Por trás de toda família feliz, há uma velhinha de joelhos dobrados que ora pelos seus. Ouvi essa frase certa vez e nunca mais me esqueci. Talvez porque consegui perceber o quanto isso é verdade.
De origem humilde e interiorana, minha avó paterna, Natalina, queria ter entrado para o convento. Porém, com sério problema de visão, não conseguiu fazer os votos perpétuos e realizar esse sonho. Os desígnios de Deus apontavam para outro caminho: o matrimônio com Francisco e a consequente missão, também divina, de erguer uma família.
E assim o fizeram, juntos. Juntaram dificuldades, percorrendo algumas das profissões mais duras — ele, caldeireiro, lavrador e guarda noturno; ela, doméstica e caseira, começando bem cedo a trabalhar na lavoura. Mas, para além disso, juntaram uma visão de esperança diante dos desafios da vida. Deles, não ouviam-se lamurios, ressentimentos ou queixas. A vida era uma permanente ação de graças.
Jamais tiveram qualquer pretensão material. Voto de pobreza? Possível que sim: parte imposta pela própria realidade, e a outra por um foco no que é essencial à felicidade. “Deixai vir a mim os pequeninos”, chamou Jesus Cristo, e ela foi. Sem pensar duas vezes. Conheci ali o significado da tal “fé simples”. Aquela que é um exercício puro e completo de entrega, sem racionalismos.
Ainda pequeno, aos cinco anos de idade, perdi o convívio próximo com ela. Conseguia reencontrá-la a cada quatro estações, em média. Mas ficou profundamente marcada, no meu imaginário, aquela casa humilde e preenchida de Deus.
Quadros com imagens modestas de temática católica se espalhavam pelo lar. Repito: tudo muito simples, mas inspirando a mais alta dignidade. Era uma casa de oração, onde ela rezava seus diversos terços diários e — no mais avançado da idade — assistia às missas pela TV, a cada final de tarde.
E eis que chego ao título deste texto: o altar da minha avó. Era o centro do lar, entre a cozinha e a sala de estar. Sempre acesa, uma vela acompanhada por flores preparava de forma singela o ambiente para os amigos de Deus, incluindo São Judas, Santo Expedito e Santa Luzia. A Sagrada Família ficava ao centro.
Tenho guardada, com carinho e saudade, uma foto que fiz desse altar. Carinho, porque é a representação perfeita da minha avó. É só olhar para esse espaço para compreender muito de sua alma. E saudade, porque Natalina faleceu há cinco anos, enquanto eu estava em lua de mel, de uma forma um tanto inesperada para mim.
Em outro continente, sequer pude dizer “até mais!” (afinal, o reencontro é matéria da nossa fé) a quem tanto me ensinou, nem beijar pela última vez a mão que me abençoava. Lamento por não ter agradecido a ela por ser o testemunho mais evidente que tive da presença de Cristo. Ela, que transmitiu a mim o bem mais valioso que possuo: a crença no Deus que nos abraça e nos salva.
Sim, a Vó Dona — como todos a chamávamos carinhosamente — era a velhinha que orava por nossa família, murmurando com o rosário em mãos. Assim, fez de nossa família um espaço privilegiado do amor, mesmo com tantas fraquezas humanas minhas e dos demais membros. Desde o céu, agora, ela intercede por todos nós.
Rafael Codonho é jornalista, empreendedor e sócio-diretor da Critério – Resultado em Opinião Pública