Um ponto clássico, por exemplo, é o debate sobre a origem do Universo
Algumas pessoas veem conflitos insolúveis entre a Ciência e a Religião, mas, em linhas gerais, podemos dizer que, quando bem compreendidas, ambas, no plano da fé, não se confrontam, mas, ao contrário, caminham juntas e sem atritos – cada uma a seu modo – para o bem da humanidade em todos os sentidos.
Os problemas de aparência incontornáveis só nascem quando uma hipótese científica é tomada como verdade incontestável por parte de alguns cientistas em oposição aos ensinamentos da fé ou, então, se o religioso tem como dogma algo que não é.
Um ponto clássico, por exemplo, é o debate sobre a origem do Universo: foi criado diretamente por Deus tal como é hoje ou veio da evolução da matéria? – Em resposta, diremos o seguinte: do ponto de vista das ciências experimentais, a disputa não produz grandes frutos, pois ninguém presenciou o instante zero do cosmo.
Daí, ficam duas teorias em aberto: Deus criou tudo como é hoje (criacionismo) ou o Universo é fruto de uma expansão depois do Big Bang: evolucionismo que pode ser materialista – só aceita a matéria – ou mitigado – apenas a matéria evolui, mas a alma espiritual é criada por Deus diretamente para cada ser humano. É esta segunda forma de evolução que a fé católica aceita.
Pergunta-se, porém, o que diz a Igreja sobre os primeiros capítulos do Gênesis (1-11)? – Diz que as principais lições a serem daí extraídas não são ensinos de ciências naturais, pois, estas, embora importantes, não visam à salvação eterna do ser humano, que é o objetivo principal da Revelação divina.
Voltando, agora, a considerar o universo, podemos dizer que a matéria inicial, caótica (nebulosa), da qual terá procedido a evolução, foi criada diretamente por Deus (não é matéria eterna). O Senhor lhe haverá dado as leis de seu desenvolvimento de modo que dela tiveram origem os minerais, os vegetais e os animais irracionais até o surgimento do homem e da mulher. Quando Deus quis que o ser humano aparecesse na face da terra, realizou outro ato criador, dando alma espiritual ao primata evoluído.
Quanto à criação do ser humano distinguimos entre corpo e alma. O corpo, sendo matéria, pode provir de matéria viva preexistente. Derivaria de um primata que seria o ancestral comum dos macacos e do corpo humano. A alma, contudo, não tem origem por evolução, mas por criação direta de Deus; sendo espiritual, ela não provém da matéria evoluída (o espírito não é energia quantitativa, nem fluida, nem éter; por isso não pode originar-se da matéria). Assim se conciliariam criação e evolução.
Já na Moral Católica há mais choques por duas principais razões: 1) a Igreja, além do Evangelho, defende a Lei natural moral presente em cada ser humano a lhe dizer: “Pratica o bem e evita o mal”. Independentemente da cultura ou da época histórica, nunca foi nem será lícito matar, roubar, caluniar etc. Ora, um mundo afastado de Deus devido à negação da metafísica (o que está além da física, portanto não mensurável pelas ciências experimentais) tenta – embora sem êxito pleno – sufocar essa Lei natural moral chocando-se com a Igreja; 2) A moral católica é teônoma (Théos = Deus/ nomos = lei), ou seja, leva em conta as circunstâncias do indivíduo, mas tem seu referencial em Deus e sua Lei. Aqui há embates, pois o pensamento contemporâneo é antropocêntrico (anthropos = homem/ nomos = norma) e, por isso, coloca o ser humano como centro de tudo, capaz, inclusive, de desprezar a lei de Deus, que é a natural moral, para tentar – com mais ou menos êxito – substituí-la por leis positivas humanas.
Daqui saem os grandes desatinos do homem que se julga superior ao demais e, por isso, crê poder exterminar os “inferiores”, assassinar as crianças no ventre materno (aborto), os idosos doentes (eutanásia), fabricar autênticos homens e mulheres in vitro e armazená-los como meras peças capazes de satisfazer aos caprichos humanos: os que servem são aproveitados, os demais são descartados etc.
Eis, muito brevemente, pontos que Ciência e Religião podem se unir ou se chocar…
Vanderlei de Lima é eremita na Diocese de Amparo; Igor Precinoti é médico, pós-graduado em Medicina Intensiva (UTI), especialista em Infectologia e doutorando em Clínica Médica pela USP.