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“Como papa, eu também acolho e acompanho pessoas homossexuais”

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Vatican Insider - publicado em 03/10/16
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Entrevista com o Papa Francisco no retorno da GeórgiaPor Andrea Tornielli

No voo de volta de Baku, Francisco explica por que condena a teoria de gênero nas escolas, mas também porque os homossexuais devem ser acompanhados e “aproximados ao Senhor”: “Hoje, Jesus faria assim”. Ele conta ter recebido no Vaticano uma jovem que mudou de sexo. Entre as próximas viagens, Índia e Bangladesh, e ainda um consistório para a criação de 13 novos cardeais. “Eu gostaria de ir para a China, mas não é preciso fazer as coisas com pressa.”

“Também como papa eu continua acompanhando pessoas com tendência e prática homossexuais.” Foi o que disso Francisco ao responder às perguntas dos jornalistas que, no voo de Baku para Roma, pediam-lhe explicações sobre a dureza das suas palavras sobre o gênero, pronunciadas no sábado, 1º de outubro, na Geórgia. O papa contou sobre o encontro com uma pessoa que mudou de sexo, recebida por ele recebeu no Vaticano, e falou sobre as próximas viagens, sobre o iminente consistório, sobre a China, sobre as eleições estadunidenses e sobre o conflito entre Armênia e Azerbaijão.

O senhor falou do gênero que destrói o matrimônio. Como pastor, o que diria para uma pessoa que sofre há anos com a sua sexualidade e que sente que a sua identidade sexual não corresponde com a biológica?

Eu acompanhei, na minha vida de sacerdote, de bispo e também de papa, pessoas com tendência e com prática homossexuais. Acompanhei-as e as aproximei ao Senhor. Algumas, eu não posso… Mas as pessoas devem ser acompanhadas como Jesus as acompanha. Quando uma pessoa que tem essa condição chega diante de Jesus, Ele certamente não dirá: “Vai embora, você é homossexual!”. O que eu falei foi sobre a maldade que hoje se faz com a doutrinação da teoria de gênero. Um pai francês me contava que, à mesa, ele estava falando com os filhos e perguntou ao menino de dez anos: “O que você quer ser quando crescer?”. “Uma menina!”. E o pai se deu conta de que, nos livros escolares, ensinava-se a teoria do gênero, e isso é contra as coisas naturais. Uma coisa é que uma pessoa tenha essa tendência ou essa opção, ou mesmo aqueles que mudam de sexo. Outra coisa é fazer o ensino nas escolas nessa linha, para mudar a mentalidade. Estas eu chamo de “colonizações ideológicas”. No ano passado, eu recebi uma carta de um espanhol que me contava a sua história de criança e de jovem. Antes, era uma criança, uma jovem que sofreu muito. Ele se sentia menino, mas era fisicamente uma menina. Ele havia contado à sua mãe, dizendo que queria fazer a cirurgia. A mãe lhe pediu para não fazê-la enquanto ela estivesse viva. Ela era idosa, morreu logo. Ele fez a cirurgia, agora é funcionário de um ministério na Espanha. Ele foi ao encontro do bispo, e o bispo o acompanhou muito. Um grande bispo, esse. “Perdia” tempo para acompanhar esse homem. Depois, ele se casou, mudou essa identidade civil, e ele – que ela era, mas é ele – me escreveu que seria uma consolação ir ao meu encontro. Eu o recebi. Ele me contou que, no bairro onde ele morava, havia um velho sacerdote, o velho pároco, e havia o novo. Quando o novo pároco o via, ele gritava da calçada: “Você vai para o inferno!”. O velho, ao contrário, lhe dizia: “Há tempo tempo você não se confessa? Venha, venha…”. A vida é a vida, e as coisas devem ser tomadas como vêm. O pecado é o pecado. As tendências ou os desequilíbrios hormonais causam muitos problemas, e devemos estar atentos para não dizer que tudo é a mesma coisa: cada caso, acolhê-lo, acompanhá-lo, estudá-lo, discernir e integrá-lo. Isso é o que Jesus faria hoje. Por favor, agora não digam: “O papa vai santificar os trans!”. Já vejo as primeiras páginas dos jornais… É um problema humano, de moral. E deve ser resolvido como se pode, sempre com a misericórdia de Deus, com a verdade, mas sempre com o coração aberto.

O senhor falou nesse sábado de uma guerra mundial contra o matrimônio e usou palavras fortes contra o divórcio, dizendo que ele suja a imagem de Deus. Mas, nos últimos meses, tinha-se falado de uma acolhida para os divorciados.

