Talvez o uso mais familiar e confuso da palavra “perfeito” na linguagem cristã tenha saído da boca do próprio Jesus Às vezes, como Iñigo Montoya observou certa vez, uma palavra não significa exatamente o que pensamos, e isso pode causar todos os tipos de problema.
Tome a palavra “perfeito”. Muitas vezes pensamos na palavra “perfeito” como um adjetivo, uma qualidade aplicada a pessoas. Um significado possível e atribuído a alguém seria: “sem defeito moral, sempre fazendo tudo certo”.
Assim, quando ouvimos essa palavra usada no contexto da fé cristã, ela pode nos deixar desconfortáveis. “Devemos lutar pela contrição perfeita.” “A Igreja é uma sociedade perfeita.” “Seja perfeito, pois seu Pai Celestial é perfeito.”
No entanto, tudo isso decorre de um mal-entendido. O termo “perfeito” não significa “sem falha moral”. A palavra vem do latim perfectus e significa, literalmente, “completo” ou “terminado”. Em outras palavras, algo perfeito é algo completo, tudo o que deveria ser. Pensando assim, podemos ver como a perfeição não está tão distante.
Considere a ideia de “contrição perfeita”. O Catecismo da Igreja Católica (CIC 1452) nos diz que, quando nossa tristeza por nossos pecados é perfeita, nossos pecados são perdoados antes mesmo de recebermos a confissão sacramental. (Embora parte dessa contrição perfeita envolva uma “resolução firme” para confessar o mais rápido possível.)
Podemos ler isso e pensar: “Mas, se nenhum ser humano, é perfeito nada do que fazemos pode ser perfeito. Deus não é perfeito? Como podemos alcançar um nível de contrição ‘perfeito’? ”
Não é que pessoas perfeitas tenham contrição perfeita; pelo contrário: a contrição perfeita aperfeiçoa as pessoas.
Vamos entender melhor isso se usarmos a palavra “completo”. Quando nossa contrição está completa, como diz o Catecismo, quando surge de um amor pelo qual Deus é amado acima de tudo (CIC 1452), então nossa contrição é perfeita. Não é que pessoas perfeitas tenham contrição perfeita; antes, a contrição perfeita aperfeiçoa as pessoas.
Outro lugar em que encontramos a palavra “perfeito” usada na linguagem cristã está na frase “A Igreja é uma sociedade perfeita”. Posso até imaginar os gritos de descrença que seguem essa frase. “Sério? Eu conheci muitos cristãos, e eles estão longe de serem perfeitos.”
Mas, novamente, este é um mal-entendido do termo.
O Papa Leão XIII usou essa frase em sua encíclica Immortale Dei, na qual discutiu a relação entre Igreja e Estado. Ele não estava afirmando que os membros da Igreja eram todos sem falhas (ou nenhum deles, exceto Maria!). Antes, ele quis dizer que a Igreja é uma sociedade completa – que a Igreja possui tudo o que uma “sociedade” possui. Essa foi uma parte essencial do argumento do Papa Leão de que a Igreja não é apenas uma parte subordinada ao Estado, mas algo que existe verdadeiramente à parte e antes dele.
Talvez o uso mais familiar e mais confuso da palavra perfeita no cristianismo venha da boca de Jesus. Em Mateus 5,48, Ele diz: “sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.”
Poucas passagens das Escrituras provocaram tal consternação nos cristãos. Jesus realmente espera que sejamos perfeitos? Milhares de anos de falha humana não provaram que isso é impossível? Não foi por isso que Deus se tornou homem em primeiro lugar?
Uma olhada no texto grego nos ajudará. A palavra grega aqui é teleioi, derivada de telos, que significa “fim, propósito ou objetivo”. Jesus está dizendo: “Chegue ao seu fim, ao seu propósito. Seja o que você foi feito para ser: um filho de Deus.”
Como Jesus nos lembra: “Com Deus, tudo é possível” (Mateus 19,26). Deus nos dá Sua graça, pela qual somos elevados além de nossa natureza destruída e recebemos uma parte de Sua própria vida. Pela graça, nos tornamos o que fomos feitos para ser: participantes da natureza divina. (2 Pedro 1, 4)
Vemos, então, que não precisamos nos aperfeiçoar. Pelo contrário, é Deus quem nos aperfeiçoa.
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