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A moral, a impotência da censura governamental e o necessário testemunho dos adultos

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 20/03/22
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O jovem deve perceber, contemplando a vida dos adultos, que certas situações e propostas são inadequadas para seu crescimento humano – que podem até parecer “legais”, mas não levam a uma plena realização pessoal

Na última semana, a cena de uma tentativa de ataque pedófilo perpetrado pelo personagem de Fábio Porshat, num filme de Danilo Gentili, “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, trouxe de volta a questão da legitimidade ou não da censura no Brasil. Uma obra que atenta contra os valores morais das pessoas pode ser censurada pelo Estado? E se a obra desencaminhar menores, aí poderá ser censurada? 

A avaliação do filme em questão contemplava uma série de problemas. O órgão estatal tinha competência legal para ordenar a suspensão do filme nas plataformas de streaming? A solução encontrada, classificar o filme como indicado para maiores de 18 anos, ainda que adequada no papel, não seria pouco efetiva para um filme acessado em casa, pela televisão? Por outro lado, como alegou Fábio Porshat, o personagem pedófilo era um vilão, um personagem com o qual as crianças e jovens não gostariam de se identificar. A cena poderia, nesse caso, ser vista como um alerta para que as crianças se protejam de investidas pedófilas? Ou haveria uma “naturalização” da pedofilia, que passaria a ser vista como “normal” pelas crianças?

Todas essas questões mostram a complexidade da questão específica desse filme. Mas o caso permite uma reflexão geral interessante...

Os limites da censura

A absoluta liberdade de expressão é muito mais um mito que uma realidade no mundo de hoje. Formas veladas ou explícitas de censura acontecem em todos os países. Velada ou explícita, a censura sempre se apresenta e se legitima como forma de defender pessoas ou valores. Nem por isso, minorias e grupos políticos fracos deixam de ser alvo de ofensas, em todos os países. Igualmente, os valores que vão na contramão dos interesses do mercado e da dominação política não são protegidos e muitas vezes são até atacados pela censura. Ela protege aos poderosos e seus interesses, mas não aos fracos e seus valores.

Além disso, nas democracias, a censura governamental, para ser efetiva, precisa refletir uma posição “consensual” ou ao menos largamente majoritária na sociedade. Quando um tema é polêmico, como acontece hoje em dia com relação às questões morais, o resultado da censura é dar ainda mais visibilidade à obra censurada e vitimizar o seu autor, que passa a se apresentar como defensor da liberdade de expressão, diante dos ataques do poder.

Vejamos alguns exemplos. As pessoas podem ser contrárias à ideologia de gênero, mas nem por isso concordam com a negação da dignidade e dos direitos humanos dos homossexuais. Existe, portanto, um consenso de que piadas homofóbicas não são adequadas e devem ser censuradas – por ações legais ou mesmo por procedimentos internos dos veículos da mídia. Nesse caso, quem faz a piada é visto como preconceituoso, desrespeitoso para com a dignidade dos demais. As piadas contra símbolos religiosos, por outro lado, são apresentadas pelos humoristas não como piadas que ridicularizam pessoas, mas sim como ataques ao sectarismo, ao fundamentalismo, ao proselitismo, ao moralismo e/ou ao abuso do poder pelos líderes religiosos. Ora, até as pessoas de fé concordam que tais manifestações, quando ocorrem, não são adequados a uma verdadeira religião. Agora, o piadista se apresenta como um iconoclasta que combate a hipocrisia e os abusos do poder. Assim, mesmo que muitos se sintam indignados e ofendidos, não se cria um consenso social que condene essas piadas, como se gerou um consenso condenando as piadas contra homossexuais.

As questões morais também estão, em nossos tempos, nessa perigosa zona cinzenta onde todos os gatos são pardos. Há gente que defende até mesmo a pedofilia, mas tais pessoas são muito raras. Contudo, uma certa liberalização dos costumes sexuais, a erotização precoce e a redução das relações afetivo-sexuais a seus aspectos mais instintivos foram naturalizadas e consideradas parte do direito a autodeterminação dos jovens, uma libertação em relação a convenções desnecessárias. Nem todos concordam com isso, evidentemente, mas as questões permanecem polêmicas e não se cria um consenso com relação a elas na sociedade. Sem esse consenso social, atos de censura serão vistos como autoritários e, a médio e longo prazo, servirão mais para legitimar os comportamentos impróprios do que para condená-los.

O trabalho indispensável dos pais e mestres de vida

A erotização precoce e a exaltação de comportamentos e símbolos sociais questionáveis são ameaças reais à formação dos jovens, mas a melhor forma de combatê-los não é apelando para a censura – seja governamental ou familiar. Discursos racionais moralizantes também são pouco efetivos. O melhor caminho é sempre o do testemunho, que inclui não apenas as explicações racionais – sempre necessárias – mas também o exemplo do comportamento dos adultos. Nosso grande desafio é sempre aquele de demonstrar, com sabedoria e amor, uma possibilidade de realização pessoal e felicidade maior do que aquela que vem do culto ao prazer momentâneo e ao sucesso material.

O jovem deve perceber, contemplando a vida dos adultos, que certas situações e propostas são inadequadas para seu crescimento humano – que podem até parecer “legais”, mas não levam a uma plena realização pessoal. Idealmente, o jovem não deve precisar da censura para proteger-se de uma obra capciosa, a própria experiência humana que adquiriu com sua família deve ser suficiente para que perceba que certas situações podem até parecer “gostosas”, mas não são boas ou adequadas.

É verdade que esse caminho de sabedoria humana não é fácil de ser trilhado. Muitos jovens não terão a felicidade de ter famílias e mestres capazes de educá-los adequadamente. O problema é que a censura também não ajudará nessas situações. Esses jovens, que não fizeram os encontros necessários para sua formação humana, acabarão fazendo os encontros “errados”, não importa qual censura o Estado e a sociedade imponham a eles. É um dado inevitável numa sociedade plural, como a nossa. Propostas autoritárias pretendem negar essa pluralidade, mas com isso cerceiam também a liberdade humana. Novamente essa não é uma alternativa.

A família sozinha não é capaz de garantir a formação de seus filhos. Ela precisa de ajuda. Mas essa ajuda não vem nem da censura, nem do autoritarismo ou da homogeneização cultural, mas sim da convivência com mestres de vida e outros jovens bem-formados, todos criando juntos ambientes saudáveis, aos quais muitos outros jovens irão se juntar. Criar esses espaços e essas oportunidades de encontro é missão fundamental das comunidades cristãs, mas não só delas.

Independentemente do debate que vem cercando o filme de Gentili, esse caminho do testemunho de sabedoria e amor é aquele que mais ajudará a formação integral dos jovens.

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