i.media.- Na Ucrânia, a voz do Papa Francisco é "mais uma vez vox clamantis in deserto", uma voz que chora no deserto, diz o Cardeal-Secretário de Estado Pietro Parolin numa entrevista de oito páginas dedicada à diplomacia papal, publicada na edição de Julho de 2022 da revista geopolítica italiana Limes. Apesar disso, o apelo do pontífice à paz é uma "profecia", acredita ele, comparando-a a um "grão que precisa de solo fértil para dar fruto".
O cardeal recorda as muitas ocasiões em que os avisos dos predecessores do pontífice argentino foram ignorados pelas grandes potências: os de Bento XV durante a Primeira Guerra Mundial, os de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial ou durante a Guerra da Coreia, ou mesmo os de João Paulo II em 2003 antes da invasão do Iraque.
"Ainda hoje, no trágico caso ucraniano, parece não haver vontade de se envolver em verdadeiras negociações de paz" e de aceitar a ação de negociadores imparciais, admite ele.
O cardeal, contudo, assegura que a mensagem do Papa "toca muitos, tornando as pessoas mais conscientes de que a paz e a guerra começam nos nossos corações". É nesta perspectiva, explica ele, que o Papa - seguindo os passos dos seus antecessores - se recusa a ser o "capelão do Ocidente", defende uma "visão multilateral" dos problemas das organizações internacionais e propõe uma "visão menos eurocêntrica da Igreja".
Recordando que vários conflitos estão a ser travados noutras partes do mundo, o "braço direito" do Papa Francisco adverte contra o risco de ver "consolidação" do que o Papa Francisco descreve como uma "Terceira Guerra Mundial fragmentada". Ele acredita que atualmente "ainda não somos capazes de prever ou calcular as consequências do que está a acontecer" na Ucrânia.
O Papa Francisco não é um "russófilo"
O Cardeal Parolin rejeita veementemente os críticos que acreditam que o Papa Francisco está a tomar uma posição de "Russofilia" sobre este conflito. "Não se pode simplificar a realidade a este ponto", exclama, considerando que o Papa condenou a invasão russa "desde o início, com palavras inequívocas" e que nunca colocou como "equivalentes" o agressor e o agredico.
O Papa em vez disso, "manteve-se em igual proximidade" com todos aqueles que sofrem as consequências da guerra, vítimas civis e militares ucranianas, mas também com as mães dos "muito jovens soldados russos que já não tinham notícias dos seus filhos que morreram nos combates". Também insiste na importância de não "ceder à tentação de demonizar o inimigo".
A Igreja Católica reconhece no seu Catecismo o direito à legítima autodefesa, disse o cardeal italiano, mas recusa-se a "pensar na guerra como solução". "O desarmamento é a única resposta adequada e resoluta a estas questões", insiste ele.
Sem acordo, "já não haveria uma Igreja Católica na China"
O Cardeal Parolin foi então interrogado sobre os acordos pastorais assinados pela diplomacia da Santa Sé com a China para a nomeação de bispos. "O acordo estipula que a sua nomeação deve seguir procedimentos particulares, que derivam da história recente deste cristianismo, mas que não omitem os elementos fundamentais e inalienáveis da doutrina cristã", explica ele.
Sem este acordo, "já não haveria uma Igreja Católica na China", mas outra coisa, adverte o Secretário de Estado. Convida-nos a "não sermos escandalizados" pelo fato das autoridades políticas chinesas terem a palavra, mas assegurando que os bispos designados gozem de "liberdade justa" e sejam "pastores autênticos".
Acreditando que foram dados "passos em frente" desde a assinatura dos acordos em 2018, o Cardeal Parolin reconhece, no entanto, que "nem todos os obstáculos" foram ultrapassados. Apela à China para um "diálogo sincero", a fim de permitir a "melhoria" da sua cooperação.