A força original dos termos tende a ser esquecida por nós quando as palavras são usadas com muita frequência, acarretando a banalização da própria experiência humana a que se referem. Assim, nos declaramos católicos sempre que nos perguntam sobre nossa confissão religiosa, mas poucas vezes nos damos conta do que estamos dizendo com essa afirmação. O adjetivo, como bem sabemos, etimologicamente quer dizer “universal”. Refere-se àqueles que compartilham o conhecimento do amor de Deus que, em Cristo, se entregou a toda a humanidade, àqueles que pertencem à fraternidade universal que inclui todos os filhos de Deus.
Essa afirmação significa que, de certa forma, nossa casa é o mundo, tudo existe para nós e nós existimos para o mundo. É um sinal de compromisso, porque significa que o bem de nossos irmãos e do mundo está confiado a nossa guarda. A catolicidade, justamente compreendida, é a antítese da resposta de Caim ao Senhor, quando Ele lhe pergunta sobre o paradeiro de Abel: “Sou eu responsável pelo meu irmão?” (Cf. Gn 4, 9). Caim não percebe, mas os irmãos são todos corresponsáveis uns pelos outros – assim como os católicos, mesmo que não se deem conta, são corresponsáveis pelo bem do mundo. É um compromisso superior às forças de qualquer ser humano e que, por isso, só pode ser justamente vivido à luz do amor e da misericórdia de Deus.
Assim, por sobre essa simples palavra, paira um sopro de universalidade, uma grandeza e um compromisso que, vividos conscientemente, poderiam esmagar o mais forte entre nós, se não compreendessemos que “cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho” (Laudato si’, LS 77).
A oração universal
O Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium (SC 53), preconiza que em todas as missas, mas especialmente nos domingos e festas de preceito, seja rezada a “oração dos fiéis”, que – na verdade – é uma “oração universal”. Nessa prece, todos devemos rezar “pela santa Igreja, pelos que nos governam, por aqueles a quem a necessidade oprime, por todos os homens e pela salvação de todo o mundo”. Trata-se de um permanente pedido não por nossas questões particulares, mas pelo bem de todos, em especial pelo dos que mais precisam.
Além do valor próprio da prece, essa oração deveria ter um sentido educativo: nos ajudar a compreendermos que a fé e o amor de Deus que recebemos não devem ser guardados como graça individual, remoída entre nossas angústias e nossas súplicas, mas devem ser vividos como abertura ao mundo, que não nos permite ficar fechados em nós mesmos e em nossas questões. Não é uma oração apenas para a Sexta-feira Santa, mas também para o Natal. Mesmo nos momentos alegres, somos convidados a nos lembrar dos que sofrem, a nos solidarizarmos com eles.
O Dia Mundial da Paz
Com esse espírito, podemos entender que São Paulo VI, em 1968, propusesse que o mundo celebrasse, a cada 1º de janeiro, início do ano civil no calendário ocidental, o Dia Mundial da Paz. A mensagem com a qual propôs a celebração dessa data é um belíssimo manifesto, no qual essa “catolicidade” transparece como ternura e cuidado para com o bem de todos, cheia de humildade e espírito fraterno. Vale a pena ser lida na íntegra...
Ao longo desses anos, os papas que se sucederam foram enriquecendo as reflexões sobre a paz, incluindo temas como a reconciliação, os direitos humanos, a condenação da violência e a defesa da vida (Paulo VI); a família, a justiça, o diálogo entre as culturas e o papel da mulher (São João Paulo II); o respeito à pessoa humana, o combate à pobreza, a preservação ambiental e a liberdade religiosa (Bento XVI); a fraternidade, a política, o cuidado com as pessoas e a natureza, os migrantes e refugiados (Francisco). O elenco de temas exemplificados mostra a visão ampla e o respiro universal da Igreja. Sua atenção se volta a todos os seres humanos, em todas as dimensões de suas vidas.
Ser cristão é adquirir essa capacidade de abraçar o mundo, essa grandeza de coração inimaginável para nós, seres humanos, normalmente às voltas com as questões de nosso próprio cotidiano. Com a graça dessa abertura a toda a realidade, vem o compromisso com nossos irmãos e com toda a criação que “geme e sofre as dores do parto” (cf. Ro 8, 22) – um compromisso ao qual só poderemos estar à altura se agirmos em comunidade e à luz da misericórdia de Deus.