Para quem deseja ter um relacionamento feliz“Segundo a mitologia grega, Tântalo, filho de Zeus e de Plutó, tinha excelentes relações com os deuses, que frequentemente o convidavam a beber e comer em companhia deles nas festas do Olimpo. Sua vida transcorria, pelos padrões normais, sem problemas, alegre e feliz — até que ele cometeu um crime que os deuses não quiseram (não poderiam?) perdoar.
Quanto à natureza do crime, os vários narradores da história discordam. Alguns dizem que ele abusou da confiança divina e revelou aos outros homens mistérios que deviam permanecer ocultos dos mortais. Outros dizem que ele foi arrogante a ponto de se acreditar mais sábio do que os deuses, tendo decidido testar os divinos poderes de observação. Outros narradores ainda acusam Tântalo de roubo de néctar e ambrósia que nunca deveriam ser provados pelos mortais.
Os atos imputados a Tântalo são, como vemos, diferentes, mas a razão por que foram considerados criminosos é a mesma nos três casos: Tântalo foi culpado de adquirir e compartilhar um conhecimento a que nem ele nem os mortais como ele deveriam ter acesso. Ou, melhor ainda: Tântalo não se contentou em partilhar a dádiva divina — por presunção e arrogância desejou fazer por si mesmo o que só poderia ser desfrutado como dádiva.
A punição foi imediata; foi também tão cruel que só poderia ter sido inventada por deuses ofendidos e vingativos. Dada a natureza do crime de Tântalo, foi uma lição. Tântalo foi mergulhado até o pescoço num regato — mas quando abaixava a cabeça tentando saciar a sede, a água desaparecia. Sobre sua cabeça estava pendurado um belo ramo de frutas — mas quando ele estendia a mão tentando saciar a fome, um repentino golpe de vento carregava o alimento para longe. (Daí que, quando as coisas desaparecem no momento em que nos parecia que as tínhamos, afinal, ao alcance, nos lamentamos por termos sido “tantalizados” por sua “tantalizante” proximidade.)”
[BAUMAN, Z. A agonia de Tântalo. In: BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001]
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O mito de Tântalo nos faz refletir sobre aquelas situações em que tudo parece ter dado certo, em que tudo estava encaminhado para um final feliz, mas, por razões que nós mesmos desconhecemos, tudo acaba muito mal, na verdade.
Em relacionamentos – este assunto que motiva e machuca a humanidade, exatamente porque, por meio dele, chegaremos ao que temos de mais divino: a co-criação – as coisas parecem mais graves. Quem nunca achou que tinha tudo para dar certo com um cara ou uma garota, que ele(a) parecia interessado(a), vocês se davam bem, saíam juntos, tinham valores afins, todavia, sem motivo aparente, ele(a) se distanciou e apareceu depois de um tempo com outra pessoa?
Ou quando você estava conhecendo uma pessoa, estavam se gostando, mas a coisa simplesmente não evoluiu para além da amizade? Ou ainda quando o relacionamento sério realmente começou, as famílias se conheceram, porém não demorou muito tempo para os desentendimentos começarem e as afinidades desaparecerem?
Em todas estas situações nos lembramos de Tântalo, tanto por perdermos algo que tínhamos tão perto de nós – a felicidade – quanto pelo orgulho do protagonista da história, de querer ser autor do que deveria ser personagem. “Tântalo não se contentou em partilhar a dádiva divina — por presunção e arrogância desejou fazer por si mesmo o que só poderia ser desfrutado como dádiva.”
Muitas vezes deveríamos enxergar os acontecimentos de nossa vida como dádiva: coisas boas como presentes, coisas ruins como aprendizados. Nossa postura, todavia, é como a de Tântalo: queremos ter como propriedade aquilo que não pertence a ninguém: o amor, a outra pessoa, os fatos.
A querida Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo dizia inspirada em São Francisco de Assis que “amar não é possuir”. A pessoa com quem que nos relacionamos, seus sentimentos, sua história de vida, o desenrolar dos fatos não nos pertencem. Não somos donos de nada nem de ninguém. A qualquer momento iremos partir ou um dos nossos partirá. Se realmente amamos uma pessoa, iremos querer que o melhor para ela aconteça e só Deus sabe o que pode ser esse “melhor”. Nem sempre o melhor é estar conosco.
Podemos questionar por que, então, alguém passou tão rápido por nossas vidas se apenas deixou sofrimentos. Na verdade, esta questão deveria ser olhada por outros ângulos: primeiro, para tudo Deus tem um propósito (e não sabemos o que Ele queria quando permitiu que a vida de duas pessoas cruzassem); segundo, somos dotados de livre-arbítrio e nisso Deus não interfere. Somos responsáveis por nossas ações e escolhas. Podemos escolher permanecer com uma pessoa ou deixá-la ir. De qualquer maneira, Deus irá cuidar para que nossas decisões sejam respeitadas ao mesmo tempo em que algo de bom seja tirado dessa história. O que não podemos fazer é cometer o erro de Tântalo, de querer que tudo aconteça de acordo com nossa vontade, de acharmos, em nossa arrogância, que somente nós sabemos o que é o melhor para nós e para os outros.
Outro ponto importante a se mencionar são os mecanismos de proteção que temos em um relacionamento. Alguns não se entregam totalmente, sempre têm um plano B, uma outra garota ou cara legal, um outro contatinho – tudo por puro medo de ser abandonado novamente. Outros já vão para um relacionamento com coração de pedra, com medo de se apaixonar e sofrer depois. Há ainda os que se entregam demais, sofrem, choram e vão até o fundo do poço.
É importante ter equilíbrio, não se entregar de mais nem de menos, não tratar o outro como se vocês se conhecessem há décadas, mas também não se fechar como se houvesse uma corrente com cadeado no lugar do seu coração. O tempo, a paciência e a dedicação são importantes ingredientes – atualmente esquecidos – para uma amizade se transformar em namoro e o namoro fluir para um casamento. E, claro, reze sempre pela pessoa com quem você está se relacionando e peça para a vontade de Deus acontecer em relação a vocês – isto é o principal!
[quando a vontade é tirar o coração e colocar uma máquina no lugar para ver se dói menos]
Em termos práticos, o que fazer para sermos mais desapegados em relação aos outros? O que fazer para deixar as coisas fluírem e não sofrermos com os relacionamentos tantalizantes? As mortificações podem ser um ótimo caminho para adquirir autodomínio e desapego (leia mais aqui, aqui e aqui).
Podemos também buscar amizades e divertimentos sadios que nos ajudem a tirar o foco único desta questão: sair com os amigos, fazer aula de dança, de culinária, de artesanato, praticar algum esporte, aprender algum instrumento, fazer trabalhos voluntários, enfim, fazer muitas coisas além do tradicional “trabalho e estudo” e que façam você parar de pensar apenas em namorar alguém (leia mais aqui).
Por fim, deixe as coisas fluírem. É difícil pensar dessa maneira, principalmente depois de tantos machucados ou quando parece que somos nós o problema (porque o namoro de todo mundo vai bem, menos você, que nem namorado tem). Porém, se você é legal e gentil com todos, tenta crescer em virtudes e santidade e busca equilíbrio em suas ações, não há motivos para se sentir insegura(o). A vida segue e um dia alguém que você dará certo chegará para você. Não conhecemos os planos de Deus, mas eles com certeza são os melhores!
(via Modéstia e pudor)