A Turquia pretende tornar mesquitas todas as igrejas cristãs? Esta foi a pergunta colocada sem rodeios pelo site italiano Cristiani Today, em matéria na qual questiona qual é, afinal, a política do governo de Recep Tayyip Erdoğan no tocante aos templos cristãos existentes no país de maioria muçulmana, mas supostamente laico.
A reportagem parte do caso mais emblemático de todos, o da histórica Basílica de Santa Sofia, que está prestes a completar um ano como mesquita por determinação do governo turco. O templo cristão bizantino foi inaugurado no ano 537 pelo imperador Justiniano, que comandava o Império Romano do Oriente após a decadência de Roma. Construída no ponto de encontro entre a Europa e a Ásia, a basílica monumental foi dedicada à Sabedoria Divina: “sabedoria”, em grego, se diz “sophía”, motivo pelo qual a basílica se tornou conhecida ao longo dos séculos como Santa Sofia.
Em 1453, os turcos otomanos conquistaram a cidade, que então se chamava Constantinopla, e transformaram a basílica em local de culto muçulmano. O Império Otomano também ruiu com o passar dos séculos: quando Mustafa Kemal Atatürk fundou a República laica da Turquia, na década de 1920, a então mesquita foi transformada em museu, em 1934. No dia 10 de julho de 2020, um decreto de Erdoğan anulou a decisão de Atatürk e voltou a fazer de Santa Sofia uma mesquita, após insistente campanha de um grupo islâmico local. Em discurso à nação, Erdoğan anunciou que a primeira oração muçulmana a ser feita na mesquita de Santa Sofia seria no dia 24 de julho, como de fato ocorreu.
O caso de Santa Sofia está longe de ser o único.
O antigo mosteiro de Chora e sua famosa igreja do Santíssimo Salvador também foi remanejado para o culto muçulmano sob a denominação de Mesquita Kariye. O local tem trajetória parecida com a de Santa Sofia: foi construído em 534, transformado em mesquita em 1511, tornado museu em 1945 e, agora, passou a ser mesquita novamente.
Já no começo da década de 2010, outros museus situados nas antigas igrejas bizantinas de Trebizonda (Trabzon) e Iznik foram "readequados" pelo governo turco para se tornarem mesquitas.
Em 2017, propriedades dos cristãos siríacos foram confiscadas pelas autoridades turcas.
Analistas internacionais apontam que o governo de matiz autoritário do presidente Erdoğan atua em favor de uma islamização da moderna Turquia, que, ao longo do século XX, vinha se firmando como o único caso de sucesso de um Estado laico de população majoritariamente muçulmana.
Segundo o Cristiani Today, a resposta tênue da comunidade internacional à conversão da Basílica de Santa Sofia em mesquita teria encorajado os ativistas pró-islamização da Turquia a prosseguirem com o processo de transformar outras antigas igrejas cristãs em locais de culto muçulmano.
Uma das preocupações que este processo levanta é com a situação da minoria cristã na Turquia, que já vem denunciando aumento nos casos de marginalização. Um panorama sucinto da realidade cristã no país pode ser obtido a partir do Relatório da Liberdade Religiosa 2021.