Muitos espíritas utilizam passagens da Bíblia fora de contexto sobre a volta à vida de Elias e de João Batista, atribuindo-lhes a reencarnaçãoA reencarnação é um conceito procedente da espiritualidade oriental e afirma que o espírito deve se separar do corpo material em que reside.
Ainda que haja muitas variações sobre a crença na reencarnação, podemos defini-la como a “doutrina segundo a qual a alma do homem passa por diversos corpos até que se liberta de todo vínculo com a matéria”. A reencarnação é uma crença vinda do Oriente, difundida nos ambientes da Nova Era com alguns retoques de ocidentalização que a deixaram famosa, inclusive entre cristãos que se afastaram da própria fé. Esta concepção parte do pressuposto de que as almas, depois da morte, se reencarnam em outro corpo e voltam a esta vida para pagar por atos que fizeram no passado (hinduísmo) ou para aperfeiçoar-se vida após vida (espiritismo).
A versão que mais se difunde no Ocidente, graças à literatura espírita e gnóstica, é muito mais sedutora, porque deixa de lado os aspectos mais duros e negativos (castigos nas vidas posteriores) para se centrar em um âmbito egocêntrico de autorrealização, maturidade espiritual, evolução e acúmulo de experiências. E nas versões mais “psicologistas” (S. Grof, T. Dethlefsen, B. Weiss), todos os males da vida seriam explicados facilmente como consequências de problemas nas vidas passadas.
Não há dúvida de que as doutrinas reencarnacionistas pretendem dar uma resposta a problemas existenciais como a origem do mal, o porquê do sofrimento, a existência de desigualdades, o sentido da justiça muito além da morte etc., mas negam o amor de Deus, a salvação, o perdão divino, e não assumem o livre arbítrio, e sim um destino fatal movido por uma lei implacável, segundo a qual cada um só depende de si mesmo.
Atualmente, há muita confusão e desconhecimento devido à avalanche de livros de autoajuda, filmes, novelas e séries televisivas que difundem doutrinas desse tipo como se fossem evidências científicas. Alguns autores, promotores do espiritismo, da metafísica esotérica e da autoajuda divulgam falsas ideias sobre o tema.
É compreensível que, se a pessoa é budista ou adere às crenças do hinduísmo, por ser coerente com a própria doutrina, acredite na reencarnação – assim como deveria ser óbvio que um cristão acredite na ressurreição e não na reencarnação.
O problema é que muitos cristãos que desconhecem em profundidade sua própria fé assumiram uma série de doutrinas estranhas à sua fé como conciliáveis com ela. Foram influenciados culturalmente pelas crenças espíritas, teosóficas, antroposóficas, esotéricas e gnósticas, especialmente as promovidas pela literatura da Nova Era. A crença na reencarnação, em sua versão ocidental, também é assumida e difundida pelos movimentos contactistas, que pregam o contato extraterrestre.
Esta crença é contrária à doutrina e à tradição cristãs e totalmente incompatível com a fé na Ressurreição, testemunhada na Bíblia, e com a fé em Jesus Cristo como Salvador.
A fé judaico-cristã revela o ser humano como um ser único e exclusivo, testemunha a ressurreição e mostra que as pessoas, quando morrem, vão ao encontro do Senhor; ninguém se reencarna em outro corpo nem fica vagando como um espírito pelo mundo (ou em outros planetas), como acreditam os espíritas.
Para a fé cristã, o ser humano tem uma identidade única em corpo e alma, e não há carma, já que existe o perdão de um Deus que salva. O próprio Jesus diz ao ladrão na cruz: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 29) – aqui encontramos um ladrão sem carmas e reencarnações que chega ao céu definitivo.
Acreditar no amor infinito de um Deus que salva e perdoa não admite a solidão de estar nas mãos de uma lei fria e universal de causa e efeito. Além disso, para uma antropologia cristã, a reencarnação banaliza a morte, o corpo e a própria identidade, tornando-as meras realidades acidentais.
Mas a Bíblia é clara para aqueles que acreditam na revelação judaico-cristã:
“Muitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão, uns para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna. Os que tiverem sido inteligentes fulgirão como o brilho do firmamento, e os que tiverem introduzido muitos nos caminhos da justiça luzirão como as estrelas, com um perpétuo resplendor” (Daniel 12,2-3).
“Estando quase a expirar, falou: ‘Tu, ó malvado, nos tiras da vida presente. Mas o rei do universo nos fará ressurgir para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis!'” (2 Macabeus 7,9)
“De fato, se ele não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria supérfluo e vão orar pelos mortos” (2 Macabeus 12,44).
“As almas dos justos, porém, estão na mão de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos parecem ter morrido; sua saída do mundo foi considerada uma desgraça e sua partida do meio de nós, uma destruição, mas eles estão na paz” (Sabedoria, 3,1-3).
“Está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento” (Hebreus 9, 27).
O próprio São Paulo afirma que, se Cristo ressuscitou, todos nós ressuscitaremos, e a fé cristã está apoiada na ressurreição de Cristo (cf. 1 Cor 15). Ao ler este capítulo da 1ª Carta aos Coríntios, é evidente que a nossa ressurreição é como a de Jesus Cristo, razão pela qual há uma vida nova e definitiva, não um passeio por diversos corpos.
