Santa Teresa faz uma brilhante comparação entre os níveis de oração e o cultivo de uma horta Santa Teresa de Jesus nos brinda com uma das reflexões mais belas sobre vida interior e espiritualidade. Ela compara sua experiência de oração (mais especificamente os seus diferentes níveis de profundidade) com o trabalho em uma horta.
Seguindo este pensamento, o historiador Josep Otón propõe uma interioridade habitada por “algo mais que o eu mesmo”. Uma interioridade “aberta à transcendência”.
Josep Otón é doutor em História e professor do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Barcelona. Ele já escreveu livros sobre a Bíblia e também é autor de um romance, Laberintia, que foi traduzido para o francês.
Editado por Sal Terrae, seu livro Interioridad y espiritualidad [“Interioridade e espiritualidade] propõe um caminho para descobrirmos a interioridade e suas dimensões. Para isso, ele usa o exemplo da “horta interior” de Santa Teresa, que diz que quem começa a praticar a oração precisa pensar que está começando a preparar uma horta ou um jardim, para o deleite do Senhor.
Mas essa horta é diferente. Ela é plantada em terra árida, estéril, cheia de ervas daninhas que o próprio Deus arranca para plantar novas sementes.
O autor lembra que a Bíblia está cheia de imagens que remetem a jardins (ou hortas). Os profetas do Antigo Testamento, por exemplo, recorrem à imagem de um “jardim sem água”, referindo-se à situação de Israel, que dá as costas a Deus.
Por isso, as promessas de restauração costumam comparar a nova relação entre Israel e Deus como um “jardim bem irrigado” (Isaías 58,11 e Jeremias 31,12).
São especialmente significativas as palavras de Isaías: “Do deserto em que ela se tornou ele fará um Éden, e da sua estepe um jardim do Senhor. Aí encontrar-se-ão o prazer e a alegria, os cânticos de louvor e as melodias da música.” (Isaías 51, 3).
Já os relatos do Gênesis descrevem a saída do Paraíso, o jardim do Éden, regado por quatro rios. (Gênese 2,10).
A experiência espiritual proclamada pelos profetas parece indicar a conclusão deste processo, ou seja, do deserto ao jardim regado, da esterilidade à vida.
No Cântico dos Cânticos, o noivo se refere à noiva como um “jardim fechado”, e ela responde: “Entre meu amado no seu jardim, prove-lhe os frutos deliciosos”.
A horta e o jardim evocam a proximidade com Deus: a água é símbolo da vida e da fecundidade, já a secura representa a esterilidade.
A horta já existe
A santa castelhana diz que “a horta já existe”, e, com a ajuda de Deus devemos, como bons jardineiros, fazer “as plantas crescerem”.
Otón diz que “a imagem da horta de Santa Teresa é muito sugestiva e nos faz refletir sobre interioridade e espiritualidade. Podemos considerar a terra como a imagem da própria a interioridade, um terreno que pode ser fértil ou não, mas que não produz nada por si só”.
O solo precisa da ajuda externa, das sementes e da água (que nos remetem à espiritualidade). O trabalho do agricultor é cultivar a horta.
Santa Teresa lembra que uma horta precisa ser regada. E há várias formas de fazer isso. A primeira é tirar água do poço, um grande esforço por parte do agricultor, do jardineiro ou de quem reza. Já a segunda é o uso de uma roda, com a qual pode-se extrair maior quantidade de água com menos esforço. O terceiro jeito é aproveitar a água de um rio. Assim, a horta fica alagada e não é preciso regá-la tanto.
Mas a quarta forma de regar a horta é a melhor. O homem intervém pouco, já que o campo é regado pela água da chuva.
Santa Teresa compara estes caminhos de irrigação aos quatro níveis de oração:
– o primeiro (extrair água) é a oração mental. Esforço e meditação;
– o segundo (a roda), é a oração em silêncio, uma comunicação com Deus, em que a pessoa experimenta um recolhimento até o mais profundo de seu ser. É uma experiência sobrenatural;
– o terceiro (regar com água do rio) é quando a ação de Deus faz o indivíduo manifestar respeito à toda criação. Ele se sente embriagado pela oração quando percebe que as flores estão se abrindo e começam a exalar perfume;
– no quarto nível, (a chuva) o ser humano se sente inundado pela inefabilidade divina e toma consciência dos efeitos de uma vida de oração.
A horta é a interioridade, a água do rio evoca a espiritualidade. A horta não é independente: para ser fecundada, deve abrir-se a exterior.
A partir de uma perspectiva de quem crê ou não, é recomendável seguir o conselho da santa: “Não subam se Deus não os sobe”. Há um ponto ao qual não é possível ascender somente com o próprio esforço. É preciso deixar acontecer, deixar-se conduzir, sem procurar alcançá-lo com as próprias forças. É nisso que consiste a espiritualidade.