"A cultura representa verdadeiramente a salvaguarda do ser humano", explicou o Papa Francisco no domingo, em seu último discurso público de sua 41ª viagem apostólica. Falando ao mundo acadêmico e cultural reunido na Faculdade de Ciências da Computação e Ciências Biônicas da Universidade Católica Péter Pázmány (Hungria), que é particularmente avançada em neurociência e está envolvida em colaboração com universidades do Oriente Médio, o pontífice argentino desenvolveu uma ampla reflexão sobre a relação entre cultura e tecnologia.
Cultura, "um grande rio
Desenvolvendo uma metáfora baseada na imagem do Danúbio, o Papa explicou que a cultura "é como um grande rio", que "flui através dos diferentes lugares da vida e da história, ligando-os". "Ela nos permite navegar pelo mundo e abraçar países e terras distantes; ela sacia o espírito, irriga a alma e faz a sociedade crescer", disse o pontífice.
A própria palavra "cultura" deriva do verbo "cultivar": o conhecimento implica uma semente cotidiana que, ao entrar nos sulcos da realidade, dá frutos", explicou Francisco. Citando o teólogo alemão Romano Guardini, sobre o qual havia iniciado uma tese na década de 1980, o Papa advertiu contra "a subjugação do ser vivo que se desenvolve" quando a vida é "enquadrada em um sistema de máquinas".
Em particular, ele alertou contra "aquela 'arrogância do ser e do ter' que Homero viu como ameaçadora no início da cultura europeia e que o paradigma tecnocrático acentua, com um certo uso de algoritmos que podem representar um risco adicional de desestabilização do ser humano".
O beco sem saída de um "humanitarismo" enganoso
O Papa Francisco nos convidou a refletir sobre as causas e as consequências da "crise ecológica, com a natureza reagindo apenas ao uso instrumental que fizemos dela". Ele denunciou a "falta de limites" permitida por uma evolução da sociedade que enfatiza "o indivíduo centrado em suas necessidades, ansioso para se enriquecer e se apoderar da realidade".
O pontífice argentino citou o livro The Master of the Earth, obra publicada em 1910 pelo escritor britânico Robert Benson, na qual o ex-sacerdote anglicano que se tornou católico descreve "um futuro dominado pela tecnologia" e no qual "tudo é padronizado em nome do progresso". A história retrata "um novo 'humanitarismo' que anula as diferenças, reduzindo a zero a vida dos povos e abolindo as religiões", lembrou o bispo de Roma.
Nesse mundo descrito por Benson, "parece óbvio que é necessário remover os doentes e aplicar a eutanásia, abolir as línguas e as culturas nacionais para alcançar uma paz universal que, na realidade, se transforma em uma perseguição baseada na imposição do consentimento". Para Francisco, os eventos atuais mostram que essa "análise sombria" tinha uma dimensão "profética".
A universidade como antídoto para os instrumentos ideológicos
O Papa explicou que "nesse contexto, os papéis da cultura e da universidade se destacam mais". Para Francisco, a universidade "é o 'templo' onde o conhecimento é chamado a se libertar dos estreitos limites da posse para se tornar cultura, ou seja, o 'cultivo' do homem e de suas relações fundantes: com o transcendente, com a sociedade, com a história, com a criação", explicou Francisco.
Os acadêmicos devem, portanto, viver suas pesquisas "com uma ansiedade saudável", reconhecendo seus "próprios limites" e limitando sua "presunção de autossuficiência".
Enquanto "o pensamento tecnocrático busca um progresso que não admite limites, o homem real também é feito de fragilidade; e muitas vezes é aí que ele entende que depende de Deus e está conectado aos outros e à criação", explicou o pontífice de 86 anos. "A fragilidade e a grandeza do homem" devem, portanto, ser mantidas juntas "em uma dialética virtuosa", insistiu Francisco, que observou que "a Hungria viu uma sucessão de ideologias que se impuseram como verdade, mas não deram liberdade".
Referindo-se à "passagem do comunismo ao consumismo", o Papa advertiu contra o impasse da transição de uma liberdade que se retém a uma liberdade sem freios. Somente Jesus "liberta o homem de suas dependências e fechamentos", insistiu, convidando a universidade a se tornar "um laboratório de esperança".