Há tempos, se debate se houve, na origem humana, um só casal (Adão e Eva) – o monogenismo – ou vários casais – o poligenismo. Bons teólogos dizem que o poligenismo não contradiz a fé, mas a Igreja, de modo oficial, defende até hoje o monogenismo. Eis a razão de, neste artigo, estudarmos a questão.
Logo de início, importa notar que a ciência não conseguiu até agora tocar o instante zero da vida humana; por isso, a defesa da existência de um ou de mais casais na origem da humanidade permanecem como meras teorias científicas. Desenvolvendo o tema, vemos duas grandes hipóteses sobre a origem humana na terra: a do polifiletismo (poly: muitos; phylon: tronco) a defender o surgimento do homem e da mulher em vários lugares (África, Ásia, Europa...) e a do monofiletismo (mono: um; phylon: tronco) a afirmar que o ser humano teve origem num só lugar. Esta última teoria se subdivide em poligenismo (muitos casais do mesmo tronco na origem humana) e monogenismo (um só casal desse único tronco no princípio de tudo).
Ante o exposto, devemos dizer que o polifiletismo contraria a fé, pois dá a ideia de um tipo de surgimento espontâneo ou casual do ser humano. Já o monofiletismo é assaz plausível com o dogma do Deus criador, seja por criação direta, seja por evolução. Resta saber se houve um ou mais casais na origem humana. Ora, como dito, o poligenismo foi (e é) defendido por grandes teólogos (Karl Rahner, Crusafont, Estêvão Bettencourt etc.). Julgam eles que esta sentença teológica não contraria a fé. Para isso interpretam de modo um tanto forçado o texto de Rm 5,12-20, as declarações do Concílio de Trento e as da encíclica Humani generis sobre o assunto. Segundo esses teólogos, o importante, em suma, é que o ser humano – um ou mais, não lhes importa –, pecou. O dogma do pecado original, mesmo no poligenismo, permaneceria, portanto, intocável (cf. Dom Estêvão Tavares Bettencourt, OSB. Curso de Antropologia Teológica. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2017, p. 148-153).
Pois bem, entre dois ensinamentos contraditórios – o de bons teólogos e do o Magistério da Igreja – não é difícil ficar com o do Magistério: o monogenismo. Afinal, o Magistério da Igreja, é ainda que em graus diferentes – exercido de modo ordinário ou extraordinário –, a instância segura e apta para interpretar autenticamente a Palavra de Deus, que é uma só, mas chega até nós por dois canais: a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 84-87; Lumen Gentium, 25).
Pois bem, a encíclica Humani Generis, do Papa Pio XII, depois de dar liberdade aos católicos cultos para debaterem a evolução da matéria como origem do corpo material (não da alma espiritual, pois esta é criada e infundida diretamente por Deus em cada ser humano), faz reservas ao poligenismo com as seguintes palavras: “Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles” (n. 37).
Tenha, por fim, a palavra o padre Leo Trese, destacado sacerdote norte-americano que se tornou referência na catequese sólida também entre nós, ao escrever que “todos os homens descendem de um homem e de uma mulher. Adão e Eva foram os primeiros pais de toda a humanidade. Não há na Sagrada Escritura verdade mais claramente ensinada do que esta. O livro do Gênesis estabelece conclusivamente a nossa comum descendência desse único casal” (A Fé explicada. 15ª ed. São Paulo: Quadrante, 2021, p. 51-52; cf. também Rm 5,12-20 que se funda, de modo literal, no monogenismo).
Eis o que caberia dizer sobre o poligenismo e o monogenismo.