O ser humano possui a incrível capacidade de se recriar a cada novo dia, e tal habilidade o torna ainda mais complexo na medida em que ao se reinventar, é possível fazer morada em cada competência, agilidade ou personalidade admiradas. A aptidão de ir além traz a certeza da missão na qual cada cristão foi chamado. Entretanto, ao longo da jornada, as dificuldades vão deixando de ser obstáculos para se tornarem verdadeiras tiranas e toda aquela potência que fazia ir ao infinito e além vai se esvaindo até que sobrem apenas o medo e a fuga, restando unicamente o indivíduo, antes ávido pela vitória, agora preso e escravo dos seus pecados.
Infelizmente a escolha pela mudança requer, além de uma forte vontade, a sabedoria para decidir sair da zona de conforto, local, por sinal, morada de todos nós em algum momento da vida. Essa zona leva tal nome não à toa, porque é lá que é possível encontrar força (cum-fortis), o único problema é que a fortaleza encontrada não se encontra em si, mas fora. A zona de conforto é um local no qual há descanso, sombra e água fresca, mas concomitante a toda essa maravilha, há uma espécie de bomba-relógio. É uma zona que deve ser entendida como lugar de passagem, não pode ser a morada de ninguém, porque de uma hora para outra, a bomba explode e as sequelas são extremamente nocivas para a saúde física e saúde mental.
Perceba que ninguém gosta de assumir que se encontra na zona de conforto e, proporcionalmente a isso, está a dificuldade de sair desse espaço, funcionando como uma espécie de droga invisível, na qual a sua psique é a grande vítima. E é justamente a partir desse momento que a fuga de si, do mundo, e de Deus acontece, uma vez que largar e abandonar a zona de conforto é deixar tudo aquilo que lhe prende ao mundo e ao pecado, e tal atitude requer tamanha força de vontade e de superação que são impossíveis serem encontradas neste lugar, além de também não haver ser humano capaz de vencer sem o auxílio divino.
Fato é que viver dessa maneira e neste referido espaço é apenas sobreviver, é caminhar junto da boiada, sem rumo, sem direção, apenas deixando, como diz a canção, “a vida levar”. É compreensível, no entanto, vez ou outra, estar lá, não há mal nisso; mas passar a vida na zona de conforto é um convite à tibieza, um convite à vida morna, sem cor, sem o ardor da vida cristã. Portanto, o chamado que Jesus faz é, talvez, até um pouco assustador para muitos, e de difícil compreensão para outros, porque é um chamado para o avivamento, para um despertar para dentro, um convite para, em muitos casos, o nosso deserto, um local ermo e despovoado.
O apelo de Deus não é para que tenhamos uma vida difícil e triste, muito menos que vivamos uma vida solitária; mas é preciso ter a consciência que em meio aos inúmeros desertos em que passamos ao longo da nossa caminhada, o ser humano se encontra mais exposto e disponível a Deus, estando qualquer tentativa de se esconder totalmente fora de cogitação. É no deserto que seu resgate é feito mais depressa, porque é lá que o indivíduo se deixa ser abraçado pelo Pai, é lá que Cristo pode pegá-lo no colo, é lá que a mesma água viva que Jesus ofereceu à samaritana será dada a você.