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A pobreza, de São Francisco ao Papa Francisco

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 01/08/21
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Quanto mais cresce o consumismo, mais evidente se torna a incapacidade do ser humano se realizar apenas com bens materiais

Cunhada pela Igreja latino-americana, a expressão “opção preferencial pelos pobres”, apesar de frequentemente condenada por desvios ideológicos, foi incorporada ao magistério social católico. São João Paulo II escreve, na Sollicitudo rei socialis: “Trata-se de uma opção, ou de uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. Ela concerne a vida de cada cristão, enquanto deve ser imitação da vida de Cristo; mas aplica-se igualmente às nossas responsabilidades sociais e, por isso, ao nosso viver e às decisões que temos de tomar, coerentemente, acerca da propriedade e do uso dos bens. Mais ainda: hoje, dada a dimensão mundial que a questão social assumiu, este amor preferencial, com as decisões que ele nos inspira, não pode deixar de abranger as imensas multidões de famintos, de mendigos, sem-teto, sem assistência médica e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor” (SRS 42). Bento XVI diz que ela “está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a sua pobreza”.

O papado de Francisco trouxe uma renovada atenção ao tema, desde sua declaração de que desejava uma “Igreja pobre para os pobres”. A inspiração em São Francisco de Assis se tornou ainda mais explícita nas encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti. A grande receptividade, entre os jovens do mundo todo, da Economia de Francisco deu ainda maior impulso ao tema.

No passado, alguns teólogos procuraram trabalhar com uma distinção entre “pobres” e “empobrecidos”. Os primeiros seriam aqueles que vivem uma situação de pobreza por opção, como os membros de algumas comunidades religiosas, ou em função do desenvolvimento histórico das forças produtivas de suas sociedades, como as populações tribais. Os empobrecidos seriam aqueles que vivem numa pobreza forçada, fruto das desigualdades sociais e da injustiça. Na prática, a distinção era difícil de se aplicar, pois as situações de injustiça social são indissociáveis dos modelos de desenvolvimento adotados por cada sociedade.

Contudo, mostram dois aspectos interligados da opção pelos pobres. De um lado, temos as vítimas de uma situação social que deve ser superada – e que exige o compromisso social e político dos cristãos, em função do amor ao próximo. De outro, temos a opção por um valor evangélico, de desprendimento do consumismo e da ganância. É sobre esse segundo aspecto, da opção pela pobreza, por assim dizer, que gostaria de refletir aqui.

O tema dessa “opção pela pobreza” presta-se realmente a várias interpretações sociologizantes e, algumas vezes, idealizadas, longe da realidade. É fato que o valor da pobreza não é exclusivo dos cristãos. Várias religiões – e até muitos ateus e agnósticos – valorizam uma vida austera, que reconhecem como caminho para a felicidade.

Quanto mais cresce o consumismo, mais evidente se torna a incapacidade do ser humano se realizar apenas com bens materiais. O antropólogo Marshal Sahlins tornou clássica a imagem da relativa abundância das sociedades tribais de caçadores-coletores em oposição à escassez que permeia nossa sociedade moderna.

Os povos tribais vivem uma pobreza material objetiva, mas configuraram seu modo de vida para essa condição, se satisfazem com o que têm e podem se realizar humanamente com poucos bens. No mundo consumista atual, a pessoa parece nunca ter o suficiente para se realizar, está sempre precisando mais. Em parte, trata-se de uma situação objetiva que vivemos, por nossa dependência aos bens e serviços produzidos pela sociedade industrial. Em parte, se trata de padrões culturais que não levam em conta aquilo que realmente satisfaz o coração do ser humano.

Na Laudato si’ (LS), Francisco apresenta todo um estilo de vida marcado pela sobriedade, mas cheio de alegria, amor e paz (cf. Capítulo VI).  Contudo, vale notar, esse estilo de vida, para ele, está intimamente vinculado a uma espiritualidade.

Todos podemos nos educar a uma vida mais austera, que poupa recursos do meio ambiente e permite uma redistribuição melhor da riqueza gerada pela sociedade. Mas essa é uma postura moralista, se não percebemos que uma outra coisa preenche nossa vida – e isso é válido para todos os seres humanos, independentemente de suas crenças.

“A grande riqueza da espiritualidade cristã, proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e comunitárias, constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade”, pontua Francisco (LS 216). O cristianismo não exalta a austeridade, os sacrifícios, a abnegação e a pobreza como valores em si – tal seria uma posição estóica, mas não cristã.

Dante Alighieri, em A Divina Comédia (Canto XI, no Paraíso), diz que São Francisco de Assis desposou a Pobreza porque era a viúva de Cristo. O amor a Jesus era a motivação para ele abraçar a pobreza. Esse amor – que em primeiro lugar é de Cristo para com a pessoa e depois, como resposta, dela para com Cristo – é o que dá sentido ao nosso compromisso, seja com os pobres, seja com a pobreza.

Isso não quer dizer que outros não possam viver o mesmo compromisso, muitas vezes de modo até mais fiel do que nós. Desdenhar da riqueza material em nome de um valor maior é uma tendência inata no coração humano, que transparece tanto na frustração que cerca uma vida dedicada apenas aos bens materiais quanto na capacidade de alegrar-se daqueles que tem pouco materialmente, mas são ricos espiritualmente.

A questão aqui é a contribuição que os cristãos podem dar aos demais. Contribuição essa que só pode ser entendida como serviço, pois seria mentirosa se fosse vista com presunção. Não se trata de censurar o individualismo consumista, mas de mostrar um modo de ser que é mais pleno e mais humano. Não se trata de contrapor-se a um tipo de militância sociopolítica, mas de oferecer uma perspectiva de amor que pode enriquecer essa militância.

A nós, como a Paulo, no Areópago, cabe dizer que Cristo é o nome do Deus desconhecido, ao qual tantos procuram ou adoram por intuição (cf. At 17, 23). 

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