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As variedades no monaquismo eremítico

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Vanderlei de Lima - publicado em 01/10/23
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O modo de ser eremita variava muito a ponto de cada um escolher uma forma de vida que mais lhe parecia agradar a Deus e servir de penitência pelos próprios pecados e pelos males do mundo. Entenda

Iniciamos este artigo com uma afirmação do Pe. Dr. Jesús Hortal, SJ, ao comentar o cânon 603 do Código de Direito Canônico a regular a consagração puramente eremítica na Igreja. Diz o sábio canonista: “A vida eremítica foi o primeiro tipo de vida consagrada masculina, muito florescente a partir do último terço do século III”.

Entre os eremitas eram mais ou menos comuns cinco pontos: o silêncio, a oração, o trabalho manual (faziam cestas, esteiras, cordames etc.), a hospitalidade para com algum peregrino ou candidato à vida eremítica e a consulta dos mais jovens a monges experientes nos caminhos do deserto a fim de saberem se estavam trilhando bem a via da ascese. Esses monges mais velhos eram chamados de Abba (= Pai), pois sempre tinham algo a ensinar aos seus filhos espirituais, pela palavra e pelo exemplo da própria vida penitente que levavam.

No entanto, o modo de ser eremita variava muito a ponto de cada um escolher uma forma de vida que mais lhe parecia agradar a Deus e servir de penitência pelos próprios pecados e pelos males do mundo. Assim, se sobressaíram os estilitas, os reclusos, os pascolantes ou herbívoros, os sarabaítas, os dendritas e os adamitas.

Os estilitas seguiam o exemplo de São Simeão, o Estilita, cognome dado pelo modo como vivia. Habitou por 30 anos no topo de uma coluna de 40 cúbitos de altura. De lá, exercia a direção espiritual de homens e mulheres recém-chegados ao deserto e socorria os necessitados como podia. Despertou, com isso, muitos seguidores. Junto a esses existiam os reclusos, religiosos que ficavam por muitos e muitos anos, outros até a morte, fechados voluntariamente numa cela estreita por eles mesmos construída. Foram deveras estimados pelas pessoas que com eles contatavam e suscitavam discípulos desejosos de uma vida mais santa entregue só a Deus.

Ficaram também conhecidos, nesse período, os pascolantes ou herbívoros, pois, a partir de seus eremitérios, saíam pelos campos a fim de colher ervas para se alimentarem só delas. Havia ainda os giróvagos que, como o nome diz, perambulavam de mosteiro em mosteiro, ficando neles como hóspedes por três ou quatro dias participando da comunidade em que faziam suas estadias, e os sarabaítas a viverem em grupos de dois ou três em celas distintas, mas sem superior nem Regra. São Bento, na sua Regra, capítulo 1,6-12, condena esses dois últimos tipos de monges. Além desses existiam, embora em menor número, os dendritas, que moravam em árvores, e os adamitas, assim chamados por usarem a roupa até que ela se acabasse. Imitavam Adão, antes do pecado original (cf. Gn 2,25) (cf. Dom E. Bettencourt, OSB. História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2012, p. 126, J. Comby. Para ler a história da Igreja I: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola, 1993, p. 85).

Como se vê, esse tipo de vida – em si muito belo, louvável e santo – poderia levar alguns deles, mais dados à fantasia do que à razão, a caírem em deslizes, inclusive doutrinários; por isso, São Basílio, Bispo de Cesareia (330-379), reagiu contra os desvios na forma de se praticar o eremitismo. Ele aconselhava os monges a viverem em comunidade; encorajava-os a empreenderem um trabalho intelectual e a favor dos pobres. O ideal do cenobita é a primitiva comunidade de Jerusalém (cf. At 2,42-47), na qual devem conviver em obediência a um superior. Este não faz mais do que interpretar e aplicar à vida diária a regra suprema que é o Evangelho.

Notamos aqui que o eremitismo, fortíssimo nos séculos IV e V, especialmente no Egito, na Síria e na Palestina, começou a perder, por razões práticas, terreno para a vida cenobítica, ou em comunidade, mas nunca deixou de existir na Igreja e se acha, como dito, regulamentada no Código de Direito Canônico de 1983, cânon 603. “Aí não se leva, como se vê na Regra de São Bento 2,3-5 a recomendar que se viva vida cenobítica antes de se tornar eremita”, como muito bem notou Dom Orani Tempesta, O. Cist. (O Papa e a intercessão pela evangelização, 02/05/2023, on-line). Basta, portanto, a decisão do bispo diocesano de acolher, em sua diocese, segundo critérios próprios, um(a) eremita.

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