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Numa época de informação e desinformação, será possível confiar? 

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 22/08/21
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O diálogo com o outro, com aquele que pensa diferente, é um caminho inevitável para quem quer realmente encontrar a verdade

Como vimos no artigo anterior, que partia da polêmica sobre as urnas eletrônicas, frequentemente convivemos com dúvida sobre as informações e os meios de comunicação atuais. Mas o comportamento desinformado é, forçosamente, irracional e desordenado. Sempre que temos dúvidas sobre o que está realmente acontecendo, o certo e o errado, nos tornamos mais inseguros, manipuláveis, amedrontados e ressentidos. A confiança cega, por outro lado, é uma falsa alternativa. Pode nos dar segurança, mas nos torna ainda mais facilmente manipuláveis.

No mundo das ideias humanas, quanto mais conhecimento, mais incerteza. Os bons cientistas sempre souberam disso. A certeza que nasce da fé é uma convicção firme que não pode ser confundida com a relatividade inerente às nossas afirmações. Por outro lado, uma dúvida infundada não é sinal de sabedoria, apenas de insegurança.

Bento XVI,  no discurso que deveria proferir na Universidade Estatal de Roma La Sapienza, escreveu que o conhecimento nos torna tristes. Saber dos sofrimentos humanos, dos desrespeitos à dignidade de tantos e dos malfeitos dos poderosos – continuamente apresentados e comentados em nossas mídias e redes sociais – nos causa tristeza, ressentimento, desconfiança, medo e raiva.

Contudo, segundo o Papa, o otimismo pode nascer a partir do conhecimento da verdade e do bem, que pode superar a tristeza, o ressentimento e a raiva. Também no conhecimento das coisas do mundo, a fé, a esperança e a caridade andam juntas. Para ter confiança no conhecimento, precisamos ter a esperança bem fundamentada de que a verdade sempre se manifestará, e estarmos imbuídos de um desejo de bem que justifica os nossos esforços. Para nós cristãos, Jesus é o centro da fé, a razão da esperança, o motivo da caridade.

“Não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! [...] Hoje em dia muito frequentemente o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo e do seu coração, muito frequentemente se encontra incerto acerca do sentido da sua vida sobre esta terra. E sucede que é invadido pela dúvida que se transmuta em desespero. Permiti, pois [...] permiti a Cristo falar ao homem” (São João Paulo II, Homilia de início de pontificado).

Se a experiência cristã não nos traz uma serenidade que é inconformista e ativa, mas livre do medo, do ressentimento e da raiva, é sinal de que não estamos ouvindo a Cristo, mas sim a nossas próprias ideias, ou às ideias de algum guru disfarçado de mestre cristão. O cristianismo não dá resposta a todos os problemas da sociedade – e nem se propõe a tal, pois isso eliminaria a liberdade e o valor do esforço humano – mas nos dá a serenidade, a segurança e o amor para procurarmos as melhores respostas.

Luigi Giussani, autor que cito frequentemente, em O senso religioso (Jundiai: Paco Editorial, 2017), mostra que o conhecimento não é apenas uma questão de informações e raciocínios, mas implica também um envolvimento moral, que mobiliza toda a pessoa, em sua busca pela verdade. Sintetizava essas ideias com a expressão “amar mais a verdade do que as próprias ideias”. 

Para amar mais a verdade do que as próprias ideias, precisamos de um grande desapego – algo que, olhando friamente, pode parecer impossível. Só os muito amados e os grandes amantes são capazes de tal desprendimento. Por isso, para os cristãos, como dizia São João Paulo II, no trecho acima, é preciso entregar-se a Cristo para encontrar a verdade, que tranquiliza o coração e supera a dúvida. Também por isso, aqueles que vivem querendo mostrar raivosamente os erros dos outros, não estão com a verdade, que se manifesta no amor de Cristo por nós e de nós para com nossos irmãos.

É comum seguirmos pessoas que falam com muita erudição e veemência, pois acreditamos que são convincentes porque estão mais próximas da verdade. Grande engano! A erudição demonstra muitas informações, mas não obrigatoriamente sabedoria para guiar os demais. A veemência está mais ligada à necessidade de convencer o outro do que à própria convicção. Nos debates é comum as pessoas mais inseguras, com menos argumentos racionais, serem as mais veementes. Querem, a todo custo, se autoconvencer que estão certas e evitar o constrangimento de reconhecer que estão erradas. 

Esses comportamentos geraram a crença de que a falta de convicção seria necessária para uma postura de diálogo. Quem não tivesse convicções firmes estaria aberto a ouvir as razões do outro. Na prática, o que acontece é o contrário. A falta de convicções gera o relativismo, a suposição de que ninguém tem a verdade. Ora, se ninguém tem a verdade, cada um pode ficar com as próprias opiniões, sem precisar interagir com quem pensa diferente. Onde parece haver um clima de harmonia e conciliação, existe na verdade indiferença e individualismo.

Para que haja uma busca frutífera pela verdade, temos que ter convicções firmes sobre o fundamental, mas estarmos dispostos a mudar sempre que novos argumentos demonstrem nossos erros. Quando temos essa postura, não queremos nos impor aos outros, nem temos medo de que os outros se imponham a nós ou àqueles que amamos.

O diálogo com o outro, com aquele que pensa diferente, é um caminho inevitável para quem quer realmente encontrar a verdade. A recusa a aceitar que o outro possa estar dizendo a verdade é nosso maior obstáculo para chegarmos à verdade. A realidade é sempre muito complexa, cheia de detalhes e aspectos diversos. Só Deus consegue abarcá-la inteiramente. Cada um de nós consegue captar algumas facetas da realidade e procura, a partir daí, compreender o todo.

Como partimos de facetas diferentes, mesmo sendo honestos conosco mesmo e seguindo raciocínios lógicos, podemos chegar a conclusões diversas. Isso não quer dizer, como supõem o relativismo, que qualquer conclusão é igualmente válida. Algumas são, inevitavelmente, mais amplas e bem fundamentadas do que outras, ou seja, são mais verdadeiras, mais próximas da realidade tal qual ela é. Isso não quer dizer que as conclusões erradas não tenham aspectos justos e que devem ser valorizados.

Por exemplo, pessoas de esquerda costumam considerar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do teto de gastos, que impede o aumento dos gastos públicos por vários anos, um absurdo. Se tentarem compreender as razões do lado contrário, reconhecerão que a proposta nasceu num contexto de crise financeira do Estado, em que não se conseguia encontrar uma solução política para o problema e que, de fato, o governo brasileiro frequentemente gasta mal o dinheiro público, não aplicando nem no bem dos cidadãos, nem na infraestrutura econômica. Por outro lado, as pessoas de direita consideram essa PEC essencial e inegociável. Se tentarem entender as razões da esquerda, verão que um Estado que gasta de forma conscienciosa, aplicando bem os recursos e planejando o pagamento de suas dívidas, não precisa desse tipo de amarra legal. Antagonistas de cada um dos lados não precisam convencer-se que o outro está certo, mas se entenderem suas razões, provavelmente poderão chegar a soluções melhores do que aquelas a que chegariam sozinhos. 

Quando procuramos entender o outro, nossa visão da realidade sempre se amplia e as posições contrárias deixam de nos parecer ameaçadoras, pois conseguimos aderir ao que têm de verdadeiro e apontar com serenidade aquilo que têm de errado. Além disso, nos tornamos mais amigos uns dos outros e os dois lados ganham mais liberdade para reconhecerem seus erros e acertos.

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