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O problema do alto índice de cesarianas no mundo

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Paul De Maeyer - publicado em 28/11/18
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Desde 2000, o número de cesarianas dobrou globalmente, revela um estudo publicado pela revista The LancetDe 2000 a 2015, o número de cesarianas, comumente conhecidas como cesárea, praticamente dobrou no mundo – segundo um dossiê publicado na revista médica The Lancet, sob o título Global epidemiology of use of and disparities in Caesarean sections (Epidemiologia e disparidades na utilização das cirurgias cesarianas no mundo) no XXII Congresso Mundial da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), realizado no Rio de Janeiro de 14 a 19 de outubro de 2018.

De acordo com a pesquisa, baseada em dados de 169 países e cobrindo 98,4% de todos os nascimentos no mundo, cerca de 29,7 milhões de crianças em 2015 (ou 21,1% dos 140,6 milhões de nascidos vivos) nasceram por cesariana. Isso é quase o dobro do número de 2000, quando havia cerca de 16 milhões (12,1% dos 131,9 milhões de nascidos vivos).

Principais estatísticas


O estudo, coordenado pela ginecologista belga Marleen Temmerman, da Universidade de Ghent (UGent), na Bélgica, e em afiliação com a Universidade Aga Khan, no Quênia, mostra que o uso da cesárea para o nascimento das crianças foi até 10 vezes mais frequentes nos países da América Latina e do Caribe, onde foi utilizado em quase metade dos nascimentos (44,3%), em comparação com a África central e ocidental, onde a cesariana foi usada apenas em 4,1%. No Sudão do Sul, a cesariana é usada em apenas 0,6% de todos os nascimentos, enquanto na República Dominicana a porcentagem salta para 58,1%, a taxa mais alta no geral.

Existem 15 países onde os nascimentos por cesariana excedem 40% do total; entre eles, Brasil e Egito (ambos com 55,5%), Turquia (53,1%), Irã (45,6%) e Cuba (40,4%). A pontuação abaixo de 40% – mas ainda bem acima do que é considerado a taxa “ideal” ou “ótima” de 10 a 15% – é a América do Norte (32%) e a Europa Ocidental (26,9%). Em 2000, a taxa foi de 24,3% nos EUA e 19,6% na Europa.

Embora no período de 2000 a 2015 tenha ocorrido um aumento no uso de cesarianas em todas as regiões do mundo, ele teve o maior crescimento nas regiões da Europa Oriental e Ásia Central (com uma taxa de variação anual média de 5,5%) e Sul da Ásia (6,1%).

Por outro lado, o aumento mais lento ocorreu nas regiões da África Central e Ocidental (uma taxa de variação média anual de 2,1%) e na África Austral e Oriental (2,0%). Em ambos os casos, de acordo com o relatório, essas são regiões onde, em 2015, o uso da cesariana ainda era inferior a 10%.

Segundo os autores do relatório, dois fatores contribuíram para o aumento generalizado do número de cesarianas. Por um lado, houve um aumento na porcentagem de nascimentos ocorridos nas unidades de saúde, o que, por si só, representou 66,5% (dois terços) do aumento, uma vez que as cesarianas geralmente são realizadas em ambientes clínicos; por outro lado, as instalações em questão também passaram a realizar as cesarianas com maior frequência (33,5%).

Causas ou formas de disparidade


De acordo com o dossiê, a proporção de nascimentos por cesariana era “significativamente” maior em países com níveis mais altos de desenvolvimento socioeconômico, de mulheres com ensino médio e de urbanização, com consequente maior densidade de médicos e menor fertilidade.

Quanto à relação entre realizar cesárea e acesso ao ensino superior, dados do Brasil, por exemplo, mostram que menos de um quinto (19,4%) das mulheres com menos escolaridade (ou seja, com menos de oito anos de estudo) recorreram à cesárea, comparado a mais da metade das mulheres com alto nível de escolaridade (54,4%).

Também se assinala outra forma de disparidade dentro de uma única nação ou região. Por exemplo, na Etiópia, a frequência de cesarianas é de apenas 2% no nível nacional; esse número, no entanto, sobe para 21,4% na capital, Adis Abeba, revela o dossiê. Entre as várias províncias da China, a taxa de natalidade por cesariana varia entre 4% e 62%, enquanto entre os vários estados da Índia a taxa varia entre 7% e 49%.

Outra forma de disparidade é encontrada entre os serviços de saúde privados e públicos. O uso da cesariana é 1,6 vezes maior em clínicas privadas (18,3%) do que nas clínicas públicas (11%), segundo dados de 69 dos 82 países de baixa e média renda incluídos no dossiê. Em 12 países, o uso da cesariana em instituições privadas ultrapassou a metade dos nascimentos, continua o estudo; no entanto, observa que a grande maioria das cesarianas realizadas nos 69 países em questão ocorre em estabelecimentos públicos: em média, 81%.

Fonte de preocupação


A principal pesquisadora do dossiê, Marleen Temmerman, não escondeu um certo nível de preocupação. “A gravidez e o parto são processos normais, que ocorrem com segurança na maioria dos casos”, disse a ginecologista, citada pela ScienceAlert, e que expressou preocupação com o aumento das cesarianas “por razões não médicas”, pois envolvem riscos para ambos, a mulher grávida e a criança não nascida.

“Cesariana é um tipo de grande cirurgia”, disse Jane Sandall. Os riscos associados à cesárea “exigem uma consideração cuidadosa”, continuou a especialista em saúde materna do King’s College de Londres.

“Cesariana só deve ser usada quando medicamente necessária”, ela advertiu. Embora a cesariana permaneça uma ferramenta para salvacar vidas quando ocorrem complicações durante o parto, como hemorragias ou estresse fetal, não é isenta de riscos, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS), que por essa razão publicou um conjunto de diretrizes para acompanhar o dossiê.

“Em comparação com as mulheres que têm um parto vaginal, as que têm uma cesariana pela primeira vez têm um risco 3,1 vezes maior de transfusão de sangue, um risco 5,7 vezes maior de histerectomia não planejada e um risco seis vezes maior de serem admitidas em terapia intensiva”, alerta o The Guardian (4 de outubro de 2017).

A placenta acreta, uma condição que pode causar hemorragia para a mulher após o parto, é agora cerca de 600 vezes mais disseminada do que na década de 1950, um aumento que os cientistas relacionam ao crescimento do número de cesarianas. Por exemplo, pacientes com acretismo placentário constituem 38% das histerectomias relacionadas a cesarianas, e até 7% das mulheres afetadas pela doença morrem, lembra o The Guardian.

Como a maioria das mulheres que prefere a cesariana a consideram uma prática mais segura para si e para o feto, os jovens médicos tornaram-se especialistas em cesarianas, mas ao mesmo tempo estão perdendo as habilidades necessárias para auxiliar com segurança os partos vaginais, observa o dossiê na seção final.

Se em muitas partes do mundo há um uso excessivo de cesarianas, em algumas outras regiões esse tipo de intervenção permanece praticamente indisponível, uma situação que afeta principalmente a África Subsaariana e as mulheres mais pobres.

“Em vários países, a proporção de nascimentos por cesarianas em mulheres pobres e vulneráveis ​​é próxima de 0%, o que implica que algumas mulheres morrem porque não podem ter acesso a cirurgias que salvam vidas durante o parto”, enfatiza o relatório.

“Nos casos em que as complicações ocorrem, as cesarianas salvam vidas, e precisamos aumentar a acessibilidade nas regiões mais pobres, tornando as cesarianas universalmente disponíveis”, concluiu Marleen Temmerman, “mas não devemos abusar delas”.

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