O jornal Testemunho de Fé, de 21-27/01/2018, p. 9-16, trouxe, na íntegra, a Carta Pastoral “Bem-aventurados os que constroem a paz (Mt 5,9)”, assinada por Dom Orani João Tempesta, O. Cist., Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
O documento segue a linha da Campanha da Fraternidade deste ano (cf. n. 3) cujo tema é “Fraternidade e superação da violência” e o lema “Em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23,8) e pode ser lido no site da Arquidiocese do Rio: www.arquirio.org.
O que aqui nos cabe dizer é que a referida Carta parece ter se limitado muito à superação da violência pela conversão do coração de cada ser humano (cf. n. 34), mas não considerou a maldade humana, fruto do pecado, presente no mundo. Tal maldade chama cada um à conversão, mas também à firme defesa do bem frente ao mal.
É certo que Cristo mandou amar os inimigos e deu-nos exemplos fortes, tais como: “se alguém esbofetear a sua face direita, oferece-lhe também a esquerda” (Mt 5,39). Isso, porém, não significa que o cristão será sempre um bobo a não saber reivindicar os seus direitos ou um fantoche nas mãos dos inimigos. O Senhor Jesus usou palavras fortes como: arrancar o próprio olho (5,29), amputar a mão direita (5,30), dizer apenas sim ou não (5,36), entregar o manto a quem desejar a túnica (5,40) etc. para conseguir fazer sua mensagem calar fundo nos ouvintes, mas nunca elas foram interpretadas ao pé da letra.
Dom Estevão Bettencourt, OSB, alerta: “O entendimento literal destas expressões teria feito dos discípulos de Jesus, no início do cristianismo, um rebanho simplório, posto à mercê de todo aventureiro ou explorador; uma tal ‘prática do Evangelho’ só faria promover o mal no mundo, dando ocasião a que ímpios e criminosos acabassem por sufocar a causa do direito, do amor e da verdade. As gerações cristãs, desde o início da nossa era, bem entenderam o sentido metafórico e hiperbólico das citadas frases de Mateus 5-7” (Parábolas e páginas difíceis do Evangelho. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, s/d, p. 187).
O próprio Cristo deu exemplo de que é lícito ao cristão reagir ao ser injustamente atacado. Quando foi agredido pelo guarda da corte do Sumo Sacerdote, Ele lhe inquiriu, chamando-o a ver sua injustiça ao perguntar: “Se falei mal, dá testemunho disto; mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23).
Por conseguinte, permanece inabalável o direito à legítima defesa (Catecismo da Igreja Católica, n. 2263-2264) ou o dever das autoridades e das forças de segurança de defenderem a população refém da criminalidade (idem, n. 2265-2267). A não contemplação de quem trabalha nas áreas da Justiça e da Segurança Pública, muitas vezes primeiras vítimas da violência que, infelizmente, grassa o País, na Carta, talvez se deva a razões de delimitação do tema. Isso, contudo, jamais quer dizer que a Mãe Igreja exclui esses importantes pontos ou os responsáveis pela segurança. O cidadão comum tem direito à legítima defesa e as autoridades públicas possuem o dever de defender o povo. Para aprofundamento: Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 379-383; 402-405 e 500-507, em especial. Site: www.vatican.va.
Note-se que o Papa Francisco, assim como seus antecessores, dentre os quais vários santos canonizados, entende ser fundamental a conversão do coração, mas, neste mundo marcado pelo pecado, não abre mão de ter à sua volta seguranças armados.
Portanto, as Polícias Militar e Civil, os Guardas Civis Municipais, os Agentes Penitenciários, bem como o Ministério Público e o Judiciário estão na linha de frente no combate à violência. Podem não ser, devidamente, valorizados, mas merecem nossa louvável atenção.
Quando você, amigo(a) leitor(a), encontrar-se com um deles não deixe de cumprimentar e parabenizar esse “anjo da guarda”. Afinal, ele se dispõem a dar a vida pelo próximo; ou seja, por mim, por você e pelos seus (cf. Jo 15,13). Pense nisso!
Vanderlei de Lima é eremita na Diocese de Amparo.