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As orações das crianças em pleno inferno

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Vatican Insider - publicado em 27/09/16
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“Não sabemos quantos cristãos ainda restam em Aleppo”Aos 45 anos de idade, o católico maronita dom Joseph Tobji continua na lista dos 30 bispos mais jovens do mundo. Foi confiada a ele a arquidiocese maronita de Aleppo, a cidade-mártir de onde quase todo dia, há cinco anos, chegam imagens de corpos despedaçados e edifícios em ruínas; de crianças que brincam no meio de escombros, de crianças assassinadas a bomba e de crianças que rezam para que acabe essa guerra suja.

Temos a confiança de que as suas orações são mais poderosas do que as nossas”, declara outro bispo de Aleppo, o católico armênio dom Boutros Marayati, aludindo aos pequenos da cidade, sejam cristãos, sejam muçulmanos, que, no próximo dia 6 de outubro, vão se reunir para pedir em oração que a cidade seja libertada da espiral de morte que a envolve.

Reproduzimos a seguir uma entrevista que dom Joseph concedeu ao site do Vatican Insider:

 

* * *

Dom Joseph, a sua cidade vive de novo o inferno…

Recentemente, milhares de milicianos jihadistas se concentraram em Aleppo. Eles conquistaram três quartéis da entrada da cidade e atacaram a parte ocidental. Depois a situação mudou, as forças governamentais retomaram os quartéis e começaram os ataques contra a parte oriental. Foi aí que surgiu a iniciativa da trégua, que já fracassou.

 

Agora vêm de lá as imagens mais atrozes…

São pelo menos 300 mil pessoas na parte oriental. E é claro que nem todos apoiam os grupos armados. Há muita gente que não tem nenhuma responsabilidade nisso. Na quarta-feira passada, o governo e o exército, na televisão e nas redes sociais, fizeram um apelo a quem vive nos bairros onde tinha sido anunciada a abertura de espaços para que as pessoas se dirigissem às áreas indicadas como seguras. Muitas famílias de civis saíram. Mas não houve uma evacuação massiva. O ultimato para quem quiser sair termina nos próximos dias. E existe o risco de mais recrudescimento.

 

Os meios de comunicação ocidentais criticam com frequência a intervenção russa…

Eu posso afirmar que a população que vive no oeste de Aleppo, onde se concentra a maior parte dos civis, recebeu com alívio a intervenção dos russos, porque ela parou, ou pelo menos freou, os ataques da artilharia que vinham dos bairros dominados pelos grupos armados.

Os russos, pelo menos, estão agindo de maneira coerente com o que dizem. Os outros, desde que começou a guerra, se contradisseram muitas vezes. As pessoas veem os mísseis choverem sobre as casas, vivem no terror e não fazem nenhuma diferença entre os mísseis do Estado Islâmico e os da Frente Nusra. A mídia ocidental continua sem contar objetivamente o que sucede. A fonte a que todos recorrem continua sendo esse fantasmagórico “Observatório para os Direitos Humanos”, um ente que consiste em alguma pessoa sentada em frente a um computador em Londres. Tem alguma coisa que não se encaixa.

 

O bispo latino de Aleppo, dom Georges Abou Khazen, disse que o bombardeio norte-americano contra o quartel dos soldados sírios não pode ser fruto de um “erro”.

Eu estou de acordo com ele. Estão brincando conosco, como se fôssemos mentecaptos. Mas ninguém pôs em dúvida essa “versão oficial”…

 

E vocês continuam o seu trabalho de pastores das almas…

Fazemos o que podemos. Com muitas coisas reduzidas ao mínimo. Os escoteiros também fizeram seus acampamentos este ano. Em julho, enquanto acontecia a Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia, os nossos jovens fizeram a sua JMJ em Aleppo, já que não podiam viajar até Cracóvia.

 

Quantos eram?

Mais de mil. Mas eu não gosto de falar de números. Não sabemos quantos cristãos ainda restam em Aleppo. Os números mudam a cada dia. Alguns vão embora, talvez por alguns meses, para a costa, e depois voltam. Além disso, quando você se arrisca a chutar um número, muitos dizem “Mas vocês são tão poucos, continuam aí fazendo o quê? Não vale a pena, vão embora”. Só que é importante que uma presença cristã real persevere aqui, onde estamos há milênios. Pode ser um “pequeno resto”, mas é o resto de Israel. Há cristãos que ficaram nas áreas conquistadas pelo Estado Islâmico. Há cristãos até em Raqqa [a cidade que os fanáticos proclamaram “capital” do Estado Islâmico, ndr]. Eles vivem retirados, pagam a yizia [imposto exigido dos não muçulmanos, ndr]. Mas é o pequeno sinal de que uma realidade frágil e indefensa de cristãos pode viver até mesmo sob os jihadistas. A esperança e também a responsabilidade que nós temos, como bispos e padres, é a de ajudar a todos a viverem a fé, a esperança e a caridade na situação em que nos encontramos.

 

Vocês viveram muitas situações de testemunho como essas?

Muitas. Estamos reunindo as histórias dos cristãos que foram sequestrados e depois voltaram. Há muitos testemunhos incríveis de pessoas que não estudaram teologia, que só sabem as orações mais simples, mas, quando colocaram a faca na garganta delas, declararam que o amor a Jesus era a coisa mais preciosa para elas e não O renegariam, não importava o que pudesse acontecer.

 

No Ocidente existe uma rede hiperativa de siglas que transformaram a defesa dos cristãos do Oriente Médio na sua bandeira. Não há o perigo de que os cristãos sejam vistos, no Oriente, como “destinatários privilegiados” do socorro dos “cruzados ocidentais”?

Os cristãos no Oriente são uma realidade autóctone, que deve a sua sobrevivência à ajuda e à “proteção” política ou eclesiástica que vem de fora. A legítima preocupação dos irmãos que estão longe dos nossos sofrimentos tem que levar também isto em conta, sempre. Até mesmo evitando que a ajuda enviada seja transformada numa “competição” que não faz bem à Igreja.

 

A que o senhor se refere?

As nossas obras de caridade são para todos. Os refeitórios e a Cáritas oferecem apoio também a muitos muçulmanos. Antes da guerra, os bispos católicos se reuniam uma vez por semana entre si e uma vez por mês com os representantes de todas as Igrejas. Agora, obviamente, tudo isso ficou muito mais difícil. Diante das dificuldades e dos problemas, os cristãos pedem ajuda ao próprio bispo. Há Igrejas que têm os meios e recursos para responder a esses pedidos. Outras não. Essas diferenças são conhecidas, porque aqui, na mesma família, quase sempre há cristãos de Igrejas diferentes, devido a todos os casamentos mistos que acontecem. Isso provoca comparações desagradáveis, às vezes recriminações. Isto é um problema nosso e nós temos que resolver por nossa conta. Mas é bom que os que mandam ajuda de fora também levem isso em conta.

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