O princípio da subsidiariedade e por que ele é crucial para a verdadeira liberdade de um povoSerá que o Estado consegue dar tudo ao homem? Ou deveria querer tentar isso?
A resposta, para a Igreja, é clara: não. E o Papa Bento XVI explica:
O amor — cáritas — será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem como homem.
Sempre haverá sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo (cf. Congregação dos Bispos, Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos “Apostolorum Successores“, 22 de fevereiro de 2004, 197).
Um Estado que queira prover a tudo e que tudo abranja se torna, no fim de contas, uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal.
Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda.
A Igreja é uma destas forças vivas: nela pulsa a dinâmica do amor suscitado pelo Espírito de Cristo. Este amor não oferece aos homens apenas uma ajuda material, mas também refrigério e cuidado para a alma — ajuda esta muitas vezes mais necessária que o apoio material. A afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de caridade esconde, de fato, uma concepção materialista do homem: o preconceito segundo o qual o homem viveria «só de pão» (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3) — convicção que humilha o homem e ignora precisamente aquilo que é mais especificamente humano.
Papa Bento XVI, em Deus Caritas Est, 28b
O que é o princípio da subsidiariedade?
Grosso modo, é a diretriz segundo a qual o Estado, em qualquer das suas esferas de poder, só deve intervir para solucionar qualquer tipo de conflito quando nenhum outro meio civil é capaz de resolvê-lo por sua própria conta.
A Doutrina Social da Igreja incorpora este princípio e reforça que é preciso incentivar e formar nas pessoas o máximo grau possível de autonomia, de modo que os indivíduos e grupos humanos consigam autodeterminar-se e auto-organizar-se de modo livre, autossuficiente, solidário e colaborativo para prover às próprias necessidades e conquistar uma crescente qualidade de vida. Quando um indivíduo ou grupo não consegue solucionar um conflito por sua própria conta, então deve entrar em jogo a solidariedade dos outros – e a solidariedade é outro princípio-chave da Doutrina Social da Igreja, mas sempre entendida como a disposição habitual de prestar ajudas pontuais a um grupo ou indivíduo na resolução de uma dificuldade específica; ou seja, preservando e fomentando o máximo de autonomia em vez de suprimi-la.
Ao Estado cabe garantir que todos tenham acesso aos recursos fundamentais para exercerem a própria autonomia; nunca, portanto, o Estado deveria “substituir” essa autonomia mediante a concentração de tarefas que poderiam ser realizadas pela iniciativa cidadã, nem, muito menos, a concessão de paliativos que geram no povo uma dependência do Estado. O Estado não deve se arrogar o papel de interventor constante nos âmbitos em que o cidadão, dispondo dos meios necessários, deveria ser capaz de solucionar conflitos e suprir necessidades com base no próprio esforço. Permitir omissamente ou promover propositalmente nas pessoas a dependência do Estado é um salvo-conduto para que o Estado se imponha cada vez mais nos âmbitos particulares, impedindo, no fim das contas, a autonomia, o desenvolvimento e a realização plena dos indivíduos e das comunidades em que eles compartilham a vida real de todos os dias.
Um Estado assim é chamado, não à toa, de “paternalista“: ele recorda aqueles “paizões” (e “mãezonas”) que, em vez de garantirem aos filhos os meios e as oportunidades para que se tornem adultos livres, independentes e capazes de cuidar responsavelmente da própria vida, dão a eles tudo ou quase tudo de mão beijada, gerando a ilusão de que tudo é seu “direito” e nada ou muito pouco é seu dever.
A diferença entre o Estado e esses pais omissos e lenientes é que os pais, no geral, cometem esse erro por ignorância, na suposta boa intenção de poupar sofrimento aos filhos, enquanto o Estado perpetra essa estratégia de poder na consciente intenção de manter os “filhos” sob seu controle mediante concessões mesquinhas, mas bem disfarçadas de “compromisso social”.
É evidente que é necessário disponibilizar aos cidadãos os meios para progredirem, o que implica políticas eficazes de educação, saúde, segurança e infraestrutura para a mobilidade e as comunicações, por exemplo, mas esses meios devem ser entendidos precisamente como isto: meios; meios para que as pessoas possam, com o seu trabalho, se desenvolverem livres de “ajudas diretas permanentes” (que acabam sendo entendidas, erroneamente, como “fins” do Estado).
A solidariedade e a subsidiariedade devem operar “em parceria”, mas a solidariedade deve estar sempre a serviço da subsidiariedade, e nunca voltada a suprimi-la.
Se grande parte dos países fecha os olhos para o princípio da subsidiariedade, optando por estruturas, programas e ideologias em que o Estado é marqueteiramente vendido como o “provedor direto” de quase tudo, é precisamente porque não lhes convém que os cidadãos se tornem verdadeiramente responsáveis pela administração da própria vida – ou seja, livres.
O caro leitor não achava que seria por genuíno amor ao próximo, achava?