Não sou um idealista. Não gosto nada de impor qualquer compreensão apriorística à realidade, tentando fazê-la encaixar em meus moldes pré-fabricados. Para mim, isso é delírio, surto, loucura. Gosto dos fatos, por difíceis que sejam.
A fé, para mim, não é algo aditivo, mas está em total harmonia com a realidade, não como um complemento da mesma, mas como aquilo que a valida inteiramente em termos sobrenaturais.
É por isso que não consigo entender como contradição o pessimismo e o otimismo. Ambos não são apenas não contraditórios, mas totalmente coerentes, ainda que em planos distintos.
Observar a realidade concreta e perceber que o homem é inclinado ao mal, que o egoísmo humano e a natureza perversa de alguns indivíduos são constatações para lá de óbvias me faz, muitas vezes, ser pessimista, ou seja, não apostar em que vai ficar tudo bem, em que todas as coisas vão funcionar, num desespero quase alucinante por dissuadir-se dos fatos. — “Não é possível colher figos de espinheiros nem uvas de abrolhos”, disse Nosso Senhor, em Lc 6,44!
Portanto, não sou daqueles que tentam se despersuadir das desgraças em curso. Chamo-as pelo nome; e é a coragem de confessá-las que me faz ter a coragem de enfrentá-las, pois tudo que não posso encarar me torna vulnerável. Como dizia Jó, “tudo que eu temia me aconteceu” (Jó 3,25). E isso significa que tenho sempre de encarar a realidade sem entrar em negação. Só assim nos colocamos em condições de resolver os imbróglios da vida.
Quando os profetas anunciavam tragédias, os judeus os desprezavam e perseguiam justamente porque estavam inebriados por um otimismo nacionalista. Mas isso de nada lhes adiantou senão como um engano voluntário que os tornou inteiramente frágeis diante da realidade. Ali, a realidade os chamava ao pessimismo concreto.
Ao mesmo tempo, nada disso é incoerente com o fato de que Deus está no controle de tudo e sabiamente dispõe todas as coisas para um bem que transcende os fatos pontualmente considerados. Como disse Jesus, “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18), e Paulo, “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28).
Sendo assim, tenho um otimismo escatológico obstinado com um pessimismo histórico muito autoconsciente. E é justamente isso que eu chamo de realismo, a soma dos dois.
E é aí que se encontra, para mim, a raiz do cômico, que fazia um Machado de Assis se tornar delicioso justamente por flagrar que, dada a propensão para o pior inerente ao mundo decaído, a possibilidade do péssimo é mais usual e corriqueira, enquanto tudo isso justamente pode ser descrito por um observador que o concebe numa lógica que o transcende e, assim, pode dar-se ao luxo de encarar positivamente a provisoriedade do péssimo enquanto orquestrado em função de um ótimo que advém apenas como a invisível meta-narrativa de todos os acontecimentos.
É a coragem de ser pessimista no humano que me torna capaz de ironizá-lo, pondo-o em função de uma comédia toda divina e, portanto, feita de intervenções que me escapam do controle, mas que me proporcionam a confiança necessária para ter a coragem de um otimismo, ao fim e ao cabo, todo ele teologal.
Pe. José Eduardo Oliveira, via Facebook