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Nossa responsabilidade para não nos deixarmos enganar

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 14/05/23
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Afirmar a verdade e combater a mentira, antes de ser uma obrigação do Estado, é uma responsabilidade moral de cada um de nós – e como tal devemos considerar

O Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido como “PL das fake news”, tem causado uma grande polêmica no Brasil. Se, por um lado, medidas de combate às fake news são necessárias, por outro, esse PL – como qualquer outra iniciativa humana – tem falhas e ainda pode ser melhorado em muitos pontos. Simplesmente rechaçá-lo ou aderir a ele acriticamente não são posições razoáveis. Mas, antes de dizer “faça-se isso ou aquilo”, todos nós precisamos fazer uma reflexão que caracterize bem o problema e suas possíveis soluções. O texto a seguir não quer esgotar essa reflexão, mas apenas pontuar algumas questões iniciais.

Ninguém quer ser enganado

A expressão popular “me engana que eu gosto”, só pode ser entendida como farsa irônica ou como total desilusão. Contudo, a mentalidade moderna, sem se dar conta, foi educando nossa sociedade à legitimidade da mentira. Se não existem verdades, mas apenas narrativas e opiniões, nos colocamos na confortável posição de nunca sermos considerados mentirosos – pois só se pode falar em mentira na contraposição à verdade. Mas, ao mesmo tempo (e isso é que não foi percebido), nos colocamos na incomoda posição de quem pode ser impunemente enganado a qualquer momento – pois a enganação tem o mesmo valor que a verdade.

A reflexão crítica, ao longo dos últimos séculos, foi mostrando os condicionamentos sociais e psicológicos de nossas ideias; os interesses, muitas vezes escusos, que se escondem por trás de muitos idealismos. No início, parecia uma luta entre críticos (que se consideravam indubitavelmente certos) e os supostos iludidos (por ignorância ou má-fé), mas o avanço da própria crítica foi mostrando que os críticos também estavam sujeitos aos mesmos tipos de condicionamento e falseamentos da realidade.

O problema, ainda que já presente, não era percebido quando haviam poucos “lugares de fala” reconhecidos na sociedade: apenas uns poucos centros acadêmicos, grandes jornais e partidos políticos com ideologias estruturadas. Porém, a situação se tornou crítica quando a internet e as redes sociais multiplicaram esses “lugares de fala”, criando uma imensa cacofonia onde todos podem falar o que querem e as pessoas não conseguem mais identificar a origem e a coerência de quem divulgou uma informação.

Fake news sempre existiram, o que mudou foi a velocidade absurda com a qual a informação (certa ou errada) se difunde na sociedade – além da esperteza de alguns, que se valem dessa situação, e da ingenuidade dos demais, que acabam acreditando naquilo que ouvem sem procurar questionar e entender. Hoje, os críticos são criticados e os denunciantes são denunciados; os próprios veículos de checagem de informações são questionados; como na piada popular, o ladrão é o primeiro a sair correndo e gritando “pega ladrão”.

Do direito de resposta à regulamentação das redes sociais

No passado, o chamado “direito de resposta” parecia um mecanismo razoavelmente eficiente para evitar os efeitos das fake news. Quando uma mídia social divulga uma notícia falsa ou um comentário ofensivo sobre alguém, a vítima tem direito de um espaço equivalente naquele veículo para esclarecer o erro, além de uma compensação financeira quando o prejuízo já está configurado. O sistema ainda existe e funciona em muitos casos. Contudo, com a velocidade e a capilaridade com que as informações são divulgadas, o direito de resposta quase sempre chega tarde demais. Além disso, são divulgadas informações perigosas, que não são falsas, mas colocam em risco pessoas e comunidades, como técnicas de suicídio ou de fabricação de bombas.