Tudo o que eu disse no sábado, com outras palavras, encontra-se na Amoris laetitia [a exortação pós-sinodal sobre a família]: quando se fala de matrimônio como união entre homem e mulher, como imagem de Deus – homem e mulher, não só homem – que se tornam uma só carne, quando se unem em matrimônio. Essa é a verdade. É verdade que, nesta cultura, os conflitos, tantos problemas não bem geridos e tantas “filosofias” levam a essa guerra mundial contra o matrimônio: devemos ficar atentos para não deixar entrar em nós essas ideias. Quando se destrói a imagem de Deus, desfigura-se a imagem de Deus. A Amoris laetitia fala sobre como lidar com esses casos, as famílias feridas, e aí entra a misericórdia. Há uma oração muito bonita da Igreja que rezamos na semana passada: “Deus que tão maravilhosamente criastes o mundo e mais maravilhosamente o recriastes com redenção e a misericórdia…”. O princípio é esse, mas as fraquezas humanas existem, os pecados existem, mas sempre a última palavra não é da fraqueza, não é do pecado, mas da misericórdia! Na igreja de Santa Maria Madalena em Vézelay, há um capitel muito bonito do ano 1200. De um lado do capitel, está Judas enforcado e, do outro lado, está Jesus, o Bom Pastor, que o toma e o leva consigo. E, se olharmos bem o rosto de Jesus, os lábios estão tristes de um lado e com um pequeno sorriso de cumplicidade do outro. Eles tinham entendido o que é a misericórdia! No matrimônio, há problemas, e como se resolvem? Com quatro critérios: acolher as famílias feridas, acompanhar, discernir cada caso e integrar. Isso significa colaborar nessa recriação maravilhosa que o Senhor fez com a redenção. Na Amoris laetitia, todos vão ao capítulo oitavo, mas se deve ler toda ela, do início ao fim. O centro é o capítulo quarto, serve para toda a vida. Mas se deve ler toda ela e reler toda ela e discutir toda ela. É um conjunto. Há o pecado, a ruptura, mas também o tratamento, a misericórdia, a redenção.

Quando o senhor vai criar os novos cardeais e que critérios segue para esse tipo de nomeações?

Os critérios serão os mesmos dos dois consistórios anteriores. Vou fazê-los um pouco de toda a parte, porque a Igreja está em todo o mundo. Eu ainda estou estudando os nomes. A lista é longa, mas há apenas 13 lugares. Eu gosto de que se veja no Colégio Cardinalício a universalidade da Igreja, não só o centro europeu. Por toda a parte, nos cinco continentes. Poderá ser no fim do ano, mas há o problema do Ano Santo, ou no início do ano que vem.

Quando o senhor vai se encontrar com as vítimas do terremoto no centro da Itália e qual característica essa visita vai ter?

Foram-me propostas três datas, duas eu não lembro bem, a terceira é o primeiro domingo do Advento. Assim que eu voltar, vou escolher a data. Vou fazer uma visita privada, sozinho, como sacerdote, como bispo e como papa. Sozinho. E eu gostaria de estar perto das pessoas, mas ainda não sei como.

Quais serão as viagens internacionais de 2017?

Certamente, irei para Portugal e irei apenas para Fátima. Neste Ano Santo, foram suspensas as visitas ad limina dos bispos. No ano que vem, devo fazer as visitas ad limina deste ano e do próximo. Quase certamente vou à Índia e a Bangladesh. Na África, não está certo, depende da situação política e das guerras. Na Colômbia, eu disse que, se o processo de paz tiver sucesso, quando tudo estiver blindado, se o plebiscito vencer, quando tudo estiver seguro e não se puder voltar atrás, eu poderia ir… Mas, se estiver instável, não. Tudo depende do que o povo disser, que é soberano. As formas democráticas e a soberania do povo devem caminhar de mãos dadas. Tornou-se um hábito em certos países que, depois do segundo mandato, aquele que o termina tenta mudar a Constituição para obter um terceiro mandato. E isso significa subestimar a democracia, contra a soberania do povo.

Por que o senhor não falou sobre uma viagem para a China? Que dificuldades políticas e eclesiais impedem uma visita do papa?

Vocês conhecem bem a história da China: há a Igreja patriótica e a Igreja escondida. Falam-se, há comissões, eu estou otimista. Agora eu acho que os Museus Vaticanosfizeram uma exposição na China. Há muitos professores que vão lecionar nas universidades chinesas. Muitas irmãs e muitos padres que podem trabalhar bem lá. As relações entre o Vaticano e a China devem se fixar em uma boa relação, é preciso tempo. As coisas lentas vão bem, aquelas feitos com pressa não vão bem. O povo chinês tem a minha estima. Outro dia, na Academia das Ciências, houve um congresso sobre a Laudato si’, e havia uma delegação chinesa. O presidente me enviou um presente. Eu gostaria muito de ir, mas acho que ainda não…

O bispo Lebrun disse que o senhor autorizou a dispensar a espera de cinco anos para prosseguir com o processo de beatificação do padre Jacques Hamel, o sacerdote da diocese de Rouen morto na igreja pelos fundamentalistas…

Eu falei com o cardeal Amato [prefeito da Congregação para as Causas dos Santos]. Vamos fazer os estudos. A intenção é de fazer as pesquisas necessárias para ver se há as razões para torná-lo bem-aventurado. Devem ser buscados os testemunhos, não perder os testemunhos recentes, aquilo que as pessoas viram.

A história entre a Armênia e o Azerbaijão é uma história feia: o que deve acontecer para se chegar a uma paz permanente que proteja os direitos humanos?

