O “anencéfalo” não é um morto cerebralO aborto (tecnicamente, abortamento) – que de crime abominável vai ganhando macabro status de direto – condena, a cada ano, milhões de inocentes e indefesos à pena de morte cruel e covarde no ventre materno. Entre esses réus está o “anencéfalo”.
Daí a questão: quem é ele? – Do ponto de vista etimológico, é alguém com ausência do encéfalo. Ora, tal definição é falha, pois o encéfalo compreende várias partes, sendo as mais importantes o telencéfalo (cérebro ou hemisférios cerebrais), o diencéfalo (do qual fazem parte o tálamo e o hipotálamo) e o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e medula oblonga). O cérebro é a parte anterior e superior da massa encefálica e ocupa a maior parte da cavidade craniana.
Por isso, o Comitê de Bioética do Governo Italiano disse sobre a anencefalia: “Na realidade, define-se com este termo uma má-formação rara do tubo neural acontecida entre o 16º e o 26º dia de gestação, na qual se verifica ‘ausência completa ou parcial da calota craniana e dos tecidos que a ela se sobrepõem e grau variado de má-formação e destruição dos esboços do cérebro exposto’” (Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi, 21 giugno 1996. p. 9).
Vale a pena detalhar a definição: “má-formação rara do tubo neural”, é, ao que se sabe até o momento, uma deficiência cuja causa permanece desconhecida ou é muito difícil de se estabelecer; é “rara”, tem uma incidência de 4,6 casos em cada 10.000 nascimentos de meninos ou meninas; “tubo neural” é a estrutura embrionária que dará origem ao cérebro e à medula espinhal; “acontecida entre o 16º e o 26º dia de gestação”, ou seja, tem já definida a fase na qual ocorre, embora sem chances atuais de cura. Alguns médicos indicam, como prevenção, à mulher uma dieta rica em ácido fólico (tipo de vitamina B); “ausência completa ou parcial da calota craniana e dos tecidos que a ela se sobrepõem e grau variado de má-formação e destruição dos esboços do cérebro exposto”.
A anencefalia, então, admite graus, de modo que o próprio Comitê de Ética da Itália conclui: “A dificuldade de classificação baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é uma má-formação do tipo tudo ou nada, ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma má-formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves a quadros de indubitável anencefalia. Uma classificação rigorosa é, portanto quase que impossível”. Desse modo, alguns autores propõem o termo “meroanencefalia” para exprimir a ausência parcial do encéfalo. Aqui está um forte nó aos defensores do aborto. Afinal, como delimitar a anencefalia? É a ausência total ou parcial (embora de uma parte considerável) do cérebro? Qual é a máxima parte do cérebro que pode estar presente em um bebê para que ele ainda seja considerado “anencéfalo”? Qual cientista poderia dar uma resposta segura neste momento?
Dadas as dúvidas, tem-se afirmado que o “anencéfalo” possui uma parte do sistema nervoso central que lhe oferece a possibilidade de respirar e manter funcionando o coração, os pulmões, rins e fígado. Chega-se mesmo a admitir a possibilidade de alguma consciência e de sentir dor. Daí, se pode dizer que o “anencéfalo” não é um morto cerebral, mas que nasce, vive (ainda que horas, dias, meses ou até poucos anos) e morre. Eugene F. Diamond, Professor da Pediatrics Loyola University Stritch School of Medicine, afirma que “o anencéfalo não é, de fato, ausente de cérebro, uma vez que a função do tronco cerebral está presente durante o curto período de sobrevida. Muito pouco se conhece sobre a função neurológica no recém-nascido anencéfalo. Um recente estudo em profundidade indica que eles estão funcionalmente mais próximos dos recém-nascidos normais do que de adultos em estado vegetativo crônico” (Management of a pregnancy with an anencephalic baby in Shewmon, D. A., Anencephaly, Selected Medical Aspects, Hastings Center Report 18:11, 1988).
É de se lembrar que a Associação Médica Americana – corrigindo disposição anterior – considera o “anencéfalo” um ser humano vivo, até que seja constatada a sua morte pelos critérios normais aplicáveis aos demais seres humanos de sua faixa etária.