Por tudo isso, a regulamentação e normatização das mídias e redes sociais, nessa nossa “sociedade da informação” é urgente. Trata-se, contudo, de uma tarefa complexa, onde várias estratégias devem ser utilizadas de forma integrada. Uma dessas estratégias, mas não a única, é a regulamentação, isto é, criação de legislações e normativas que indicam o que pode e o que não pode ser publicado nas redes sociais e nos sites; o que fazer quando uma fake news é identificada; como evitar abusos de poder econômico e de influência das plataformas; etc. Essa regulamentação não será nunca ideal e perfeita, pois as tecnologias evoluem de forma muito rápida, criando novos desafios. Por isso, a questão nunca consiste em ter ou não ter tal regulamentação – ela sem dúvida é necessária – mas sim em saber quais as melhores estratégias que deve utilizar, mantendo sempre o desejo de mudar para melhor quando se detectam insuficiências ou erros.

Como muitos vêm insistindo, existe sempre o perigo de que essa regulamentação se torne um instrumento de censura. A questão é que, gostemos ou não, existem posições que já não são consideradas lícitas na sociedade e, portanto, não podem ser admitidas na Internet – como, por exemplo, sites ou perfis nas redes sociais que promovam a pedofilia; preguem o extermínio de grupos étnicos, religiosos ou culturais; ameacem a democracia e proponham a instauração de uma ditadura; incentivem e ensinem como praticar massacres nas escolas. No extremo oposto, encontramos aquelas situações que seriam claramente exercício do autoritarismo de Estado, e já são práticas comuns em ditaduras, como o acesso a informações pessoais de todos os que se posicionam contra o governo; a proibição de críticas ao sistema vigente; a obrigação de elogiar o regime. Entre os dois extremos, encontramos uma grande variedade de situações onde os limites entre regulamentação e censura, defesa da sociedade e autoritarismo do Estado não ficam claros.

Nossa responsabilidade pessoal

Em sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2018, Papa Francisco considera que “o melhor antídoto contra as falsidades não são as estratégias, mas as pessoas que, livres da ambição, estão prontas a ouvir e, através da fadiga dum diálogo sincero, deixam emergir a verdade; pessoas que, atraídas pelo bem, se mostram responsáveis no uso da linguagem”. Afirmar a verdade e combater a mentira, antes de ser uma obrigação do Estado, é uma responsabilidade moral de cada um de nós – e como tal devemos considerar.

Ninguém quer ser enganado... Mas, muitas vezes, preferimos o autoengano à aceitação de que uma posição diferente da nossa é a certa. Não queremos reconhecer publicamente que estamos errados,  não queremos dialogar com quem pensa diferente e assim perdemos as contestações que poderiam até não estar certas, mas nos ajudariam a aprofundar mais nossa posição e nos aproximarmos mais da verdade... E, realmente, é cansativo ter que sempre checar informações, ouvir opiniões discordantes, pedir a Deus o dom do discernimento (pois chegar à verdade não deixa de ser uma graça) – mas, na sociedade atual, esse trabalho é inevitável se não queremos nos enganar.

Não podemos também homologar o direito de checagem às pessoas que nos parecem autoridades em determinado campo. Um teólogo pode saber muito sobre a fé, mas nem por isso conhece política. Nosso médico pode ser muito competente, mas nem por isso está capacitado para avaliar os avanços científicos na área de vacinas. Aquele site pode trazer estudos muito interessantes e ter posições muito próximas às nossas, mas nem por isso estará sempre bem informado sobre tudo que acontecer.

A dúvida sistemática, que desacredita de tudo, e o relativismo não são posições humanamente adequadas. Nossa tarefa, nesses casos, é estar sempre abertos e atentos tanto às informações que nos são mais cômodas e simpáticas, quanto àquelas que nos exigem mais esforço de compreensão e nos parecem inadequadas. A “sociedade da informação” tem coisas maravilhosas e nos pode dar instrumentos preciosos para ficarmos mais próximos de Deus, mas exige de nós esse comprometimento moral de nos esforçarmos para sermos fiéis à verdade.

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