Considerando a grande importância das virtudes cardeais no cristianismo, há muitos católicos que regularmente se questionam se estão de fato vivendo a sério a temperança, que inclui a ponderação no uso equilibrado dos recursos materiais e no aproveitamento sóbrio dos prazeres lícitos.
Nesse contexto, há quem se pergunte até que ponto determinadas tecnologias e comodidades da vida contemporânea não são frivolidades que nos enfraquecem na virtude. Entre elas, por exemplo, estaria o ar condicionado.
Para muita gente, pode parecer um despropósito preocupar-se com algo que já se tornou corriqueiro na maioria dos ambientes de trabalho e em grande parte das residências. Para muitas outras pessoas, porém, é de grande relevância questionar-se regularmente sobre o ponto de equilíbrio entre os confortos da modernidade e uma vida pautada pela renúncia ao supérfluo.
Certamente, o uso do ar condicionado não constitui nenhuma questão teológica específica para a fé católica, mas serve como um exemplo interessante de como deve ser prático um bom exame de consciência sobre a própria vivência dos princípios cristãos na realidade cotidiana.
Vejamos 4 pontos de reflexão interessantes sobre a relação entre a vivência da nossa fé no dia-a-dia e o uso de um conforto material como o ar condicionado:
1 - Cuidado com o próximo
Este valor essencial da fé católica requer a consideração constante do bem-estar das pessoas ao nosso redor. Ao usarmos retamente a tecnologia para amenizar situações de calor excessivo ou de frio intenso, estamos vivendo na prática esse cuidado, criando ambientes mais saudáveis para as pessoas e evitando não somente o desconforto, mas também certos riscos para a sua saúde. Exercitamos maduramente essa consciência ou simplesmente usamos ou prescindimos do ar condicionado por pura inércia?
2 - Cuidado com a criação
Esta é uma pauta bastante em voga na atualidade, dentro e fora da Igreja, e, em muitos casos, acaba sendo desvirtuada em mera instrumentalização ideológica numa guerra de narrativas entre facções partidárias. Mas não precisa ser assim. O livro do Gênesis é explícito ao declarar que Deus confiou a gestão do mundo criado ao ser humano. É com base bíblica e não ideológica, portanto, que a doutrina católica enfatiza a necessidade de um cuidado responsável não apenas das relações entre as pessoas, mas também da administração dos recusos naturais que utilizamos. O Papa Francisco, aliás, fez do "cuidado da casa comum" o tema central da sua encíclica Laudato Si'. O uso consciente do ar condicionado, neste sentido, não serve apenas para reduzir o consumo excessivo de energia e minimizar impactos negativos no planeta, mas também serve como exercício efetivo da temperança, uma virtude caracterizada pela moderação, pela disciplina e por uma sábia medida de abnegação.
3 - Cuidado consigo mesmo
Assim como a bem dosada capacidade de sacrifício é um sinal de maturidade e virtude, o excesso no sacrifício pode ser sinal de soberba ou até de falta de confiança em Deus, como se Ele fosse um tirano que não quer que usufruamos dos confortos que Ele próprio nos proporciona, seja de modo direto, seja como resultado da engenhosidade humana - que também é um dom divino. Cuidar bem de nós mesmos, com equilíbrio, consciência e serenidade, é um gesto de reconhecimento da nossa própria dignidade de filhos de Deus e templos do Espírito Santo.
4 - Gratidão a Deus
Poder usar uma tecnologia tão bem-vinda quanto é a da climatização de ambientes é uma oportunidade para a ação de graças a Deus pelo dom da inteligência, que permite a criação e a evolução dos recursos úteis a uma vida mais saudável e confortável. A atitude de ação de graças, inclusive pelos bens materiais, leva os católicos a reconhecerem em toda oportunidade, inclusive nas aparentemente mais inusitadas, que todo bem vem de Deus.
Algo aparentemente aleatório como o ar condicionado pode ser um interessantíssimo exemplo concreto de como tudo o que existe no mundo pode e deve ser encarado pelos católicos, conscientemente, a partir da perspectiva de Deus.