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Ser médico católico hoje exige heroísmo

BERNARD ARS
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Jesús Colina - publicado em 27/11/18
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Listas de espera, especulação financeira, depressão, pressão para promover a eutanásia, gravidez de aluguel… Os desafios que os médicos enfrentam hoje em dia são numerosos e, para alguns, inéditos. Entrevista com o Dr. Bernard Ars, novo presidente da Federação Internacional das Associações dos Médicos CatólicosÀ frente da Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos (FIAMC) há alguns meses, o Dr. Bernard Ars, professor universitário (PhD) e especialista em otorrinolaringologia e cirurgia cérvico-facial, definiu três prioridades: “estimular a compaixão particular que nós, médicos católicos, devemos desenvolver diante da precariedade vital e social, espalhando a antropologia e a moral cristã, assim como o justo diálogo entre Fé, Razão e Ciência, permanecendo fiéis à Igreja e a seu Magistério, e aumentar nossa vida interior”.

A FIAMC é composto por 80 associações que representam cerca de 120.000 membros de todo o mundo. Tem uma missão dupla: por um lado, fortalecer os médicos que se comprometem com a federação por sua fé em Jesus Cristo, para ajudá-los a aplicar a mensagem do Evangelho em sua prática diária. Por outro lado, informar a Santa Sé das realidades e evoluções da medicina em relação à clínica e à pesquisa.

– Aleteia: Os médicos católicos estão cada vez mais em situações onde eles devem reivindicar o direito à objeção de consciência, porque os sistemas de cuidados de saúde os obrigam a práticas contrárias à dignidade humana: manipulação genética, eutanásia, aborto… O que você recomenda a esses médicos?

Dr. Bernard Ars: Por um lado, eu os aconselho a estarem sempre cientes de que a cláusula de consciência está incluída em todos os seus contratos com uma instituição ou um colaborador, bem como na legislação de seus países e, por outro lado, formar adequadamente sua própria consciência moral ao longo de sua vida estudando a antropologia cristã e estimulando momentos de revitalização da vida interior.

– O que diz a cláusula de consciência?

O dever da objeção de consciência manifesta a grandeza da dignidade humana. Uma pessoa nunca pode ser forçada a cometer um mal moral. Ela não pode consciente e deliberadamente aderir a uma ação que destrói sua própria dignidade. A liberdade do ser humano é um reflexo da imagem e semelhança que Deus imprimiu de Si mesmo no coração dessa pessoa. Essa pessoa não pode usar sua liberdade para apagar o reflexo da presença de Deus nela.

É por isso que deve resistir às leis humanas injustas. Este foi o caso em certos momentos da história com a discriminação racial e o apartheid, é o caso hoje com o aborto, a eutanásia e outros atos inconciliáveis com a dignidade da pessoa. Se um médico católico se opõe a certas práticas, não é porque seja católico em primeiro lugar, mas porque é uma pessoa, um ser que ouve a voz de sua consciência, iluminada e confirmada pela doutrina da Igreja.

Todos conhecemos a anedota do cardeal Newman, a quem perguntaram se brindaria antes pela consciência ou pelo Papa. Quando ele respondeu que iria levantar a taça primeiro pela consciência e, em seguida, pelo Papa, não tinha a intenção de se opor ao cristão, contra a Igreja, mas honrar a voz única da verdade cujo eco soa primeiro na consciência do cristão, com a confirmação, se fosse necessário, do juízo da Igreja.

– O Papa e a Santa Sé recorrem a sua associação para aprender sobre problemas de bioética. Como o relacionamento com o Vaticano é articulado?

Nossas trocas de informações não dizem respeito apenas a problemas de bioética. A medicina está envolvida em muitas áreas do ser humano: pesquisa científica, cultura, família… Os problemas de bioética são essencialmente da responsabilidade da Academia Pontifícia para a Vida, que depende do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Quanto à FIAMC, depende do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral.

– Quais são as questões éticas que hoje são colocadas aos médicos católicos?

Os problemas éticos encontrados pelos médicos católicos variam em intensidade, de acordo com a prática e as regiões do mundo. Por exemplo, os clínicos gerais enfrentam dificuldades éticas e deontológicas no relacionamento pessoa a pessoa. Especialistas médicos enfrentam dificuldades éticas referentes à dominação da tecnociência, à indústria, especialmente a farmacêutica, bem como o consumismo sanitário.

Por último, os pesquisadores médicos enfrentam dificuldades éticas relacionadas aos objetivos e estratégias de trabalho, bem como os laços de financiamento. Muitas vezes, nos últimos anos, a bioética tem sido interpretada e instrumentalizada ideologicamente de maneira inconsistente com seus objetivos iniciais, que eram a defesa da vida e do ser humano, e também a visão cristã da pessoa. Para devolver seu profundo sentido à bioética, é importante formar consciências morais baseadas em uma antropologia cristã atualizada, orientada para o bem comum.

– A medicina contemporânea, baseada no hospital e no big data, corre o risco de perder a relação médico-paciente. Como seria possível recuperar o papel do médico em nossa sociedade?

Além do verdadeiro problema ético do big data, a coleta automatizada de dados do paciente permite um diagnóstico rápido e uma terapia precisa. Embora seja, sem dúvida, um progresso no tratamento de doenças, a tecnicidade da medicina científica tende a reduzir o contato entre médico e paciente a um inventário do desempenho objetivo de funções biológicas essenciais.

No entanto, o paciente espera algo mais do médico. Embora certamente não é indiferente à dor e ao sofrimento de seu corpo e à ameaça que uma doença representa para seu futuro e de seu ambiente, o paciente também espera do médico que lhe ensine a viver com a doença.

