O Dilema das Redes mostra como as Facebook, Twitter etc. tiveram papel definitivo na polarização política e na disseminação de fake news Documentário mais comentado da pandemia, O Dilema das Redes, do diretor Jeff Orlowski, traça um panorama amplo, aprofundado e assustador do uso que fazemos de Facebook, Instagram, Twitter, Linkedin, Pinterest etc. Disponível no Netflix, o longa foi inspirado no livro Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais (2018), de Jaron Lanier. As justificativas são realmente convincentes.
Como aponta o filme, só existem duas indústrias que se referem a seus clientes como usuários: o tráfico de drogas e as empresas de tecnologia. O Dilema das Redes faz o caminho desde o princípio, mostra como o Facebook partiu de uma lógica de valor de marca e com o tempo entendeu que poderia lucrar em cima de anúncios.
Logo percebeu que seu maior bem, ou seu maior asset, para usar um jargão do meio, eram os dados que são coletados com a experiência do usuário, os algoritmos. Como diz a expressão, que é citada no filme: “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto”. Existe uma área do conhecimento, chamada Big Data, que se debruça no estudo das relações entre essas informações que passaram a valer dinheiro alto nas mãos de grandes empresas.
Esses dados foram inicialmente usados para engajar o usuário e torná-lo mais e mais viciado no uso das redes, problema que traz consequências cada vez mais graves, como jovens (e adultos) com problemas de ansiedade, atenção, concentração e depressão, que podem levar ao suicídio e atrapalham, inclusive, os relacionamentos interpessoais.
Como explica um dos executivos que falam no filme, todos egressos de grandes empresas de tecnologia como Facebook, Google e Twitter, uma linha do tempo é desenhada de acordo com o princípio do reforço intermitente. De acordo com a teoria psicológica do behaviorismo, esse é o nome de quando um comportamento é reforçado sem frequência ou periodicidade fixas, o que deixa o cérebro dependente daquela dose moderada de dopamina que é descarregada quando aparece algo interessante. O que explica como ficamos vasculhando as redes sociais com o scroll compulsivamente até finalmente encontrarmos algo que prenda nossa atenção. Reações como o likes também reforçam esse comportamento.
Com o aperfeiçoamento da análise dos algoritmos conseguiu-se não só interferir no tempo que o usuário passa diante da tela, como no seu comportamento de compra. Esses dados podem ser tão precisos a ponto de dizer mais sobre um usuário do que muitas vezes ele tem consciência de si mesmo. E como toda ferramenta poderosa, pode ser um perigo quando cai nas mãos erradas.
Como vem ocorrendo notoriamente na política, em que os chamados bots (robôs) disparam conteúdos passando-se por humanos, as redes sociais tornaram-se ferramenta para a disseminação de fake news, perseguição de oponentes ideológicos etc. Ou seja, qualquer político pode implantar conteúdo de potencial viral e muitas vezes prejudicial sem precisar se expor.
Além disso, as redes sociais são projetadas de uma maneira que gera a polarização. Por meio dos algoritmos (sempre eles), identifica-se a afinidade entre os usuários e regula-se para que eles só interajam entre si. Isso dá uma sensação de pertencimento e, ao mesmo tempo, de que um determinado grupo está do lado da verdade. Assim formaram-se as “bolhas”.
O que leva a humanidade a um impasse inédito, uma vez que nunca antes houve noções tão distintas de realidade ao mesmo tempo. Ao não regular informações falsas que dizem que a Terra é plana, por exemplo, as redes sociais criaram grupos que já não possuem os mesmos alicerces de realidade, não têm mais as premissas básicas de mundo que permitem um diálogo amplo ou universal.
O documentário deixa uma perspectiva desanimadora: Se as nossas relações continuarem nesse passo, como a humanidade resistirá enquanto esses problemas não forem contidos?