O Catecismo da Igreja Católica ensina:
“Na morte, Deus chama o homem a Si. É por isso que o cristão pode experimentar, em relação à morte, um desejo semelhante ao de S. Paulo: ‘Desejaria partir e estar com Cristo’ (Fl 1, 23). (…)
A morte é o fim da peregrinação terrena do homem, do tempo de graça e misericórdia que Deus lhe oferece para realizar a sua vida terrena segundo o plano divino e para decidir o seu destino último. Quando acabar ‘a nossa vida sobre a terra, que é só uma’, não voltaremos a outras vidas terrenas. ‘Os homens morrem uma só vez (Heb 9, 27). Não existe ‘reencarnação’ depois da morte.” (CIC 1011-1013).
A Igreja sempre acreditou que depois da morte vem o juízo, o encontro com Deus.
“Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia (…).
Crer na ressurreição dos mortos foi, desde o princípio, um elemento essencial da fé cristã. ‘A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: é por crer nela que somos cristãos'” (CIC 989-991).
A Palavra de Deus ensina que esta é a única vida terrena decisiva, e o destino do homem é decidido irreversivelmente nesta existência.
Além disso, a crença na reencarnação também nega a necessidade de salvação, já que cada um salvaria a si mesmo, em um caminho de superação individual de causa-efeito. No entanto, na fé cristã acreditamos que somos salvos gratuitamente por Deus, que Jesus Cristo carregou os nossos pecados, nos dá seu perdão e a vida eterna.
Para a fé cristã, fica excluída toda concepção cíclica do mundo, pois o homem tem uma história única diante de Deus, já que Deus o criou e amou como ser único e singular.
A manifestação gloriosa de Jesus Cristo no final dos tempos é o ponto final da história; para a nossa fé, não existe um ciclo interminável de histórias.
A reencarnação se opõe diretamente às crenças fundamentais e centrais da fé cristã, não é algo secundário. Santo Agostinho, em “Cidade de Deus”, escreve claramente qual é o destino do cristão depois da morte: “Cristo morreu uma só vez pelos nossos pecados; ressuscitado dentre os mortos, já não morre mais e a morte não tem domínio sobre Ele. Também nós, depois da ressurreição, estaremos sempre com o Senhor a quem agora dizemos no salmo: Tu, Senhor, nos guardarás e nos protegerás desde esta geração eternamente”.
A crença na reencarnação não é tão antiga como dizem, nem está na maioria das religiões, nem tem fundamento científico. E não tem nada a ver com a Bíblia.
Existem muitas falsas ideias sobre a possível compatibilidade entre a doutrina cristã e a reencarnação.
Alguns dizem que a Igreja Católica apagou algumas citações da Bíblia que falavam da reencarnação, especialmente no Concílio de Niceia. Isso é falso, porque nunca, na fé judaica e cristã, se acreditou na reencarnação.
Também afirmam que um Padre da Igreja, Orígenes, acreditava na reencarnação. Mas isso tampouco é verdade, porque este grande teólogo cristão acreditava que as almas pré-existiam, mas não que se reencarnavam. E a doutrina da pré-existência das almas também foi condenada.
Os espíritas afirmam que a reencarnação é a crença mais antiga e universal, algo que tampouco é verdadeiro, já que nos textos do hinduísmo ela só é mencionada a partir do século VII a.C., e não nos Vedas, que são mais antigos; a reencarnação tampouco é admitida pelas antigas religiões chinesas (taoísmo e confucionismo), nem pela religião egípcia, ainda que o Livro dos Mortos faça algumas menções à “metempsicose”, mas não é a mesma coisa.
Nem os persas nem os povos africanos aceitaram esta hipótese. Nos gregos antigos, não há ideias de reencarnação; Homero, apesar de transmitir as ideias da sua época sobre a sobrevivência das almas, não tem nenhum texto que aluda a nada que se pareça à reencarnação.
Muitos espíritas utilizam passagens da Bíblia fora de contexto sobre a volta à vida de Elias e de João Batista, atribuindo-lhes a reencarnação, quando na verdade o texto bíblico nunca se refere a ela.
Outros autores chegam a dizer que há evidências científicas da reencarnação por “terapia de vidas passadas”, como a do Dr. Brian Weiss, mas na verdade não só não são científicas, como também, segundo vários especialistas, são uma “coleção de absurdos”, escritos de maneira muito convincente para o grande público. Uma corrente sem base científica muito estendida que faz “regressões a vidas passadas” é a psicologia transpessoal de Stanislav Grof, que empregava LSD e depois a respiração holotrópica em seus pacientes: obviamente, os resultados eram alucinações. O Dr. Kurt Koch, em mais de 103 casos pesquisados durante 15 anos, comprovou os sérios distúrbios e danos psíquicos causados naqueles que se submetem a estas “viagens” a vidas anteriores.
Referências:
CANTONI, Pietro. Cristianismo y Reencarnación. Paulinas, Bogotá, 1997.
KLOPPENBURG, Boaventura. La Reencarnación. Ed. San Pablo, Bogotá, 2000.
VELEZ CORREA, Jaime. La Reencarnación a la luz de la ciencia y de la fe. Celam, Bogotá, 1998.