No Brasil, o verão é a temporada das tragédias ocasionadas pelo excesso de chuvas. Todo ano, nessa época, sofremos com deslizamentos, transbordamentos e enchentes. Para quem está vivendo pessoalmente esse drama, porque perdeu um ente querido ou seus bens materiais, reflexões teóricas pouco ajudam. Nessa hora, para nós cristãos, o único conforto efetivo é aquele que Deus nos dá e que nos vem com a imprevisibilidade e a concretude típicas de Sua intervenção no mundo. Contudo, refletir sobre essas situações pode nos ajudar melhor a entender a dinâmica da esperança cristã no mundo, tornando-nos mais capazes de enfrentar as provações que fatalmente acontecem na vida de todos nós.
Bento XVI, na sua encíclica Spe salvi (2007), lembra que a esperança não nasce de uma fé cega, que se pareceria mais com um ato voluntarista ou a crença num “pensamento positivo”. A esperança cristã nasce, diz o Papa, do reconhecimento de uma Novidade que já se manifesta em nossa vida, coisas talvez pequenas, mas que nos indicam que podemos acreditar no amor e na providência divinas, que darão a última palavra diante de nossas provações. Porque experimentamos o amor de Deus agindo em nossa vida, podemos esperar que Ele também irá agir no momento do sofrimento e da dor, fazendo brotar algo bom de onde só vemos catástrofes.
Catástrofes
É uma hipótese gigantesca: assim como Deus me amou e me amparou nas provações sempre que eu me entreguei a Ele, também irá, de alguma forma, amparar a cada uma das vítimas das enchentes e dos desabamentos atuais, na medida que cada um, com sua liberdade, se entregar à Sua ação amorosa. Parece impossível, se pensamos com uma racionalidade puramente humana, mas essa é apenas uma parte da grandeza da fé que nos é proposta. Cada um de nós tem a missão de comprová-la na própria vida, para que se torne fonte de esperança para nós e para todo nosso povo.
Mas essas catástrofes naturais nos mostram também a falta de sabedoria com a qual lidamos com a natureza, tema recorrente na Laudato si’, do Papa Francisco. Aprendemos a construir em todos os terrenos, a fazer grandes vias para escoar nossos veículos, construímos reservatórios subterrâneos para represar as águas das chuvas e barragens para reter os rios ou os rejeitos da mineração. Mas não aprendemos a usar esses recursos com prudência, a reconhecer seus limites, a ser solidários com nossos irmãos sem teto... Por isso, quando as chuvas aumentam, mais cedo ou mais tarde nossa engenharia se torna impotente para evitar as catástrofes.
Sabedoria
A verdadeira sabedoria, ensina a Laudato si’, mas também a ciência e o planejamento urbano mais avançados, não está em usar nossa técnica para tentar submeter a natureza, tarefa que nunca conseguiremos realizar plenamente. A verdadeira sabedoria consiste em usar nossa engenharia para vivermos em harmonia com a natureza, nos conformando a ela, de forma a aumentar nossa qualidade de vida e respeitarmos a beleza da obra do Criador.
Em muitas regiões costeiras do mundo, após a passagem de tsunamis, são feitos parques e áreas de conservação e lazer nos territórios devastados pelas ondas gigantes. Com isso, se aumenta a segurança e se implementa a qualidade de vida da população. Se nossas grandes cidades tivessem apostado mais em transporte coletivo e áreas verdes, se projetos de habitação populares atendessem uma população maior e houvesse uma fiscalização mais efetiva nas áreas de risco, muitas das tragédias que estamos vendo hoje não teriam acontecido.
Por ignorância, má fé ou até falta de opções, nossas cidades – grandes ou pequenas – são como são, estão onde estão. Para minimizar os problemas, não basta denunciar o que foi feito de errado. Precisamos de uma conversão ecológica, que nos leve a escolher formas mais sábias de nos relacionarmos com os espaços urbanos, e de uma renovada solidariedade, para ajudar aqueles que hoje sofrem com essa realidade.