O único caminho é o diálogo sincero, face a face, sem acordos por debaixo dos panos. Uma negociação sincera. E, se não se puder chegar a isso, é preciso ter a coragem de ir a um Tribunal Internacional, em Haia, por exemplo, e se submeter ao julgamento internacional. A outra forma é a guerra. Mas com a guerra se perde tudo! Os cristãos devem rezar para que os corações tomem o caminho do diálogo, da negociação ou ir a um tribunal internacional. Mas não é possível ter problemas assim: a Geórgia tem um problema com a Rússia, a Armênia é um país sem fronteiras abertas, tem problemas com o Azerbaijão. É preciso ir ao tribunal internacional se não houver outra forma.

Para o próximo Prêmio Nobel da Paz, há vários candidatos, 300 indicações. O povo da ilha de Lesbos, ou os capacetes brancos da Síria, os voluntários que removem as pessoas dos escombros pagando com a vida, ou ainda o presidente da Colômbia e o comandante das Farc. Quem o senhor espera que vença?

Há muitas pessoas que vivem para fazer a guerra, para a venda das armas, para matar. Mas também há muitas pessoas, muitas, muitas, que trabalham pela paz. Eu não saberia dizer que pessoa escolher dentre tantas, é difícil. Você mencionou algumas, existem mais ainda. Eu espero também que, em nível internacional, haja uma recordação, um reconhecimento, uma declaração sobre as crianças, sobre os inválidos, sobre os menores de idade, sobre os civis mortos debaixo das bombas das guerras. Eu acho que isso é um pecado! Um pecado contra Jesus Cristo, porque a carne daquelas crianças, daquelas pessoas doentes, daqueles idosos indefesos é a de Jesus Cristo. Seria preciso que a humanidade dissesse alguma coisa sobre as vítimas das guerras. Jesus disse, sobre aqueles que fazem a paz, que são bem-aventurados. Mas devemos dizer algo sobre as vítimas das guerras: jogam uma bomba em um hospital e em uma escola e fazem tantas vítimas!

A campanha presidencial nos Estados Unidos: quem um católico deveria escolher entre os dois candidatos? Um está distante, em muitos pontos, do ensinamento da Igreja; e o outro fez certas declarações sobre os imigrantes e sobre as minorias…

Você me faz uma pergunta descrevendo uma escolha difícil. Porque, na sua opinião, há dificuldades em um e no outro. Em campanha eleitoral, eu nunca digo uma palavra. O povo é soberano, e apenas direi: estude bem as propostas, reze e escolha em consciência! Depois, saindo do caso específico, faço uma hipótese de escola, porque eu não quero falar do problema concreto. Quando acontece que, em um país qualquer, existem dois, três, quatro candidatos que não dão satisfação a todos, isso significa que a vida política desse país talvez seja muito politizada, mas ele não tem tanta cultura política. Uma das tarefas da Igreja e do ensino nas faculdades é de ensinar a ter cultura política. Há países – penso na América Latina – que são politizados demais, mas não têm cultura política, sem um pensamento claro sobre as bases, sobre as propostas.

O testemunho para a história é mais importante do que o testamento de um papa? Pergunto-lhe isso porque João Paulo II havia deixado dito que queimassem as suas cartas, mas, ao contrário, elas acabaram em um livro.

Você fala de um papa que indicou que se queimassem os seus papéis, as suas cartas. Mas esse é o direito de cada homem e de cada mulher. Ele tem o direito de fazer isso antes de morrer. Quem não respeitou essa vontade deve ser culpado, não sei, não conheço bem o caso. De tantas pessoas não foi respeitado o testamento…

Depois do encontro com o patriarca, o senhor viu a possibilidade de uma futura cooperação e diálogo entre as Igrejas ortodoxa e católica?

Eu tive duas surpresas na Geórgia. Uma é a Geórgia. Nunca imaginei tanta cultura, tanta fé, tanta cristandade. Um povo de fé e uma cultura cristã antiquíssima, um povo de tantos mártires. Descobri uma coisa que eu não conhecia: a densidade dessa fé georgiana. A segunda surpresa foi o patriarca: é um homem de Deus, esse homem me comoveu. Nas vezes que eu o encontrei, eu saí com o coração comovido, encontrei um homem de Deus. Sobre as coisas que nos unem e nos separam, eu direi: não nos ponhamos a discutir as coisas de doutrina, deixemos isso aos teólogos, eles sabem fazer isso melhor do que nós, discutem e são grandes, são bons, os de um lado e os do outro. O que devemos fazer nós, povo? Rezar uns pelos outros. E fazer coisas juntos: há os pobres, trabalhemos pelos pobres; há um problema, trabalhemos juntos; há os migrantes, trabalhemos juntos pelos outros. Podemos fazer isso. Esse é o caminho do ecumenismo e, com boa vontade, é possível, deve-se fazer. Hoje, o ecumenismo deve ser feito caminhando juntos e rezando juntos. Mas a Geórgia é maravilhosa, eu não esperava isso: cristã até a medula!

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