Uma organização norte-americana que se denomina Nonhuman Rights Project (Projeto Direitos Não-Humanos) entrou com ação junto ao Superior Tribunal de Justiça do Estado de Nova Iorque pedindo o reconhecimento legal de uma elefanta como pessoa.
As alegações
Alegando defender direitos animais, a organização quer um habeas corpus para a elefanta Happy, que tem 51 anos de idade e, segundo a Nonhuman Rights Project, está confinada ilegalmente a um espaço de 4.000 metros quadrados no zoológico do Bronx. Os defensores dos assim chamados "direitos não-humanos" querem que Happy seja transferida para outro espaço de 9.308 metros quadrados, mas, além disso, pleiteiam que ela seja considerada como uma "pessoa".
Steven Wise, fundador e presidente do grupo, declarou à agência Reuters que "está na hora de animais não-humanos, como a Happy, serem vistos não como coisas, e sim como 'pessoas com direitos'". Monica Miller, advogada da ONG, reiterou esse mesmo posicionamento afirmando à agência Associated Press que Happy "tem o direito de exercer as suas escolhas e decidir com quem quer estar, para onde ir, o que fazer e o que comer", mas "o zoológico a proíbe de tomar qualquer uma dessas decisões por si mesma".
O "não" do tribunal
Em decisão de primeira instância, o tribunal de Nova Iorque rejeitou o pedido: a corte reconheceu que, de fato, Happy é "um ser inteligente, com habilidades analíticas avançadas semelhantes às dos seres humanos", mas também registrou que "os animais não são 'pessoas'".
O Nonhuman Rights Project, no entanto, recorreu. A decisão sobre o caso será proferida nos próximos meses pelo Tribunal de Apelações.
O que é pessoa?
Uma das definições mais consolidadas de "pessoa" na tradição ocidental foi proposta pelo filósofo romano Anício Mânlio Torquato Severino Boécio, conhecido simplesmente como Boécio. Nascido em Roma por volta do ano 480 e morto em Pavia entre 524 e 525, Boécio é considerado um dos fundadores da Escolástica, tendo contribuído notavelmente para a recuperação, no mundo latino, de uma parte da obra do filósofo grego Aristóteles e, por conseguinte, exercendo influência sobre a futura obra de Santo Tomás de Aquino, que viria a integrar de modo magistral o legado aristotélico à doutrina cristã.
Segundo Boécio, pessoa é "naturae rationalis individua substantia", ou seja, "substância individual de natureza racional". Cada termo desta definição merece considerações profundas, mas a parte mais relevante para os fins deste artigo é a que atesta que pessoa tem "natureza racional".
Animais como a elefanta Happy são inteligentes, mas não são racionais. A diferença é importante: os animais são dotados, em graus que variam imensamente, da faculdade da inteligência, o que lhes confere a capacidade de aprender alguns conceitos e reconhecê-los; mas não são racionais, porque não são capazes de construir raciocínios baseados em premissas que, se válidas e corretamente relacionadas, levam a conclusões necessárias e demonstráveis.
A falta que faz a lógica
Um exemplo de mau raciocínio: se a elefanta não é "apenas uma coisa", então ela é uma pessoa. E um exemplo de bom raciocínio: o fato de que uma elefanta não seja "apenas uma coisa" não significa que ela é uma pessoa.
Não existe nenhuma fundamentação lógica em atribuir à elefanta Happy, por arbitrariedade jurídica, uma natureza que ela não possui. Nem é necessário: os bons tratos aos animais devem ser garantidos e os maus tratos devem ser coibidos e punidos, sem que para isto seja preciso inventar disparates como o de classificá-los como pessoas.
Além de demonstrar a falta que faz nas escolas a boa e velha Lógica aristotélica, o pleito para que a elefanta Happy seja arbitrariamente considerada uma pessoa também escancara o nível gravíssimo de hipocrisia de uma sociedade que finge que um paquiderme é pessoa, mas uma pessoa humana em gestação é uma coisa.