A história está cheia de exemplos que mostram as mulheres como grandes artífices da paz em países em guerraEm tempos de politicamente correto, um homem escrever sobre o Dia da Mulher (8 de março) é particularmente difícil. “Tudo que ele disser poderá ser usado contra ele” – e provavelmente será realmente usado por alguém. Apesar disso, dois fatos me levaram a esse artigo, pois creio que existem coisas interessantes para comentar.
O primeiro é uma passagem, bem conhecida, da Evangelii Gaudium (EG), na qual o Papa Francisco diz: “A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade […] ‘o gênio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho’ [Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 295] e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais” (EG 103).
O leitor mais malicioso pode imputar ao Papa, nessa passagem, um machismo disfarçado. A “genialidade feminina” seria ficar em casa, cuidando dos filhos, e ocupar uma posição subalterna no restante da vida social. Para quem acompanha o Pontífice e todo o magistério recente da Igreja, essa leitura é obviamente falsa, mas resta uma questão: como esse “gênio feminino” se exprimiria nas mais diferentes situações da vida social, sem cair em estereótipos indesejados?
E aqui temos o segundo fato. Ficou bem documentado, nos primeiros meses da pandemia da Covid-19, que os países que tinham governantes mulheres foram mais rápidos e efetivos no enfrentamento da crise sanitária. Isso foi comentado em numerosos jornais e revistas ao redor do mundo. Para os céticos, que imaginam que se trata de propaganda feminista, baseando-se em vantagens sociais e econômicas desses países, existe um estudo acadêmico, com abordagem estatística rigorosa, comparando países governados por mulheres com outros muito similares. O resultado é esse mesmo: nos países onde as governantes eram mulheres, as medidas que hoje são consideradas consensuais em todo o mundo (como a adoção do isolamento social), foram adotadas primeiro por elas e seus países têm muito menos mortes do que os equivalentes governados por homens.
Temos aqui, portanto, um exemplo claro da presença desse “gênio feminino” em ato. Sem pretender resumir esses trabalhos, podemos usar a oportunidade para entender melhor a passagem da Evangelii Gaudium citada acima.
As razões do sucesso
Uma análise da atuação das governantes mulheres, comparadas a seus contrapartes homens, mostrou que elas tomaram rapidamente uma decisão em defesa da vida, preocupadas com o sofrimento que a morte significaria para as pessoas. Os homens adiaram o máximo que puderam as decisões que poderiam impactar negativamente a economia, usando como justificativa o sofrimento que as dificuldades econômicas trariam.
Os pesquisadores analisam essas duas respostas em termos, principalmente, de empatia e atenção à pessoa concreta, do lado feminino, versus êxito e insistência em metas individuais, do lado masculino. As mulheres olharam mais o sofrimento de cada família que perdesse um ente querido. Os homens, o sucesso econômico de seus governos e as opções eleitorais das famílias em dificuldade financeira.
Alguns levantaram a hipótese de uma “aversão feminina ao risco” (nome pomposo para dizer que as mulheres eram medrosas). Contudo, o risco político de perder popularidade em função da crise econômica era altíssimo naqueles primeiros tempos da pandemia, quando ainda não estava totalmente claro o alcance que alcançaria, nem a necessidade de isolamento social que acabou imperando como única alternativa viável para minimizar o caos, mesmo que contra a vontade dos governantes. Portanto, as mulheres que fizeram essas opções não agiram acovardadas. Pelo contrário, foram mais corajosas do que os governantes homens que permaneceram inativos fazendo contabilidades políticas para ver o que menos comprometeria suas possibilidades de reeleição.
A história está cheia de exemplos que mostram as mulheres como grandes artífices da paz em países em guerra. Programas sociais normalmente são mais bem sucedidos quando o apoio família é centrado na pessoa da mãe. Agora sabemos que também a gestão do bem comum, numa conjuntura de crise, é mais bem administrada a partir do “gênio feminino”.
Evitando incompreensões
Toda essa reflexão, contudo, pode ter uma aplicação errônea se fazemos uma divisão esquemática e mecânica entre homens e mulheres, como se um determinismo biológico ou social obrigasse cada um a desempenhar um papel prévio. Na sociedade atual, mais do que nunca na história, as funções sociais são complexas e podem ser exercidas tanto por homens quanto por mulheres. Aliás, percebe-se que as experiências, antes dicotômicas, de cuidar do lar e ter uma vida profissional devem ser vividas igualmente tanto por homens quanto por mulheres, não só para a boa convivência dos casais, mas para o próprio desenvolvimento psicoafetivo de homens e mulheres.
Essas características comportamentais, normalmente associadas a homens ou mulheres, não são genéticas, como a estrutura orgânica dos sexos. A sexualidade e sua carga fisiológica são fundamentais para um desenvolvimento harmônico da personalidade, mas – em função do temperamento inato de cada um e da educação – podemos ter homens com virtudes femininas e mulheres com virtudes masculinas. O ideal, inclusive, seria que todos reconhecem e procurassem cultivar não só suas qualidades mais imediatas, mas também aquelas vividas pelo outro sexo. O grande problema da ideologia de gênero não é incentivar esse desenvolvimento integrado de todas as qualidades, mas sim imaginar que não poderia acontecer quando se reconhece a diferenciação complementar entre os sexos.
O importante é que os méritos e o lugar da mulher, como construtora ativa da vida social, sejam reconhecidos por todos, sem cair em estereótipos (do passado ou do presente) que desfiguram o rosto humano.
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