Conheça, para rebater, as razões pelas quais as mulheres não deixam seus agressoresCarta de um leitor:
“Sou um entre tantos covardes que golpeiam suas esposas.
Quem sabe eu não conte nada de novo para quem vive como agressor ou vítima da violência intrafamiliar. Mas quero deixar claro que estou tratando – real e verdadeiramente – de um crime, onde se ultraja e se humilha com golpes que atentam contra a vida.
Comecei a viver a violência em minha família de origem. Meu pai humilhava minha mãe em público, a estuprava e batia nela, dizendo, no cúmulo do cinismo e da depravação, que ela suportava os maus tratos porque gostava e porque, daquela forma, se sentia mais querida.
O certo é que minha mãe guardava o silêncio e era incapaz de ir contra ele. Considerava que, por sua condição limitada, não poderia encarar a vida e criar seus filhos.
Minha mãe, sem amigos e familiares que pudessem ajudá-la, só encontrou uma saída: resignar-se e esperar que o tempo mudasse sua situação. E, esperando, morreu…
Pode ser que eu não tenha herdado estes padrões de conduta. Mas fui e sou responsável pelo mal uso de minha liberdade, meu pecado é absolutamente pessoal, ainda que alguns psicólogos queiram me livrar desta culpa. Devo reconhecer desta forma. Ao contrário, não superarei.
Conquistei minha esposa com dotes de um galã charmoso, consciente do que o fazia com uma boa mulher, que me amaria nobremente com a certeza de ser igualmente correspondida. Porém, longe disso, eu me comportei muito mal.
Quando ela, medindo suas palavras, se atreveu a reclamar de mim pela primeira vez, eu respondi com muita raiva, dando socos em seu rosto e arrastando-a pelos cabelos.
Ela caiu muito ferida, mas, sobretudo, gravemente surpreendida e assustada, pois minha reação chocava brutalmente com seu confiante projeto de matrimônio junto ao homem que jurou amá-la e respeitá-la para o resto da vida.
Desorientada, sem minha referência emocional e muito deprimida, sua primeira reação foi me abandonar. Mas…
Eu me ajoelhei, pedi seu perdão, chorei e pedi uma oportunidade, prometendo que aquilo jamais voltaria a acontecer, enquanto oferecia mil desculpas no absurdo de querer inspirar pena quando ela era a vítima.
Eu consegui seu perdão e, sem embargo, segui batendo nela em um fatídico ciclo que começava com agressões verbais, depois psicológicas, até chegar aos socos sem me importar que eu a machucava. Depois, novamente muito arrependido, voltava às fortes promessas de me converter, agora sim, no melhor esposo e pai de família que pudesse existir.
Após de uma tenebrosa lua de mel, novamente voltava às crescentes agressões verbais e psicológicas, terminando em uma explosão em que, depois do primeiro soco, minha ira se desencadeava incontrolavelmente.
Minha violência a atingiu em todos os sentidos. Eu a impedia de desenvolver algum trabalho, deixava de falar com ela durante longos período, ameaçava-a com declarações de que ela era incapaz de criar os filhos. Minha esposa começava a se comportar como minha mãe, com uma indefesa aprendida.
Cínico e covarde, perto dos familiares e amigos eu me comportava como uma pessoa agradável e tranquila, dando a entender que a vítima era eu e que eu estava longe de ser uma pessoa hostil.
Tomada pelo temor, minha esposa me deixou duas vezes para ir morar com parentes. Mas eu fiz meus cálculos, pois ela ainda recebia meus telefonemas. Assim, eu falava com ela insistentemente, fazendo-a lembrar de mim como um homem arrependido e amoroso. Isso provocaria nela um sentimento mais forte do que o medo e a faria voltar para casa. E eu estava certo.
Finalmente, a corda se rompeu e ela perdeu o medo. Minha mulher deixou de lembrar dos bons momentos, cortou definitivamente a comunicação comigo, pediu ajuda a uma instituição, para sua família e me processou.
A lei a protege e eu não posso nem ver nem buscar meus filhos. Seu fizer isso, haverá consequências.
Acho que é muito difícil eu pensar em voltar a me casar. Ainda não confio em mim, realmente me sinto mal. Sofro ao compreender que minha esposa deixou de me amar para sempre, que ela não era um objeto de minha propriedade, que seu amor era livre, como livremente me abandonou.
Tenho buscado ajuda profissional. Quero sair deste poço.”
Considerações sobre o tema:
Algumas razões pelas quais as mulheres vítimas de maltratos não abandonam a relação:
A esperança: “Ele realmente não é assim, no fundo, ele é bom.” Pensam que, ao semear amor, colherão amor e concedem o perdão na esperança de que os episódios de violência desapareçam.
Justificam o parceiro. “Quando ele deixar de beber, vai mudar” ou “é pelo estresse no trabalho e os problemas econômicos”. Em sua depência emocional, as mulheres chegam até a defender os maridos.
Pouca autoestima. “Você é uma estúpida, vai morrer de fome, seus filhos precisam mais de mim do que de você”. As agressões verbais, em que elas são continuamente desqualificadas, fazem que qualquer plano de saída termine dando marcha à ré.
A dependência econômica. “O que vou fazer sem ele?” Ter-se casado muito jovem, sem experiência de vida e não contar com uma profissão ou uma capacitação fazem as mulheres sentirem-se incapazes de sustentar seus filhos sozinhas. Acrescente-se a isso a falta de apoio de algum conhecido ou parente.
O medo do que os outros vão dizer. “O que vão pensar, dizer?” Elas se limitam diante do preconceito de familiares, vizinhos e amigos; chegam a sentir vergonha diante da ideia de ser a primeira da família a se separar e não ser compreendida ou aceita. Este medo contribui para o silêncio e ao medo de denunciar o marido às autoridades
Não conhecem seus direitos. “Não sei o que fazer, a quem recorrer”. Elas pensan que ninguém pode ajudá-las, não sabem inclusive que existem instituições que protegem a mulher em caso de violência doméstica.
Os filhos. “Sem mim, seus filhos vão para o lixo.” Os filhos são um dos principais motivos pelos quais a mulher se sacrifica a não se separa. No entanto, na separação os danos aos filhos podem ser menores do que os provocados quando eles são testemunhas e vítimas da violência doméstica.
Pressão psicológica. “Se você me deixar eu vou me afundar, talvez até me mate.” Algumas mulheres chegam a acreditar nisso, mesmo que seja só uma pressão psicológica que o homem exerce sobre a mulher para não ser abandonado.
Medo. “Meu esposo é capaz de tudo”. O medo é uma causa que identifica a mulher violentada. Ela teme por sua vida, pela vida de seus filhos e seus demais familiares.
Apego emocional. “Ele é o homem da minha vida“. Quando, por imaturidade afetiva, a mulher pensa que não encontrará outro homem melhor ou que não seja mulher suficiente para começar uma nova relação.
Crenças religiosas. “É minha cruz, devo carregá-la”. Algumas mulheres não rompem o laço com o agressor e se imobilizam, considerando que Deus é o responsável por colocá-las nesta situação e que só Deus pode tirá-las.
O cônjuge violento é incapaz de compreender o sentido de seus atos porque não compreende o valor das pessoas, nem de si mesmo. Não pode compreender sua ação violenta, simplesmente, porque qualquer má ação é incompreensível.
Por Orfa Astorga de Lira, Mestre em Matrimônio e família pela Universidade de Navarra.