A prefeitura de Paris aprovou, no último dia 11, que seja apresentado ao Estado francês o pedido formal para que a Basílica do Sagrado Coração de Jesus, mundialmente conhecida pelo nome local de "Sacré Coeur", em Montmartre, seja elevada a monumento histórico nacional.
Polêmicas ideológicas
O icônico templo, situado no topo da colina do bairro de Montmartre e por isso mesmo associado a uma das mais famosas vistas panorâmicas de Paris, está no centro de uma longa polêmica entre a França anticlerical e a França católica.
A sua construção começou em 1873, dois anos depois dos convulsos acontecimentos ligados à Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871). Tratou-se do curto período de pouco mais de dois meses em que a capital francesa foi governada por revolucionários insurrectos inspirados pelas ideias socialistas. Eles deram início à Comuna de Paris assaltando os canhões posicionados justamente na colina em que mais tarde veio a ser construído o santuário do Sagrado Coração, hoje basílica.
Em declarações à AFP, o professor Eric Fournier, da Universidade Paris-Panthéon, explicou que, 1873, os parlamentares de maioria conservadora declararam que o novo santuário seria considerado um edifício de "utilidade pública", já que ajudaria a "dominar um bairro considerado insurrecional do nordeste parisiense". Por isso mesmo, foi visto pelos revolucionários como um símbolo hostil à sua causa.
Além disso, a construção do santuário tinha o declarado propósito de expiar os pecados perpetrados pelas diversas revoluções violentas que sacudiram a França desde 1789. Com isso, anticlericais engrossaram o coro dos militantes socialistas e comunistas na acusação de que a Sacré Coeur de Montmartre representava "repressão" às suas ideias.
O pedido para que a basílica fosse reconhecida entre os monumentos históricos nacionais deveria ter sido apresentado ao Estado francês em 2021, mas, devido aos 150 anos da Comuna de Paris, a solicitação foi adiada para evitar que fosse vista como uma "provocação" extra, num assunto que, por si próprio, já provocava candentes controvérsias ideológicas.
Neste último dia 11 de outubro, o Conselho de Paris aprovou que, finalmente, o pedido seja exposto ao Estado.
No entanto, a representante comunista Raphaëlle Primet já afirmou que a classificação da Sacré Coeur de Montmartre como um monumento histórico é "uma afronta à memória dos comunas".
Benefícios do reconhecimento
A concessão do status de monumento histórico à basílica permitirá que a Diretoria Regional de Assuntos Culturais assuma até 40% dos custos de manutenção do edifício. Esta verba possibilitará melhorias de interesse público, tais como uma rampa de acesso para pessoas com mobilidade reduzida, assim como a restauração do órgão e as obras necessárias para que a cripta seja aberta aos visitantes.
O retorno dos investimentos para a cidade acontece na grande movimentação econômica gerada pelo turismo, dado que, mesmo hoje, a basílica já recebe cerca de 11 milhões de visitantes por ano, garantindo-lhe um lugar de destaque entre os monumentos mais procurados de Paris. A título de comparação, o total de turistas estrangeiros no Brasil inteiro, antes da pandemia, era de pouco mais de 6 milhões por ano - nesta retomada pós-pandemia, o número estimado para 2022 é de 4,2 milhões.
Em paralelo, a subprefeitura que abrange o bairro de Montmartre promove também o reconhecimento da basílica do Sacré Coeur como patrimônio cultural mundial junto à Unesco.
Propósito religioso do santuário
Finalizada em 1923, a Basílica do Sagrado Coração em Montmartre começou a ser construída, muitos anos antes, por motivações espirituais, conforme registra o site do santuário.
De fato, o seu caráter expiatório não diz respeito somente aos pecados cometidos em nome das revoluções: o santuário nasceu do desejo de se oferecer uma igreja ao Sagrado Coração de Jesus em reparação pelos pecados cometidos por todos, particularmente em tempos de grande ameaça para a Igreja e para a pátria francesa.
Um ano antes da própria Comuna de Paris, a França havia sido invadida pela Prússia, em 1870, e, para se engajar na guerra contra os invasores, foi preciso que os soldados franceses que defendiam o Papa no Vaticano abandonassem as suas posições e voltassem à sua terra. O Papa Pio IX, por sua vez, sem a proteção das tropas francesas, foi obrigado a se considerar prisioneiro dentro dos muros vaticanos.
Nesse contexto, o abastado devoto Alexandre Legentil e o general Hubert Rohault de Fleury se propuseram dedicar a construção do santuário do Sagrado Coração tanto em reparação a Ele pelos sofrimentos infligidos pela humanidade quanto em ação de graças pela vitória nacional na guerra Franco-Prussiana.
Em 1872, o arcebispo de Paris, cardeal Guibert, deu seu aval à promessa de construção e escolheu Montmartre como o local para que ela se concretizasse. Os deputados aprovaram a construção no ano seguinte.