Mateus (Mt) escreve, primeiramente, para os judeus convertidos ao Cristianismo a fim de provar que Jesus é o Messias. Nele, se cumprem as profecias do Antigo Testamento a respeito do Filho de Deus feito homem por amor de nós.
Por ora, interessa-nos apenas Mt 1,20-21. Há aí três dados muito importantes: 1) José estava licitamente casado com Maria, mas ainda não moravam juntos. O anjo do Senhor ordena, então, que ele a receba em sua casa. 2) Já que José se encontra hesitante quanto à origem da gravidez de sua esposa, o mensageiro celeste lhe assegura ser ela sobre humana: Nossa Senhora está grávida por obra do Espírito Santo. 3) Ao receber Maria, em sua casa, José – além de evitar a condenação legal e social da consorte – torna-se legalmente o pai adotivo de Jesus. Faz, assim, com que o recém-nascido participe da descendência de Davi. Tudo isso, de fato, se cumpriu, conforme Mt 1,25 (cf. Candido Pozo, SJ. María en la obra de la salvación. Madri: BAC, 1974, p. 232-233).
Ainda: mesmo sem José tê-la conhecido (= mantido relações conjugais), Maria deu à luz Jesus. Pois bem, de acordo com Pozo: o versículo 25 “destaca o cumprimento literal da profecia de Isaías, citada no v. 23: ‘Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho’. [...] A que se achou grávida virginalmente (v. 18), dá à luz sem que tenha havido a intervenção de um homem (v. 25). No entanto, a partícula grega ἕως não insinua que depois a tenha conhecido; só sublinha a virgindade de Maria no momento do parto do Senhor” (idem).
O fato de Nossa Senhora ser, ao mesmo tempo – contra a lógica humana –, mãe e virgem só se explica por milagre. Deus todo-poderoso interveio neste mundo e realizou essa sua grande ação misteriosa. Com efeito, “o Papa Ormisdas explicita que ‘o Filho de Deus tornou-se Filho do homem e nasceu no tempo como homem, abrindo, ao nascer, o ventre de sua mãe (cf. Lc 2,23), mas, não destruindo, pelo poder de Deus, a virgindade de sua mãe’ (DS 368). Esta doutrina foi confirmada pelo Concílio Vaticano II, no qual se afirma que o Filho primogênito de Maria ‘não só não lesou a sua integridade virginal, mas, antes, a consagrou’ (LG, 57)” (São João Paulo II. Audiência Geral, 28/08/1996).
Voltando a São José, notamos que o seu papel especial na vida do Deus-Menino e de Nossa Senhora, sua mãe, o faz receber o título de justo (zaddik, no hebraico), muito caro no Antigo Testamento; daí se aplicarem a ele o Salmo 1 – a elogiar o justo – e Jeremias 17,7 – a bendizer quem confia no Senhor (cf. Bento XVI. A infância de Jesus. São Paulo: Planeta, 2012, p. 39-40). Dom Estêvão Bettencourt, OSB, também realça a fé do pai adotivo de Jesus ao dizer ter ele aceitado tudo isso porque “reconheceu, por intuição de sua fé, o mistério de Maria. Convicto da probidade e da virtude de Maria, recusou-se a aplicar-lhe as normas da Lei relativas ao adultério e, por isto, quis que ela seguisse o seu caminho (traçado por Deus) sem que ele se envolvesse nos meandros do mistério. O querer despedir Maria, portanto, não significava vingança ou sanção da parte de José, mas respeito e reverência a um desígnio de Deus, que sobrepuja seu entendimento” (Curso de Mariologia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1997, p. 22).
Mais: assim como a Virgem Santíssima não deve temer (cf. Lc 1,30) cooperar com Deus no mistério da Encarnação do seu divino Filho, dando-o à luz, também São José, “filho (= descendente) de Davi”, não há de recear (cf. Mt 1,20) contribuir com esse mistério: aceitará o menino como seu filho – de acordo com Mt 1,21 – e lhe dará o nome de Jesus (Jeshua), que significa “o Senhor (YHWH) é salvação” (A infância de Jesus, p. 41). Daí, na genealogia de Jesus, haver 3 séries de 14 nomes cada uma (cf. Mt 1,1-17). Isso porque 14 é a soma das letras do nome hebraico David (D = 4; V = 6, D = 4 = 14. Lembre-se de que até o século X o hebraico não possuía vogais). Daí, 3×14 = 42 significar a plenitude ou a totalidade dos títulos de Davi de quem Jesus é “Filho”. Ele é, pois, o Senhor, o Rei messiânico por excelência (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de parábolas e páginas difíceis do Evangelho. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1991, p. 152-153).
Eis um pouco do muito que as narrativas da infância de Jesus, nosso Senhor, em Mateus 1, sugere aos leitores atentos.