Lia há pouco a interessante análise de um teólogo sobre o que ele mesmo define como “a insignificância e a irrelevância da Igreja no Brasil”. O interesse do texto é justamente provocado porque ele parte de um presumível fato. Segundo o autor, a Igreja se tornou insignificante e irrelevante.
O problema verdadeiro, ao meu ver, está no rastreio da causa desse fenômeno por ele excogitado. O teólogo, no caso, utiliza dois instrumentos analíticos forjados por Metz e Moltmann para traçar a linha de causalidade que explicaria o porquê do problema: “significado” – uma religião, para ter importância, precisaria responder a questões existenciais reais do indivíduo e, portanto, dar um significado aos seus dramas; “relevância” – do mesmo modo, precisaria tratar de questões que interferem no “nós” da sociedade; e fazê-lo é necessário, sob a pena de se tornar tão insignificante quanto irrelevante.
Até aqui, estou plenamente de acordo.
É então que o autor afirma que, no fundo, a teologia da libertação (TL) teria sido uma reflexão teológica que deu significado à luta do povo e, por isso, forneceu relevância à Igreja, por tratar de grandes questões que impactaram a sociedade. E, também neste sentido, o autor tem certa razão… Explico.
Não é possível entender o grande sucesso da TL descontextualizando-a da circunstância histórica concreta que, então, se vivia. No contexto global da guerra-fria, os regimes políticos da América Latina, além de utilizarem a repressão, usurparam a representação democrática para muito além do que era devido para controlar os atos de terrorismo das guerrilhas comunistas patrocinadas por Cuba e pela URSS, gerando o apelo generalizado pela redemocratização. Essa música de fundo é como que a trilha sonora que toca incessantemente no coração de toda aquela geração. E eles são incapazes de dissociá-la emocionalmente de qualquer coisa que lhe pareça contrastar, ainda que seja de maneira meramente simbólica.
Há outra camada na interpretação daquele período. Quando Raymundo Faoro mostrou que a história do Brasil é a de um povo que se tenta libertar de uma elite patrimonialista que se serve do Estado como propriedade privada, ele descreveu uma realidade que permanece até o momento presente.
Qual é o problema? É que aquilo que Faoro chamava de “Revolução brasileira” é um fenômeno que transcende as correntes políticas e, de certo modo, as usa apenas de maneira utilitária: quando uma bandeira coincide com a “Revolução brasileira”, esta a absorve; quando não, a despreza.
Quando nós nos perguntamos sobre de que lado da “Revolução brasileira” estava a Igreja das décadas de 70-80, a resposta é evidente: naquele contexto, estava do lado do povo que queria a redemocratização para poder exercer novamente o controle sobre as autoridades políticas. A “Revolução brasileira” foi lida e interpretada corretamente pela TL. Ali, ambas coincidiram.
Contudo, a realidade mudou muito.
Quando o PT conquistou o poder, ungido inclusive por nossos líderes, todos os seus maiores representantes se comportaram exatamente como a elite à qual o povo se opõe de modo tão obstinado ao longo de sua história: os escândalos de corrupção, dos quais hoje se pretende fingir a inexistência, demonstraram que a utilização do Estado como propriedade privada de um grupo é a constante que se manteve.
Ademais, a elitização da esquerda através da hegemonia dos meios de produção cultural (universidades e mídia) fez com que a mesma passasse a agir não mais em defesa dos operários, mas em defesa de pautas francamente burguesas, como a agenda verde e a agenda da revolução sexual, temas solenemente ignorados pela esquerda tradicional porque ignorados pelo próprio povo, que é moralmente conservador.
Por fim, quando essa mesma esquerda legitima atos não democráticos como a restrição à liberdade de expressão, a ilegítima invenção de crimes ao arrepio da lei, o abuso de autoridade – que faz coincidirem a vítima, o investigador, o promotor, o juiz e o executor na mesma pessoa –, o controle abusivo sobre a sociedade pela ditadura sanitária, quando essa mesma esquerda se serve da falta de isonomia como meio de se favorecer num teatro miserável de poder, à despeito do povo real e na defesa abstrata de uma democracia boicotada pela sua simultânea infração…, então, o ciclo se fecha! Trata-se de uma esquerda que se tornou, ela mesma, parte do estamento burocrático.
Com esta mudança de cenário, poderia um discurso religioso vendido para validar o que está aí ter alguma relevância?… É óbvio que não!
Acontece que a esquerda eclesiástica é tão enamorada de seu idealismo político que não percebe mais o mundo concreto, está completamente à serviço dessa mesma elite que diz combater. As pessoas percebem-no, e percebem, inclusive, que eles não percebem isso, pois estão encurralados psicologicamente naquele ambiente que não existe mais.
E o povo, perdido e desorientado, procura refugiar-se onde se encontram as respostas mais adequadas para os seus dramas pessoais e para a sua luta histórica. E garanto que se encontra muito mais representado pelos pentecostais, que não apenas reproduzem os seus valores morais conservadores, mas colocam-nos à serviço de um tipo de civilização que este mesmo povo gostaria de protagonizar, povo esnobado por essa elite, povo humilhado pelos seus discursos tão arrogantes quanto depravados.
Quando a crítica aos novos movimentos e comunidades, feita pelo autor, é vista fora da sua matriz ideológica e exposta à realidade nua e crua, então, percebe-se o quanto é risível, e ela mesma insignificante e irrelevante.
Para isso, não é preciso muita inteligência. Basta olhar ao redor e se perguntar: onde pulsa a vitalidade da Igreja? Pois bem! É justamente aí que o povo está!
Não seria a hora de se começar uma reflexão humilde, que escute todos os lados e procure enriquecer as perspectivas, ao invés de ocuparmo-nos com críticas tão amarguradas quanto esnobistas e com a reprodução de um discurso não apenas incoerente com o momento histórico, mas que se tornou hermético e exclusivo de iniciados, esotérico, portanto? Não é possível continuar fingindo que a realidade não existe e que estamos naquele cenário que não existe mais.
A única saída para esse impasse histórico, ao meu ver, é levar as tendências do povo à sério e começar a entender que esse discurso de sinodalidade que o Santo Padre requer de nós não pode ser como o jogo político brasileiro, que é uma encenação para que um grupo continue fazendo exatamente aquilo que sempre fez.
Se não revisarmos as nossas posições, consagrar-nos-emos na mais completa insignificância e irrelevância. E é justamente aí que os nossos irmãos evangélicos encontram o fértil espaço para continuarem a crescer.
That’all folks!
Pe. José Eduardo Oliveira, via Facebook