O Papa convidou jovens economistas, ativistas e empresários católicos de todo o mundo a trabalhar em conjunto num "pacto" para dar uma alma à economia de amanhã. No entanto, há setores e grupos que gostariam que o Papa não falasse de uma "economia que mata"; e ainda menos que promovesse um movimento juvenil que se reuniu em Assis para repensar a economia nos passos de São Francisco.
A igreja, com todas as suas estruturas, é obrigada a denunciar o mal causado por uma economia desumanizante. "Não falar da economia é ridículo", diz Emilce Cuda, secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, à Aleteia. A palavra "economia" provém desta situação vital formada por dois conceitos precisos da língua grega: oìkos e nomòs, que significam "casa" e "ordem", respectivamente. Por outras palavras, explica Cuda, trata-se de "como organizamos a casa".
Emilce Cuda é uma discípula do teólogo Juan Carlos Scannone e do filósofo político argentino Ernesto Laclau. "Não falar de economia é impensável". Parta do pressuposto de que qualquer casal que se case tem de começar a ver como vai pagar a conta de luz, o gás e a comida", argumenta ela. "A sobrevivência de cada um de nós, de cada casal que se casa, depende do planejamento econômico; sem economia não há vida", acrescenta ela.
E admite que "o mal penetrou nesta estrutura econômica". "A economia é uma coisa boa. Mas quando a economia é utilizada para atingir um fim totalmente egoísta, acaba por destruir o planeta, de modo que a economia se torna um ataque à vida"; e assim torna-se "um ataque à obra de Deus, que é a criação".
"Como pode alguém dizer que o Papa não deve falar sobre a economia?"
A teóloga sublinha que não temos apenas "o mandato no Antigo Testamento de falar sobre a obra de Deus, mas de cuidar dela e desenvolvê-la". "Portanto, se existe uma economia que está a minar a obra de Deus, quem poderia pensar no Santo Padre, que é o Sumo Pontífice, não se preocupando com a obra de Deus?"
Ela assinala que tal questão é uma "deformação maligna". Pois "parece que o mal não existe em lado nenhum". Ela recorda que "rezamos no Pai Nosso todos os dias: 'Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal'". Contudo, quando "chegamos ao ponto de dizer que o mal penetrou nestas estruturas econômicas para destruir a vida, é-nos dito que somos loucos, que somos medievais".
Neste sentido, diz ela, o Papa, e não só: todas as estruturas de governo no Vaticano, os vários disastres, a cúria romana, os teólogos no mundo, são obrigados a denunciar uma economia que mata.
"Há pessoas amarradas a uma árvore para que não a cortem. Os povos nativos estão a cuidar da criação. Como pode então alguém dizer que o Papa não deve falar de economia? Penso que eles não compreendem que quando o Papa fala de economia, ou quando qualquer um de nós o faz, estamos a cuidar da obra que Deus nos confiou, que é o mundo e as pessoas", reitera Cuda, que também é membro da Academia Pontifícia para a Vida.
"O Papa não é um comunista"
"Não queremos saber se as pessoas querem acumular riqueza e não o fazem à custa de indivíduos ou povos. Isso não é errado. O Papa não é comunista. Na Argentina não há comunismo. Não pensamos que trabalhadores e patrões sejam inimigos. Temos uma cultura mais nacional e popular onde pensamos que empregadores e trabalhadores dialogam socialmente e isso é chamado "acordo coletivo de trabalho"; por isso, no Rio de la Plata, no Sul, não pensamos que o empregador deva ser destruído, pelo contrário".
É de notar que a Pontifícia Comissão para a América Latina foi criada em 1958 para controlar a Teologia da Libertação. E com o Papa Francisco - explicou Cuda - a missão desta comissão é promover o desenvolvimento humano integral, de acordo com a Encíclica "Laudato Si", o atual Magistério Pontifício, e o caminho traçado por Fratelli Tutti.
A especialista assegura que na biografia do pensamento social do Papa e na história do seu país, "o capitalismo e o empreendedorismo não se confundem, uma vez que são coisas diferentes. O empresário é importante porque é ele que assume riscos, é ele que gera emprego, é ele que sofre mais do que os empregados todas as manhãs para lhes garantir trabalho".
"A cultura argentina é uma cultura sindical; portanto, é uma cultura que compreende que o pacto social, o acordo de negociação coletiva, tem a ver com respeito"; e "há um reconhecimento de interlocutores válidos de um lado e do outro", diz Cuda, também autora do livro Para leer a Francisco: Teología, ética y política (Ed. Manantial, Buenos Aires, 2016).
"O Papa pertence a essa cultura latino-americana. Agora, se quiserem compreender as palavras do Papa em termos europeus, bem, então poderiam dizer que ele é um comunista. E se quiserem compreender as palavras do Papa em termos dos anos 50, poderiam dizer que ele é um fascista. Na realidade, ele não é nem comunista nem fascista. O Papa é católico.
"O Papa é um grande defensor dos homens e mulheres de negócios"
"Agora, quando o pacto é quebrado, quando não há mais trabalho, quando o homem de negócios vende a sua empresa e se torna um financista, é outra coisa. Porque não só não há trabalho, como também não há diálogo, não há nada. E é isso que está a acontecer no nosso continente. "Quando pensamos num empresário, não temos de pensar nas grandes multinacionais. A América Latina está cheia de empresários, empresários que são importantes para os trabalhadores".
"O empresário é fundamental na América Latina. É fundamental porque quando dizemos que 62% da população mundial não tem trabalho, aí estão também empresários. Quando pensamos num trabalhador, pensamos no último elo da cadeia de produção. O empresário é um trabalhador. O Papa fala muito bem e defende muito os empresários".
Emilce Cuda recomenda a leitura do discurso do pontífice em Gênova em 2017 onde o Papa afirma que "uma doença da economia é a transformação progressiva dos empresários em especuladores" e onde ele aplaudiu os "muitos empresários verdadeiros, empresários honestos que amam os seus trabalhadores, que amam a empresa, que trabalham em conjunto com eles para fazer avançar a empresa".
De fato, Francisco recordou ainda ontem que "nos últimos quinze anos, o mundo tem passado por crises graves e contínuas. Não tínhamos acabado de enfrentar a crise financeira de 2008 quando tivemos de enfrentar a crise da dívida, depois a pandemia, e depois a guerra na Ucrânia com as suas consequências e ameaças globais".