Não basta se escandalizar com o terrível jogo: é preciso avaliar que vida estamos obrigando as futuras gerações a viveremO avanço da tecnologia possibilitou um acesso ilimitado às redes sociais de tal forma que essa realidade reinventa a vida cotidiana. Há muitas opções e não poucas armadilhas nessa ambiência. É o caso do desafio Baleia Azul, jogo que atrai jovens e adolescentes de todo o mundo dispostos a realizar tarefas arriscadas que culminam em tirar a própria vida.
Vive-se num tempo de forte acento individualista, quando as sociedades regidas por uma lógica narcísica multiplicam as iniciativas autodestrutivas. Diante da crise de afeto, da banalização do outro e do relativismo que colapsa valores comuns, o suicídio é hoje a expressão de uma crise de despersonificação.
Muitos sujeitos altamente conectados estão perdidos no turbilhão de informações, vítimas da overdose de opções para se atingir a felicidade, porém, uma felicidade momentânea, hedonista e eminentemente individual. A pessoa acaba movendo-se num horizonte sem meta, flutuando numa atmosfera de várias opções de sentido, de comportamentos, de ética. Os condicionamentos de uma sociedade desumanizada impedem que o indivíduo se realize.
Não basta se escandalizar com o terrível jogo mortal Baleia Azul, é preciso avaliar o tipo de vida que estamos levando e obrigando as futuras gerações a viverem. Sem perspectiva de futuro e esquecendo o passado, muito se tem insistindo em viver somente o presente. O importante é se sentir bem. Será?
O suicídio, como no jogo Baleia Azul, pode acontecer até mesmo sem desejo de morrer, como um ato de violência não planejado. O que importa é fazer a experiência, ter a sensação, sentir a emoção do momento.
A estrutura, o ambiente e a educação familiar são fundamentais para desenvolver níveis de felicidade que diminuam o instinto autodestrutivo. Aqui entram a ética e o cuidado para pensar preventivamente, atuando no sistema educacional, reconstruindo sentidos, resgatando valores, autorizando a expressão de sentimentos e pensamentos, fortalecendo os vínculos e a espiritualidade. Não é possível que o mercado, o poder e o descaso com os mais fracos dominem a vida das pessoas. Estamos cada vez mais carentes de sentido e valores que todos reclamam, mas poucos estão dispostos a mudar o atual estilo de vida. Esquecem que a falta de afeto, cuidado e transcendência também podem matar.
Para prevenir é preciso cuidar e libertar-se do mito atual da sociedade de consumo e do bem-estar de que só vale a pena viver se há prazer. Saber lidar com as perdas, os limites e as frustrações pode mostrar o que realmente tem valor na vida; de forma extremamente eficaz, ajuda a discernir o que é secundário e o que é essencial.
O alerta do desafio da Baleia Azul é para todos, aponta para a necessidade de um novo olhar sobre a vida, conectado, mas não alienado; informado, mas não desafetado; livre, mas não narcísico. O desafio é para famílias, igrejas e sociedade. Não deixem as baleias roubarem nossos jovens.
Dom Leomar Brustolin
Bispo auxiliar de Porto Alegre