Desde a invasão da Ucrânia pelos russos em 24 de fevereiro de 2022, o Papa Francisco tem usado todas as forças à sua disposição - diplomáticas, espirituais e ecumênicas - para pleitear a paz. Neutra, mas envolvida, recusando-se a legitimar qualquer escalada de violência, a Santa Sé tem tentado caminhar em uma delicada corda bamba, expondo-se a críticas.
Em 22 de fevereiro de 2023, durante a audiência geral, o Papa Francisco referiu-se ao "triste aniversário" da invasão da Ucrânia pela Rússia. O pontífice referiu-se ao conflito como uma "guerra absurda e cruel".
Nesse ano, o líder da Igreja Católica aproveitou quase que sistematicamente seus dois discursos públicos semanais - durante a audiência geral na quarta-feira e o Angelus, no domingo - para fazer apelos à paz. Em mais de cem discursos, ele denunciou incansavelmente o horror da guerra e exortou os cristãos a rezar pelas vítimas, referindo-se frequentemente ao sofrimento de uma "Ucrânia martirizada".
Se as ações do Papa Francisco diante dessa guerra foram analisadas mais frequentemente do ponto de vista diplomático, seu envolvimento tem sido principalmente no plano espiritual. A este respeito, um dos gestos mais fortes foi a consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração da Virgem Maria, em 25 de março de 2022. O ato envolveu católicos em todo o mundo.
O pontífice também mobilizou o aparato humanitário católico em nome da caridade. Seu capelão o Cardeal Konrad Krajewski, foi enviado à Ucrânia cinco vezes nesse ano.
O pontífice, que tornou o papel pacificador das religiões um dos principais eixos de seu pontificado - notadamente com sua encíclica Fratelli tutti (2020) - também teve o cuidado de evitar dar qualquer interpretação religiosa ao conflito.
Não ser o capelão do Ocidente
Observando que os dois adversários estavam adotando uma retórica defensiva - contra o Ocidente, pela Rússia; contra a Rússia, pela Ucrânia - o que estava levando a uma forma de "escalada a extremos", o Papa questionou repetidamente o conceito de "guerra justa". Este discurso desagradou fortemente Kiev, que enfatizou a legitimidade de sua defesa contra o invasor russo.
A diplomacia do Vaticano, e mais tarde o Papa, foram forçados a reconhecer o direito dos ucranianos de se defenderem. Mas o pontífice também continuou a assegurar que não queria se tornar o "capelão" do Ocidente neste conflito.
Apesar da pressão, a Santa Sé tem mantido continuamente um canal de comunicação aberto com a Rússia. De fato, o pontífice disse numa coletiva de imprensa ao voltar do Cazaquistão, onde havia se reunido com representantes da ortodoxia russa, que mantinha esse diálogo, pois previa seriamente que o primeiro passo para a paz não viria da Ucrânia, mas da Rússia.
Guerra e ecumenismo
As reações e declarações do Papa Francisco também foram guiadas pelos esforços de décadas da Santa Sé para renovar o diálogo com o mundo ortodoxo, especialmente com a Rússia. Foi esta dinâmica ecumênica que permitiu a Francisco encontrar o Patriarca Kirill em 2016, em Cuba.
Com a guerra no Ucrânia, o pontífice mostrou-se preocupado em não minar o trabalho milenar de aproximação com os cristãos orientais, na Rússia e no resto do mundo ortodoxo, mas também de evitar alimentar a retórica da guerra religiosa.
Neutralidade da Santa Sé
Finalmente, deve-se notar que o Papa está vinculado, como seus predecessores, ao Tratado de Latrão. O menor Estado do mundo, de acordo com sua constituição, deve "permanecer alheio às competições temporais", e por isso é proibido de "afirmar seu poder moral e espiritual" em favor de um dos lados em conflito - exceto no caso de um pedido unânime.
Fiel a este princípio, a Santa Sé teve o cuidado de evitar qualquer instrumentalização de suas posições, recusando-se, em particular, a organizar uma viagem do Papa a Kiev, que foi seriamente considerada por um tempo. A Santa Sé também tentou mediar entre as duas partes, sem sucesso, exceto no campo humanitário, ajudando por exemplo a evacuar os civis da fábrica Azovstal em Marioupol.
A "neutralidade pacificadora" defendida pela Santa Sé, no entanto, levou a uma batalha diplomática contínua pelo apoio do Papa, com a Ucrânia e a Rússia operando em dois estilos muito diferentes.
Batalha diplomática em Roma
Este confronto ocorreu em Roma, onde o embaixador ucraniano Andrii Yurash, um especialista em diálogo acadêmico e ecumênico, lutou incansavelmente para assegurar a onipresença da Ucrânia na agenda do pontífice e do Vaticano.
Por outro lado, o embaixador russo Alexander Avdeev, um diplomata experiente, foi mais discreto do que o ucraniano. O Papa o visitou no dia seguinte ao início do conflito para pedir que ele falasse pessoalmente a Vladimir Putin para acabar com o conflito.
Declarações polêmicas
Em várias ocasiões, declarações do Papa Francisco prejudicaram as tentativas de mediação da Santa Sé. Em particular, o lado ucraniano protestou contra as observações do pontífice sobre "o latido da OTAN às portas da Rússia" e sua surpreendente intenção de rezar pela ativista russa de extrema-direita Daria Dugina, que foi morta em um ataque em Moscou.
O Papa também sofreu a ira de Moscou após uma entrevista concedida à imprensa italiana em maio, na qual ele pediu a Kirill, um defensor ferrenho do Kremlin, que não fosse o "acólito" de Vladimir Putin.
A Santa Sé também foi vítima de ataques cibernéticos sem precedentes. Os ataques foram atribuídos pela Ucrânia a hackers russos.
Um papa testado
"Algumas pessoas tiram minhas palavras do contexto para me levar aonde quiserem", lamentou o Papa Francisco em uma entrevista à imprensa espanhola no final de 2022. Ele também lembrou com frequência que seu compromisso com a paz não era válido apenas para a Ucrânia, mas também para todos os outros países atingidos por conflitos - citando a Síria, a Birmânia ou o Iêmen em particular.
Em 8 de dezembro, na festa da Imaculada Conceição, em Roma, o pontífice parecia muito aflito com os fracassos de suas injunções de paz. Diante da coluna da Virgem Maria, seu rosto foi coberto de lágrimas ao falar da situação das crianças ucranianas afetadas pela guerra. Como São Pio X no início da Primeira Guerra Mundial, o Papa Francisco ficou impressionado com sua incapacidade de promover um ideal de paz que era inaudível para as potências envolvidas na guerra.