Há cerca de apenas seis meses, escrevi um artigo intitulado Atentados, suicídios: os jovens diante da violência do mundo, por conta do assassinato de uma professora ao tentar evitar que um aluno matasse colegas. Pois aqui estamos nós, novamente diante da mesma situação bárbara e horrorosa. Todas as vidas importam, nenhuma morte é fato trivial, mas – nesses casos – o assassinato é apenas a ponta do iceberg. Abaixo dessa ponta, que mira dramaticamente o céu, existe uma imensa massa de sofrimento, bullying, cobranças sociais e expectativas pessoais frustradas; dores que provavelmente não são novas na sociedade, mas que ganharam espaço para aflorarem tragicamente em nossos dias.
Não pretendo repetir aqui as coisas que escrevi a bem pouco tempo, mas alguns aspectos me impressionaram na comparação da cobertura jornalística dos dois casos. Nesse momento, existe uma assertividade muito grande com relação ao que se deve fazer para evitar essas tragédias. Seis meses atrás, os jornalistas procuravam especialistas e gestores, tentando entender por que essas coisas acontecem e como evitá-las. Várias respostas eram aventadas, sempre com cuidado para não criar estigmas nem se comprometer com falsas soluções.
Um diagnóstico relativamente bem conhecido
Hoje, bem pouco tempo depois, existe uma análise consolidada sobre o que estamos vivendo. Sabemos que nossos jovens estão sujeitos a altos níveis de pressão social, numa sociedade cada vez mais conectada e dependente do “êxito” individual, onde todos tem a obrigação de se mostrarem vitoriosos, mas bem poucos o são de fato. Uma sociedade que censura o bullying e a discriminação, mas que continua condenando aqueles que se mostram diferentes, os mais frágeis e os que não conseguem se mostrar vitoriosos em seus contextos sociais. Ao mesmo tempo, as redes sociais criaram “bolhas” onde esses excluídos podem se encontrar e ser doutrinados por ideologias truculentas e incitados à vingança violenta contra uma sociedade que não os respeita.
Também sabemos o que pode ser feito: capacitar a escola, por meio tanto do oferecimento de profissionais especializados quanto pela formação de professores, para detectar e acompanhar adequadamente os estudantes passíveis de exibir comportamentos perigosos; ajudar as famílias na educação de seus filhos, quando mostram comportamentos agressivos; aumentar a vigilância e preparar os jovens para não se deixarem influenciar pelos sites da “dark web”, onde são incentivados à prática de atos violentos.
Mas, se sabemos as causas e conhecemos as soluções, estamos resolvendo o problema? Até aqui, parece que não: cerca de metade dos atentados ocorridos no Brasil foram perpetrados nos últimos dois anos. Temos que aceitar, contudo, alguns dados da realidade... Esses atos de violência extrema são relativamente raros e o trabalho iniciado demorará algum tempo para atingir a maioria do sistema escolar e da população jovem. Por outro lado, num país que sabidamente investe pouco e mal na educação, que enfrenta sérios problemas de segurança pública, esse é apenas um entre tantos desafios enfrentados pelos governos.
Isso não isenta os gestores públicos de suas responsabilidades. Nesse atentado mais recente, os estudantes disseram à imprensa que o jovem já havia feito ameaças e que os seus colegas já haviam comunicado o fato à escola. Houve descaso ou despreparo por parte dos responsáveis. O governo estadual de São Paulo começou um programa de contratar psicólogos para trabalhar nas escolas, mas foram apenas 500 num sistema com 5.200 escolas... Muito pouco, como o próprio governo reconheceu. O governo federal tem gerado documentos e eventos de formação, mas também ainda não tem um programa nacional de combate à violência nas escolas.
Nossas comunidades
Neste cenário, as comunidades católicas têm, também elas, a sua responsabilidade, em vários níveis da vida social. Em primeiro lugar, ajudar as famílias diante do que acontece com seus jovens e nas escolas. As famílias não podem ter um discernimento adequado se estão aterrorizadas e alarmadas com a situação. É importante que a comunidade católica se ajude a enfrentar esse problema com a devida tranquilidade e confiança no Senhor. O bom cristão, mais do que se preocupar, se ocupa com os problemas: estar atento ao que acontece com os jovens, sendo uma companhia segura, sem sufocá-los ou alarmá-los; ficar próximo da escola, interagindo com professores e gestores de maneira colaborativa, não só cobrando ou questionando, mas também dando o incentivo e o apoio necessários.
Os grupos de jovens católicos são muito importantes neste cenário. Jovens precisam de outros jovens, de companhia sadia, de espaços de alegria e socialização adequados; de companheiros mais velhos nos quais possam se espelhar; ouvidos amigos que escutem suas dores e os ajudem a procurar o apoio necessário. A comunidade católica pode e deve ser o local privilegiado onde nossos jovens encontram tudo isso.
A justiça que só Deus pode nos dar
Tragédias sempre acontecem e continuarão a acontecer. Lutamos para que sejam cada vez menos frequentes, menos trágicas, mas sabemos que, assim como os pobres (Mc 14, 7), também tragédias sempre teremos. Diante de tanta dor que as cerca, não podemos deixar de nos voltar a Deus.
Quem poderá trazer justiça àqueles que morreram ainda jovens? Existe justiça humana capaz de consolar suas famílias enlutadas? E os próprios perpetradores e suas famílias, não são eles também vítimas de uma sociedade que – como máquina de moer carne – destrói sonhos e esperanças, esmaga a autoestima e não apresenta caminhos senão os da violência? A raiva e a vingança podem parecer se satisfazer com punições rigorosas, mas sabemos que a dor e o vazio permanecem...
A única justiça que, de fato, nos interessa, a justiça restaurativa, que recompõem a humanidade desfigurada pela tragédia e pela dor, só pode nascer do amor e da ternura de Deus todo-poderoso. É um milagre pelo qual só podemos pedir, no qual só podemos esperar porque já vivenciamos, ainda que de forma embrionária, as maravilhas que Ele faz por nós.
Por isso, o convite à oração que a Igreja sempre faz nessas ocasiões não é um gesto meramente formal, mas o cerne de toda a nossa resposta à violência.