado da Alemanhanazista. A Delegação Apostólica de Pequim foi elevada à categoria de nunciatura apenas depois da guerra, em 1946. No mesmo ano – acrescentou Parolin – Pio XIIinstaurou a hierarquia episcopal chinesa, reconhecendo “a responsabilidade e a autonomia de governo em relação às instituições ocidentais”. Resultados obtidos também graças ao trabalho paciente e persistente de Celso Costantini – que se tornou secretário da Congregação de Propaganda Fide de 1935 a 1953 – que, em breve, seriam varridos pela Revolução Maoísta.

Agora, depois de décadas de tragédias e sofrimentos atravessados pelos católicos chineses, a possível mudança de ritmo nas relações entre a Santa Sé e a Chinacomunista – disse Parolin em Pordenone – encontra-se diante de “problemas não totalmente diferentes daqueles enfrentados 70 anos atrás”. E, nos contextos históricos radicalmente mudados, a perspectiva de relações mais estreitas entre a China Popular e a Igreja de Roma continua provocando alertas e angústias nos círculos bem equipados – com uma seção eclesiástica anexa – que se obstinam a identificar a Igreja Católicacomo correlato religioso do Ocidente de orientação norte-atlântica e a exigir uma “tutoria papal” ético-espiritual aos processos de globalização de orientação estadunidense-ocidental.

Explica-se assim, também, a obstinação frenética de certas campanhas instrumentais conduzidas no Ocidente para atacar e desacreditar as negociações em curso entre a China Popular e a Santa Sé, acusada de perseguir por vaidade um acordo político com Pequim “sobre a pele dos católicos chineses”, ou de ceder aos inescrupulosos fantoches chineses apenas para comprazer o próprio “otimismo” cego e ingênuo.

Caricaturas grotescas, totalmente desproporcionais em relação ao modus operandi da Santa Sé, avessa a levar em conta todos os fatores e os atores envolvidos no grande jogo chinês. Incluindo as eventuais sabotagens planejadas no Ocidente, que não começaram agora, como contou o cardeal Parolin em Pordenone.

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