Era uma noite escura e tempestuosa. Chovia muito e fazia frio. De repente, alguém desesperadamente começou a bater à porta da casa paroquial.A nossa cultura cada vez mais cética e irreverente foi deixando de lado as histórias piedosas que, de geração em geração, transmitiam mensagens de fé e convidavam à reflexão. Esta é uma das histórias que se contavam décadas atrás e pode ser inspiradora:
Iniciava a noite. O padre José, depois de ter cumprido com suas obrigações, fechava a igreja para ir à casa paroquial rezar o Ofício Divino, orações e leituras magníficas que compõem o livro do breviário e que seguem os tempos litúrgicos. Ele ia caminhando pela rua e observou que não tardaria a chover. Já em casa, começou a rezar e, quando terminou, tarde da noite, resolveu dormir. A chuva se fazia forte. Adormeceu por volta das 23 horas, mas, muito cansado pelos afazeres do dia, teve um pesadelo.
Sonhou que, à meia-noite, ao badalar dos sinos do grande relógio de parede, alguém batia à porta com muita força e insistência. Ainda em sonhos, levantou-se e foi ver o que ocorria.
– Quem será que bate apavoradamente a uma hora dessas? – pensou.
Abriu a porta e, debaixo daquela chuva torrencial, um homem todo encapotado lhe falou:
– Padre, por favor, minha mulher está morrendo! O senhor precisa vir comigo para lhe dar a extrema unção.
Em sonhos, o padre pensava:
– Pode ser um bandido, pode ser uma mentira… – a chuva estava muito forte e fazia frio – …mas pode ser verdade também.
Indecisão. Ir ou não ir atender àquele pedido aflito? O homem tinha aparência suspeita. O padre pensou e decidiu ir, porque, se fosse verdade, não podia deixar de dar os últimos sacramentos a uma pessoa moribunda.
– Espere um pouco, meu filho. Vou colocar um agasalho.
Preparado assim para enfrentar a chuva, o padre voltou e foi fechando a porta para acompanhar o estranho. Ao subir à carruagem, o cavalo começou a galopar desenfreado.
Como andavam muito e nunca chegavam, o padre pôs a cabeça para fora e perguntou:
– Meu filho, quanto falta?
O estranho gritou, entre chuva e trovões:
– Já, já chegamos, padre, estou fazendo o que posso para chegar logo.
A carruagem chacoalhava muito e os cavalos corriam sem parar. Parecia que a coisa era mesmo grave e séria. Passado mais algum tempo e nenhuma casa pelo caminho, o padre se inquietava.
– Meu filho, onde está a tua mulher? Demora muito ainda?
– É logo ali, depois da fileira de árvores.
Passada a fileira de árvores, apareceu uma casinha humilde e pequena. O estranho desceu e abriu a porta da carruagem para o padre. A casinha já estava entreaberta. O padre empurrou a porta e se viu numa saleta, depois da qual havia uma cortina grossa.
– Onde está a tua mulher?
– No quarto, atrás da cortina. Pode entrar.
Quando o padre abriu a cortina, apareceu detrás dela um horrível demônio com faca em punho tentando desesperadamente e com grande ódio apunhalá-lo.
Foi quando o padre acordou assustado. Suspirava muito e suava frio – mas percebeu que não tinha sido só o pesadelo que o acordara: alguém batia à sua porta desesperadamente. Do relógio, as badaladas indicavam meia-noite – exatamente como no pesadelo que acabava de ter. Assustado, o padre pensou:
– Quem poderia ser a uma hora dessas? Será que foi um aviso de Deus?
A pessoa não parava de bater e o fazia cada vez mais forte e com mais insistência. O padre pensou:
– Não vou dar importância a um sonho. Foi só um pesadelo.
Caminhou até a porta e abriu. O susto foi tamanho que o padre quase recuou. Era o mesmo estranho do sonho e lhe pedia:
– Padre, por favor, minha mulher está morrendo! O senhor precisa vir comigo para lhe dar a extrema unção.
O padre pensou: “Não pode ser possível! A mesma pessoa do sonho… O mesmo pedido de ajuda… A mesma noite de tempestade, as mesmas badaladas do relógio… Era um aviso mesmo”.
– Meu filho, infelizmente não poderei atendê-lo agora.
– Padre, eu suplico, somos uma família católica! O senhor não pode deixar a minha mulher morrer sem os últimos sacramentos!
Vendo o desespero na face do estranho, o padre pensou de novo que não devia dar atenção a um pesadelo e que podia mesmo haver uma mulher precisando dos últimos sacramentos.
– Espere um pouco, meu filho. Vou colocar um agasalho.
Preparado assim para enfrentar a chuva, o padre voltou e foi fechando a porta para acompanhar o estranho. Ao subir à carruagem, o cavalo começou a galopar desenfreado.
Tudo parecia idêntico ao pesadelo. O mesmo estranho, o mesmo pedido, a mesma carruagem, a mesma noite chuvosa, os relâmpagos e os trovões… O padre ia rezando para que Deus o protegesse.
Como andava tanto e nunca chegava, o padre colocou a cabeça para fora e perguntou:
– Meu filho, quanto falta?
O estranho gritou, entre chuva e trovões:
– Já, já chegamos, padre, estou fazendo o que posso para chegar logo.
Até esse diálogo tinha ocorrido no pesadelo. Tudo estava acontecendo igual! Poderia ser possível? Não seria apenas uma extraordinária impressão causada pelo sono, pela preocupação, pelo medo?
Enquanto a carruagem chacoalhava e os cavalos corriam sem parar, o padre pensou: “Não vou perguntar mais nada, pois assim não fica tudo igual ao pesadelo”.
Mas a demora era demasiada, a impaciência crescia, nunca se chegava…
– Meu filho, onde está a tua mulher? Demora muito ainda?
– É logo ali, depois da fileira de árvores.
Passada a fileira de árvores, apareceu uma casinha humilde e pequena. O estranho desceu e abriu a porta da carruagem para o padre. A casinha já estava entreaberta. O padre empurrou a porta e se viu numa saleta, depois da qual havia uma cortina grossa.
– Onde está a tua mulher?
O estranho respondeu:
– No quarto, atrás da cortina. Pode entrar.
E agora? O que fazer? Tudo estava igual ao pesadelo. O pesadelo tinha mesmo que ser um aviso. Indecisão: abrir ou não abrir a cortina…?
O padre então respirou fundo, fez o Sinal da Cruz e, com o crucifixo na mão, afastou a cortina…
A mulher estava deitada na cama, já quase em agonia. Mais que depressa, o padre lhe deu a extrema unção e rezou pela moribunda. Tão logo acabou de ministrar os sacramentos, ela deu o último suspiro e entregou a alma a Deus.
O marido e o padre se puseram a chorar copiosamente e, de joelhos, agradeceram a Deus pela graça de ter dado à mulher a oportunidade de receber os últimos sacramentos.
O padre concluiu, tempos depois, que a obra do demônio tinha sido o próprio pesadelo, para impedi-lo de dar àquela mulher os últimos sacramentos. O demônio, afinal, é mestre na arte de perder as almas e sabe como ninguém aproveitar os temores humanos para nos afastar do dever, transformando medos, superstições e crenças assustadoras em obstáculos que nós mesmos corremos o risco de tornar gigantes.
Não tenhamos medo. Estamos com Deus! Sejamos firmes até o heroísmo na prática da virtude.
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Adaptado a partir de postagem do blog Almas Castelos