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Apesar da pandemia e da política, sempre há luz no final do túnel

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 22/08/21
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Para o cristão, a vida pode ser drama, mas não deveria se tornar tragédia; o túnel escuro pode ser longo, mas não é um buraco sem saída

É muito triste ver os brasileiros desesperançados diante da pandemia e da situação política do País. Pensávamos que 2021 seria um ano “mais normal”, mas vimos um recrudescimento da pandemia e tivemos a impressão de estar diante de uma quarentena interminável, com mortes, crise econômica e desemprego sem fim. Diante dessa conjuntura, realmente caótica e dramática, os políticos parecem continuar se orientando por interesses particulares, entregues a devaneios ideológicos ou a negociatas interesseiras. Uma sensação deprimente, mistura de impotência, raiva e desilusão, acomete a muitos de nós – e, convenhamos, com boa parcela de razão.

Contudo, para o cristão, a vida pode ser drama, mas não deveria se tornar tragédia; o túnel escuro pode ser longo, mas não é um buraco sem saída. A tragédia sempre acaba mal, mas o drama, apesar de todo o seu sofrimento, pode ter um desfecho feliz. As dificuldades, por mais dolorosas que sejam (e não há dor maior e mais inexorável do que a da morte) não se tornam tragédia na medida que são iluminadas pela luz no final do túnel: a esperança. Diante da situação atual, renova-se uma das grandes questões do cristianismo: de onde vem aquela esperança que “não decepciona”? 

Cristo é a esperança que não decepciona, mas essa frase pode parecer uma espécie de autoengano, um esforço piedoso para fugir da realidade, mais uma ideologia para iludir nossos corações doloridos (aliás, é assim que tanto o marxismo quanto o positivismo viram o cristianismo). O Papa Francisco, nas comemorações do Natal de 2020, em meio à pandemia, observou com propriedade: “Uma leitura da realidade sem esperança não se pode chamar realista. A esperança dá às nossas análises aquilo que muitas vezes o nosso olhar míope é incapaz de captar [...] O nosso tempo também tem os seus problemas, mas possui igualmente o testemunho vivo de que o Senhor não abandonou o seu povo [...] Quem não olha a crise à luz do Evangelho limita-se a fazer a autópsia dum cadáver: olha a crise, mas sem a esperança do Evangelho, sem a luz do Evangelho”.

Perder essa relação fundamental entre realismo e esperança é um sinal claro de que nossa mentalidade não é mais cristã, que – por mais que rezemos ou afirmemos princípios cristãos – estamos pensando como o mundo e não como os “amigos de Cristo”. Nesse artigo, não quero discorrer sobre a espiritualidade da esperança, outros em Aleteia podem fazê-lo muito melhor do que eu. Minha questão é como a mentalidade hegemônica na sociedade corrói a nossa esperança e nosso discernimento justamente no momento em que mais necessitamos deles.

Bento XVI tem uma percepção aguda da falta de esperança em nossa sociedade. Escreveu “Santo Agostinho [...] notou uma reciprocidade entre scientia e tristitia: o simples saber, disse ele, deixa-nos tristes. E realmente quem se limita a ver e apreender tudo aquilo que acontece no mundo, acaba por ficar triste”. Mais adiante, no mesmo texto, irá citar o “otimismo que vive na fé cristã”, pois na fé aprendemos a bondade do Amor de Deus e que a verdade última se revela como bem para todos nós. Ciente, contudo, desse déficit de esperança em nosso tempo, o Papa emérito escreveu sua encíclica Spe salvi, “Salvos pela esperança” (SS, 2007).

A esperança, de certa forma, se identifica com a própria fé, observa Bento XVI (SS 2). Contudo, a fé que desabrocha como esperança não é um simples “acreditar em coisas que não se veem”. Se fosse assim, pareceria realmente um discurso ilusório. A fé, em sua essência, é o reconhecimento da presença de Deus em nossa vida. Uma presença que se tornará dominante na vida eterna, mas que já está presente e operando agora (cf. SS 7). Nesse sentido, podemos entender que a fé se apoia numa experiência pessoal de encontro com Cristo.

A fé nos foi transmitida pelo anúncio de outros que conheceram a Cristo antes de nós, mas como os samaritanos, também podemos dizer: “Já não é por causa do que você falou que cremos. Nós mesmos O ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4, 42). Se perdemos de vista as maravilhas do amor de Deus que testemunhamos em nossas vidas, aquilo que vimos acontecer, conosco e com os demais, não conseguimos ter esperança. Quando perdemos a esperança, é sinal de que não mais “fazemos memória” daquilo que o Senhor já fez por nós. Para o cristão, memória e esperança são indissociáveis.

Mas, a lembrança das coisas boas do passado não é suficiente para nos manter firmes no presente, quando esse se apresenta cheio de problemas, dificuldades e sofrimentos. Aqui, talvez, o testemunho dos casados há muito tempo pode ser de ajuda para nós. A vida de um casal não é feita apenas de momentos bons. Todos acumulam, em sua vida conjugal, alegrias e tristezas, beleza e sofrimento. Contudo, quando olham retrospectivamente, os cônjuges percebem que tanto os momentos bons quanto os difíceis ajudaram a construir e solidificar o amor de um pelo outro – mais ainda, tanto as alegrias quanto as tristezas são necessárias para que a comunhão entre os esposos se fortaleça e se torne certeza para toda a vida.

Para quem vive à luz do amor, todo acontecimento é ocasião para reafirmar a beleza do amor, mesmo quando se revela na dor e no sofrimento. Assim é com os esposos, assim é com os cristãos em sua relação com Deus. Todo acontecimento nos dá oportunidade para aprofundarmos nossa experiência de sermos amados por Deus – e, portanto, também a nossa fé, que se manifesta como esperança. As dificuldades desse tempo de pandemia e escândalos políticos não são diferentes das outras... Podem igualmente servir para fortalecer nossa fé e nossa esperança.

Como a mentalidade dominante se interpõe a esse caminho de amadurecimento cristão? Nos fazendo olhar apenas para nós mesmos. Vivemos numa sociedade individualista, onde a satisfação da própria vontade é confundida com a realização integral da pessoa. Coisas, acontecimentos e pessoas são mensurados em termos do quanto de prazer nos proporcionam. Ser feliz, acreditamos nesses nossos tempos, é fazer o que se quer. Quanto menos olharmos para os outros e para as circunstâncias, melhor.

Com isso, deixamos não só de olhar para nossos irmãos, mas também para Deus. Ele passa a ser alguém a quem pedir exaustivamente que satisfaça nossas vontades. E quando elas não se realizam? Talvez não deixemos de “acreditar” Nele, mas nos desesperamos. Uma fé assim não é memória do encontro com Cristo, mas reafirmação de nossas ideias e vontades. Esse é o grande obstáculo que não nos permite viver com otimismo e amor as dificuldades e até as dores, que realmente acontecem e não deixarão de nos fazer sofrer – mas que não precisam dar a última palavra sobre a nossa vida. 

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