Ele era normal. Não havia nada que pudesse sugerir o contrário: nada especialmente traumático, nenhum episódio extraordinário, nada! A vida lhe abria as portas para experiências marcantes, muita diversão, muito sexo, muita farra… Como o dinheiro lhe vinha fácil, era induzido a maiores aventuras, despreocupado, seguro de si.
Aos poucos, isso se lhe tornou não apenas o corriqueiro, mas a substância mesma de suas ações, o molde de sua consciência. Não podia ficar sem prazeres, sem dissipações. Aquilo lhe era necessário, tornara-se refém do que lhe aprazia.
Apagava-se em sua alma qualquer lembrança de Deus; era como se nada existisse para além do fatalmente material. Obscurecendo-se sempre mais e mais, tudo se lhe escoava pelas mãos: família, trabalho, saúde. Estava reduzido ao lixo sem saber direito como aquilo sucedera. Ele sofria pelo olhar condenatório dos outros, que viam nele apenas um pervertido que sai do outro lado da máquina que mói os irresponsáveis.
Por fim, feito um trapo inútil, à um fio de vida, repentinamente seus olhos se abriram. Ele podia, então, compreender tudo! Enquanto morria, aos pés da cama, num relance, viu a companhia que lhe causara tudo isso e a quem sempre, tanto ele quanto os outros, todos!, ignoravam.
E pôde ele, no último fôlego, escutar ainda aqueles estridentes risos do vencedor: era o escárnio do seu companheiro de caminhada, o deboche derradeiro do diabo, o bandido da sombras, o criminoso invisível, aquele que sempre era tido como um mito, como a mais risível superstição, a mais desprezível das crenças.
Pe. José Eduardo Oliveira, via Facebook