Só a intervenção do exército permitiu restaurar a ordem após a eclosão, na quarta-feira semana passada, 3 de Maio, de confrontos étnicos no estado indiano de Manipur que causaram pelo menos 55 mortos, quase três centenas de feridos e mais de vinte mil deslocados. Várias igrejas foram destruídas ou danificadas. Em causa está a pretensão das populações pertencentes ao povo Meitei – composto essencialmente por hindus, mas também por muçulmanos – de terem alguns benefícios atribuídos às comunidades consideradas como mais desfavorecidas, ou tribais, maioritariamente cristãs. As autoridades foram forçadas a decretar o recolher obrigatório e o acesso à Internet foi suspenso. O presidente da Conferência Episcopal, D. Andrews Thazhath, pediu a todos os bispos da Índia para organizarem grupos de oração nas paróquias para que a paz regresse a Manipur. “Peço a todos os bispos que divulguem esta mensagem para se organizarem grupos de oração nas paróquias e instituições religiosas, pela paz no estado e para que as partes em conflito entrem em diálogo e reconstruam Manipur no agradável lugar de paz que era”, disse o prelado, citado pela agência católica Gaudium Press.
Ambiente de crispação
Os confrontos que ocorreram em Manipur são sinal de um ambiente de crispação que tem vindo a crescer na Índia contra a comunidade cristã. Em Janeiro deste ano, a Fundação AIS dava conta, por exemplo, de uma onda de ataques, com agressões a fiéis e vandalização de templos no estado de Chhattisgarh. Num desses incidentes, a 2 de Janeiro, uma multidão atacou a Igreja do Sagrado Coração, em Bastar, onde há uma significativa população de origem tribal, atirando pedras contra o edifício, arrombando a porta de entrada e destruindo tudo o que se encontrava no interior, incluindo uma estátua de Jesus Cristo. O ataque foi o culminar de uma crescente tensão com grupos radicais hindus que vinham a mobilizar as populações instigando-as contra os cristãos locais. Em causa estava a acusação de conversões forçadas por parte dos cristãos e a prática do que os radicais hindus classificam como sendo uma “religião estrangeira”. Anteriormente, em Dezembro de 2022, houve outros incidentes contra cristãos em dezenas de aldeias também no estado de Chhattisgarh, com a destruição de três igrejas. No mesmo mês, mas na cidade de Mysuru, no estado de Karnataka, também houve um ataque a uma Igreja Católica, com a vandalização do templo.
País de particular preocupação
Estes incidentes ocorreram apenas dois dias depois de a Comissão dos Estados Unidos sobre a Liberdade Religiosa Internacional ter recomendado que o governo da Índia, liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, fosse incluído na lista dos países “de preocupação particular”. Esta recomendação, que na prática significa colocar a Índia numa espécie de ‘lista negra’ dos países onde a liberdade religiosa não é respeitada, é uma consequência da constatação de que o governo da Índia, está envolvido ou promove “violações sistemáticas, contínuas e flagrantes” ao direito à liberdade religiosa ou de crença.
Mais de 800 ataques
Também no mais recente Relatório “Perseguidos e Esquecidos?”, elaborado pela Fundação AIS sobre a perseguição aos cristãos no mundo, é referido que a vitória do partido nacionalista Bharatiya Janata (BJP) reforçou e encorajou “um clima no qual as minorias são marginalizadas”, constatando-se que, no período em análise, de 2020 a 2022, houve “mais de 800 ataques a cristãos”, o que significou “um aumento recorde” face ao relatório anterior. Os incidentes ocorridos agora em Manipur, ajudam a compreender o ambiente de intimidação em que vivem as comunidades cristãs tribais. Na memória de todos está o trabalho desenvolvido pelo Pe. Stan Swamy, um jesuíta que dedicou a sua vida aos povos tribais, aos dalits, e que morreu no hospital, a 5 de Julho de 2021, embora a enfermaria em que se encontrava tivesse sido apenas a sua última cela, pois estava detido sob acusação de terrorismo.
Recordar o Padre Stan
De fato, apesar do reconhecimento internacional do seu trabalho como ativista dos direitos humanos, nomeadamente dos povos indígenas, o Pe. Stan Swamy estava preso desde 8 de Outubro de 2020, tendo o seu estado clínico vindo a deteriorar-se depois de ter contraído na prisão a Covid19, o que levou as autoridades a permitirem o seu internamento hospitalar a 28 de Maio de 2021, mas negando-lhe a libertação sob fiança. Para as autoridades ele foi sempre visto como um criminoso. Para as populações tribais, que defendeu durante toda a vida com notável energia, era, porém, um amigo. Muitos dos dalits, dos intocáveis que o Pe. Stan defendeu ao longo de mais de 40 anos são cristãos. A sociedade indiana ignora-os como se não existissem, como se fossem invisíveis. Quando o Pe. Stan foi preso, o presidente executivo internacional da Fundação AIS alertou o mundo para a situação dramática dos que procuram defender os direitos humanos na Índia, dizendo que haverá “outros casos de padres e catequistas que foram injustamente acusados com o objectivo de espalhar o medo e de os intimidar”. Para Thomas Heine-Geldern, o caso do Pe. Stan era apenas a ponta de um icebergue” da criminalização dos que defendem os direitos humanos, dos que procuram dar “melhores condições de vida”, aos dalits e às populações tribais na Índia. Populações tribais que agora, em Manipur, vivem tempos de medo e de incerteza.
(Com AIS)