O substantivo amor e o verbo amar estão muito desgastados nos nossos dias, especialmente a partir da chamada “revolução sexual” dos anos 60 do século XX. Daí a importância de deixarmos claro que, na língua grega, há três termos para designar amor: éros, philia e ágape.
Éros ficou conhecido como um tipo de amor concupiscente ou meramente sentimental e carnal. É, neste sentido, o erotismo prática comum numa sociedade que perdeu quase por completo seus referenciais éticos fundados especialmente na Lei Natural Moral, ou seja, na Lei do Criador escrita na natureza para guiar o ser humano nesta vida em demanda do céu, nossa morada definitiva.
A partir dessa definição, escreve o Papa Bento XVI que “O éros degradado a puro ‘sexo’ torna-se mercadoria, torna-se, simplesmente, uma ‘coisa’ que se pode comprar e vender; antes, o próprio ser humano torna-se mercadoria” (Encíclica Deus Caritas est n. 5). Ora, essa mercantilização do corpo é prostituição, uma das fontes do tráfico humano denunciado, enfaticamente, pela Campanha da Fraternidade deste ano.
Philia, por sua vez, recorda o amor de amizade, de benevolência, capaz de despertar a reciprocidade do outro. Já é um grande avanço em relação ao éros, mas, mesmo assim – salvo a exceção feita no Evangelho de São João para caracterizar o amor entre Cristo e seus discípulos – ainda não atinge o píncaro do amor cristão como a grande novidade que Nosso Senhor veio ensinar e praticar. Afinal, é fácil amar quem nos ama, tão fácil que também os pagãos fazem isso (cf. Mt 5, 46-47).
Ágape
Todavia, a grande novidade do Cristianismo é o ágape. Este é o amor fraterno, serviçal, desinteressado, que se dirige diretamente àquele que amamos sem esperar nada em troca. Aqui está o auge, o clímax, o cume do amor. Com esses pressupostos, vai a Bíblia nos afirmar que Deus é amor (1Jo 4,8). E mais: Ele é o amor que nos amou primeiro a ponto de enviar o seu próprio Filho para morrer por nós (1Jo 4,10) quando ainda éramos pecadores (cf. Ef 2, 1-10).
Daí ao comentar a passagem do Evangelho na qual o Senhor Jesus recomenda o amor incondicional – “Quem procura salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á” (Lc 17,33) – o Papa Bento reflete do seguinte modo: “Assim descreve Jesus o seu caminho pessoal, que o conduz, através da cruz, à ressurreição: o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e, desse modo, dá muito fruto. Partindo do centro de seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenitude, ele, com tais palavras, descreve, também, a essência do amor e da existência humana em geral” (idem n. 6).
Duas dimensões
Antes de concluirmos nossa reflexão, importa fazer, com Bento XVI, um importante esclarecimento quanto ao éros e ao ágape: “no fundo, o ‘amor’ é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais. Mas quando as duas dimensões [éros e ágape] se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva de amor” (ibidem n. 8).
Por fim, Bento XVI demonstra que o verdadeiro sentido do ágape “Consiste, precisamente, no fato de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou nem conheço sequer”, mas, a partir de um encontro íntimo com o Senhor, “aprendo a ver aquela pessoa já não somente com meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo”. Contudo, se me falta esse contato íntimo com Deus, vejo o outro sempre como estranho, contento-me apenas em ser “piedoso” e “cumprir meus deveres religiosos” sem se importar com o meu irmão. Nesse caso, trata-se de uma relação “correta” ou legalista com Deus, mas sem amor. Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus” (ibidem n. 18).
Peçamos, pois, ao Divino Espírito Santo, nosso Mestre Interior, que nos mostre a forma mais acertada de praticarmos, no dia a dia, a caridade, que, junto com a penitência e a oração, foi tão recordada pela Mãe Igreja no tempo quaresmal.