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Quando o transtorno bipolar vira ferramenta de testemunho

MAN, FACE, MIRROR
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Anne-Sophie Retailleau - publicado em 10/10/23
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Jovem dá um testemunho forte de como viveu 10 anos de peregrinações médicas, internações e sofrimento por causa do transtorno bipolar e como a fé o ajuda a enfrentar a doença

No 10º arrondissement de Paris, os sinos da majestosa igreja de Saint-Vincent de Paul tocam às 11h. Na esplanada de um café em frente ao edifício, Florian bebe algo deitado. Cigarro eletrônico na mão, capacete e bateria de bicicleta colocados na cadeira ao lado, esse jovem de trinta anos tem a aparência típica de um executivo parisiense dinâmico. É difícil detectar no seu rosto calmo os vestígios das provações vividas nos últimos dez anos. Há quatro anos, Florian Vallières (nome fictício) foi diagnosticado com transtorno bipolar, patologia que faz com que o paciente alterne entre fases depressivas e fases de euforia.

Florian quis dar um testemunho vibrante de sua experiência de sofrimento por meio de um livro, publicado em 2022. Ele evoca seus anos de peregrinação médica, sua progressiva aceitação da doença e, acima de tudo, sua relação com a fé. “As pessoas bipolares, mesmo que tenham crises místicas, podem viver uma relação autêntica com o Senhor”, garante o jovem, que afirma que viver a fé quando se sofre de um distúrbio psicológico pode ser complexo.

Anos de peregrinação médica

Em maio de 2010, quando tinha acabado de completar 20 anos, Florian descobriu a fé em Deus e ao mesmo tempo viveu o início da doença. Com um amigo, saiu do bairro rico da capital onde cresceu para ir à Índia, a Calcutá, em missão humanitária. “Eu era um pequeno dândi parisiense que saía muito e não sabia nada sobre pobreza”, diz Florian. 

"Quando cheguei à fundação de Madre Teresa, onde fui voluntário, fui confrontado com uma miséria total. Fiquei profundamente impactado com isso, foi um trauma", acrescenta ele.

Quando regressou a França, um mês depois, Florian caiu numa grave depressão da qual demorou um ano a sair.

Poucos meses depois, enquanto se dirigia à Jornada Mundial da Juventude de Madrid, o jovem teve o seu primeiro ataque de pânico: não conseguia mais dormir, sentia-se exultante, viu-se assaltado por ideias de todo o tipo e perdeu o contato com a realidade. “Pensava que eu era o Salvador, pensava que eu tinha uma missão a cumprir e que tinha que conhecer Bento XVI ”, afirma. Avisados, seus pais foram buscá-lo com urgência para levá-lo de volta a Paris.

Porque, se a fé pode apoiar a pessoa com perturbações mentais, também pode, de formas misteriosas, torná-la mais vulnerável. “É muito difícil dissociar os sentimentos e sensações que a bipolaridade suscita”, escreve Florian. “As alegrias que me dão o Deus que me salva e perdoa, ou as resultantes de certas fases da doença."

Em 2013, o jovem foi para Lourdes, e sentiu-se chamado a ser sacerdote. Acompanhado de seu diretor espiritual, decidiu ingressar no noviciado com os jesuítas. Mas enquanto fazia um retiro de silêncio de 30 dias, Florian começou a duvidar, acreditava que estava vivendo uma batalha espiritual. Ele caiu novamente em depressão. Depois de um ano com os jesuítas, o seu estado de saúde obrigou-o a abandonar o noviciado e a ser hospitalizado. “Fui muito feliz nos jesuítas, levei cinco anos para me recuperar dessa provação”, explica.

Depois chegou o momento do diagnóstico e da aceitação da doença. “Em média demoram-se dez anos para diagnosticar o transtorno bipolar, foi o meu caso”, lamenta. “Fui acompanhado por uma psicoterapeuta maravilhosa, que me ajudou muito em nível psicológico, mas também espiritual. Foi ela quem realmente me fez entender que eu estava doente”, continua Florian.

Esperança mais forte que a doença

“Hoje posso dizer que a minha fé me ajuda a enfrentar a minha doença, porque me dá esperança. Mas não é por isso que ela me permite pensar que estou curado e parar de tomar a medicação. Humanamente, utilizo os meios que me são dados: consultar um médico e um psicoterapeuta, fazer tratamento e ter um estilo de vida saudável.”

“Tenho sorte de estar estabilizado hoje, não tenho crises há quatro anos”, garante. Porém, ele sabe que o jogo não está ganho. Porque, embora a bipolaridade possa ser tratada, não há cura até o momento. Mas depois de anos de sofrimento, vários crises e internações, Florian finalmente diz que está em paz. 

"Durante anos estive enredado em provações espirituais, tive muito medo de ser condenado ao inferno", confidencia Florian. "Há pouco tempo, o Senhor me deu a graça de sentir a sua presença, de uma forma muito gentil e pacífica. Entendi que os tempos dos homens não são os tempos de Deus. O Senhor está presente durante o sofrimento, mas isso não significa que Ele me curará imediatamente. Ele conhece meus sofrimentos porque os experimentou. Você tem que aceitar, é preciso coragem. E quando somos tocados pela graça, podemos dizer: 'Senhor, de fato, tu estavas lá!'. Devemos ter a humildade de olhar para a Cruz de Cristo e perceber que só Ele sofreu na sua carne e no seu espírito de forma integral".

Apesar de todas as provações infligidas pela doença, Florian nunca deixa de esperar finalmente encontrar a paz. Em alguns meses, o jovem se casará. “Quero que o meu casamento seja um sinal de esperança para todas as pessoas bipolares, porque isso era totalmente inesperado para mim há poucos anos”, confidencia. 

“Minha noiva leu meu livro, conversamos muito sobre a doença. Você tem que tranquilizar, explicar para a outra pessoa que você está fazendo de tudo para evitar uma crise, mas também avisar que isso pode acontecer. Não será fácil, mas será vivenciado, com total autenticidade", explica ele.

Florian agora quer ajudar os outros, tirando força de suas fraquezas. "A minha doença é uma ferramenta de testemunho, permite-me ser empático, compassivo, conhecer pessoas”, garante. “Hoje, o que desejo profundamente é rezar pelos outros, pelos que sofrem e principalmente pelos que sofrem de transtorno bipolar. Tenho esta esperança da salvação dos homens, para cada um de nós. A misericórdia de Deus é infinita", finaliza o jovem.

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