– Mas, como você ajuda os doentes a desenvolver sua resiliência?

No paciente, a resiliência é um processo dinâmico e interativo entre você mesmo, sua família e seu meio ambiente e que lhe permite desenvolver uma trajetória nova e bem-sucedida, mudando a representação da realidade que lhe causa mal. Para isso, nós médicos devemos mostrar empatia, apoio, e saber escutar. Ouvir significa dar todo o valor que a palavra do outro merece. Através da escuta aprendemos do paciente o que ele está sentindo, assim como os meios para lidar com isso.

Para que a escuta seja frutífera e benéfica para o paciente, é conveniente respeitar seu ritmo. Não tente forçar as confidências e também devemos discernir o momento favorável para terminar a conversa. A resiliência é um processo de longo prazo. Somente deixando que o tempo faça seu trabalho pode nascer um “novo” modo de vida a partir da doença. Você tem que dar tempo ao tempo. Para que esse momento difícil seja suportável, precisamos saber como vivenciá-lo dia a dia.

– Então, como é dito no Evangelho de Mateus, “basta a cada dia o seu próprio mal”?

Todos os dias há muitas dificuldades, mas cada um tem a coragem de enfrentá-las. Devemos ajudar o paciente a receber os recursos que cada dia oferece e saber como deixar para trás, com confiança, o dia que termina. Mesmo nas piores condições, o ser humano tem a capacidade de se afastar das más circunstâncias usando o humor. Vamos ser receptivos e interativos! “Os homens são fortes enquanto representam uma ideia forte”, disse Freud.

É em torno dessa ideia forte, desse sentido que dá coerência à sua vida, que o ser humano pode ser construído e reconstruído. “Você tem que encontrar o sentido, porque é um objeto de busca, mas em nenhum caso deve ser dado. Cabe ao paciente encontrá-lo por si mesmo”, disse o professor de neurologia e psiquiatria Viktor Frankl. Além disso, o médico católico, além de sua competência científica e empatia humana, é também uma alma que vê Cristo sofrendo em sua doença e reza pelo homem ou mulher que sofre.

– Muitos médicos católicos exercem sua profissão em circunstâncias de extrema pobreza. Existe uma mensagem que você gostaria de passar para esses médicos?

Aos meus queridos colegas, sem dúvida, faltam ferramentas básicas de diagnóstico e terapias atualizadas para cuidar de seus pacientes e salvar vidas humanas. Eu diria a eles que não hesitem em alertar, por todos os meios a sua disposição, as organizações internacionais e seus círculos mais próximos para atenuar a gravidade de sua situação. Não obstante, saibam que são os melhores de nós, sua empatia é mais desenvolvida, e vocês compreendem melhor do que ninguém a angústia dos doentes.

Saibam também que muitos de nós oramos por vocês. E quando nós, médicos, não temos nada mais eficaz a propor que enfrentar a doença e o sofrimento, sempre temos nosso acompanhamento, nossa escuta e nosso tempo para oferecer. Trazemos sempre a esperança. Podemos sempre oferecer, por último e não menos importante, a ajuda poderosa da oração.

– Você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória? Por que decidiu se dedicar à medicina? E como médico cristão?

Eu escolhi a medicina com 17 anos porque era uma profissão de relacionamento humano – de dar e receber – e porque eu sentia que poderia ser feliz praticando-a. Escolhi a otorrinolaringologia porque essa especialidade me dava, em proporções iguais, as alegrias das consultas clínicas, da cirurgia e dos trabalhos funcionais.

Quanto à vocação de médico cristão, não a escolhi na realidade. Ela veio devagar e suavemente. Eu sempre fui crente e praticante. No entanto, diante dos problemas e sofrimentos da vida, a prática cristã e também a minha vida de oração com Jesus me pareciam a única e verdadeira forma de vida.

– Gostaria de dar alguns conselhos aos jovens cristãos que querem se tornar médicos?

Comprometa-se onde quer que seu coração te chame! E quando assumir o compromisso, pratique sem cessar, no nível científico e técnico e de forma contínua. É uma questão de profissionalismo! Mas faça isso também no nível cultural, artístico, filosófico e mesmo teológico, a fim de ter a maior abertura humanística possível na escuta de nossos pacientes.

Com efeito, o paciente que vem nos consultar vem falar de si e espera que o médico ouça e responda. Ele está passando mal. Pode se sentir excluído. A resposta ao paciente se faz de maneira aberta sobre a doença. Isso leva o paciente a refletir sobre si mesmo e a doença que o aflige. A doença arredia e, mais ainda, a morte, podem aparecer como um limite para a eficácia médica. A tendência natural seria escapar dessa doença ou morte, mas o importante é estar disponível para que o paciente não se sinta sozinho diante dessa experiência.

O médico não é dono da vida ou da morte do paciente que lhe foi confiado. Ele não tem seu paciente, mas ele está a serviço da vida da pessoa que sofre. O médico católico vive de Cristo. Tem uma unidade vital, uma coerência em todos os aspectos da sua vida, que implica não só uma competência profissional e responsável, científica e técnica, em colaboração com as outras disciplinas sanitárias mas, acima de tudo, uma vida interior forte e cotidiana, bem como um conhecimento profundo da visão cristã do ser humano.

Em suma, uma antropologia cristã atualizada, expressada tanto na pesquisa quanto na clínica, em uma palavra, na cultura. A medicina não é uma ciência, é uma arte. É a profissão mais bonita do mundo!

 

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